Há muitos casos de cancro da mama avançado?
Em Portugal são diagnosticados cerca de 7 mil novos casos de cancro da mama por ano. A maioria em fase curativa da doença, ou seja, em estádios iniciais, embora cerca de 20% possam ser casos de doença avançada, não passível de tratamento cirúrgico inicial. Também alguns casos de doença mais precoce podem recidivar mais tarde. E, por isso, estima-se que de todos os casos diagnosticados cerca de 20 a 30% correspondam a doença avançada.
Muito se tem feito para a redução da mortalidade por esta doença, sendo a medida mais impactante o rastreio e diagnóstico precoce, mas também a inovação terapêutica tem conseguido dar mais tempo de vida com melhor qualidade de vida, o que de facto é muito importante, dado que se tem verificado cada vez mais diagnósticos em mulheres cada vez mais jovens! Mas este diagnóstico não é exclusivo das mulheres. Apesar de raro, não poderemos esquecer os homens com cancro da mama!
“Estima-se que de todos os casos diagnosticados cerca de 20 a 30% correspondam a doença avançada”
Quais os principais desafios que enfrentam as doentes?
Estes doentes enfrentam grandes desafios, de acordo com a sua idade e com a fase da vida em que se encontram! De forma geral, o diagnóstico de uma doença oncológica avançada desperta sentimentos de medo, angustia e receio pela própria vida! Estes sentimentos muitas vezes são partilhados por toda a família, com alteração ao nível familiar, social, profissional e até económico!
É necessário o apoio incondicional da sociedade, de forma a ser possível dar as estas pessoas a vida que pretendem.
Que lacunas existem no seu apoio?
Há várias lacunas identificadas ao longo de todo o percurso, que se deseja longo e que progressivamente tem vindo a aumentar, mas que se mantém com várias dificuldades!
O SNS precisa de melhorar na articulação de cuidados, no cumprimento dos tempos de resposta garantido nas várias áreas de tratamento, no acesso ao melhor tratamento de acordo com o estado da arte, na oferta de apoio psicológico, de cuidados de nutrição, de exercício físico adaptado a cada situação, entre outras!
O estado social também necessita de articular serviços – há longos tempos de espera e demasiada burocracia para o acesso a apoios sociais.
O mundo laboral, também, terá de se adaptar a uma importante fatia da população que vive com doenças crónicas e que, num mercado flexível, poderiam adaptar as suas tarefas profissionais de acordo com o que poderiam fazer, continuando a contribuir com o seu trabalho.
E por fim, as várias alterações que muitas vezes é necessário operacionalizar no seio da família, devendo o apoio aos cuidadores também ser salvaguardado.
O projeto MAAT (Multidisciplinary Approach in Advanced Breast Cancer Treatment) elaborou um consenso. Entre as várias recomendações, o que gostaria de destacar?
Este é um documento extenso que reflete um trabalho de vários profissionais e de diferentes disciplinas! Destaco os projetos definidos pelo grupo de trabalho como prioritários:
– A implementação nas unidades de Oncologia do “nurse navigator” ou o que em português poderemos designar como enfermeiro gestor do doente – este faria o acompanhamento do doente ao longo do seu percurso na doença com especial papel na articulação e transição de cuidados, mas também no apoio e acompanhamento em cada um dos tipos de tratamento definidos como o mais adequado!
– Assegurar as condições para a existência de apoio psico-oncológico diferenciado, disponibilizando ao doente e família/cuidadores o acesso a este tipo de apoio, mas também a todos os profissionais de forma a prevenir e a reduzir o burnout e a respetiva abstenção laboral e o impacto desta doença profissional!
– A integração precoce dos cuidados paliativos – esta ainda é uma área deficitária nos hospitais e na comunidade! Nos últimos anos, tem havido um reforço muito importante destas equipas que desempenham um papel fundamental no dia a dia destes doentes. O atual modelo de cuidados paliativos, cooperativo e integrado, que acompanha a pessoa doente com doença incurável é feito pela ação conjunta do tratamento oncológico específico e de outras áreas de intervenção como o controlo de sintomas, comunicação com o próprio e respetivos cuidadores, estratégias de melhoria da qualidade de vida, estas do domínio dos cuidados paliativos. A investigação demonstra que a inclusão precoce dos cuidados paliativos em situações de doença incurável, como o cancro da mama metastizado, melhora os seus resultados clínicos, por oposição à prática convencional de prestação destes cuidados apenas em fim de vida!
A OMS defende este modelo colaborativo e atribui responsabilidade ao sistema de saúde de integrar precocemente estes cuidados especializados no continuo de cuidados disponibilizados dado o seu contributo na melhoria da qualidade de vida do próprio, cuidadores e família! Por isso num documento como este não poderíamos deixar de fora este objetivo de oferecer a todos os doentes com doença avançada o melhor da ciência atual.
E, por fim, a implementação da consulta de farmácia hospitalar – a Oncologia tem evoluído, permitindo atualmente um elevado número de tratamentos orais, onde o papel do farmacêutico hospitalar poderá ser fundamental para reduzir interações medicamentosas, ajudar na integração de medicinas alternativas e com isso contribuir para uma melhoria franca da adesão ao tratamento, otimizando os resultados obtidos.
“Este é um documento extenso que reflete um trabalho de vários profissionais e de diferentes disciplinas!”
O que considera que vai ser mais difícil de implementar?
Talvez o mais difícil, por ser o mais ambicioso seja mesmo o do enfermeiro gestor, por poder implicar a contratação de mais profissionais de enfermagem. Contudo, acreditamos que talvez seja o mais disruptivo com tradução na elevação do cuidado a estes doentes!
Relativamente às sobreviventes deste cancro, ainda há muito trabalho a fazer?
Sim, o trabalho é continuo… nunca estará terminado. A este nível serão necessárias todas as disciplinas relacionadas com a reabilitação, dentro de um modelo integrador de cuidados, ao nível biopsicossocial! A Medicina Geral e Familiar tem neste grupo de pessoas um papel fulcral, podendo as clínicas de sobreviventes serem destinadas aqueles com sequelas permanentes provocadas pela doença ou pelos tratamentos.
Este consenso tem o foco na doente. Mas também acaba por facilitar o trabalho dos profissionais de saúde?
Os profissionais desejam que o percurso dos doentes seja facilitado! Se isso acontecer o seu trabalho claramente melhorará!
Pode-se dizer que também pode ser um meio de estreitar laços entre equipas de saúde e associações de doentes?
As equipas multidisciplinares que se ocupam do tratamento de doentes oncológicos, sobretudo em casos de doença avançada já fazem um esforço muito grande de integração de múltiplas áreas. Tratar estes doentes exige da equipa multidisciplinar muita coordenação e uma forte comunicação e, claro, que se criam laços, de amizade, cumplicidade, compaixão e interação! As associações de doentes são um pilar fundamental no apoio aos doentes e famílias, muitas vezes, substituindo até várias responsabilidades do estado, sobretudo nos apoios sociais e financeiros, muitas vezes ajudando na comparticipação de medicamentos e na oferta de consultas em áreas deficitárias (como psicologia) ou na oferta de apoio jurídico!
SM/MJG
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