A primeira edição do Fórum AOP Health, que se realizou no dia 28 de setembro, reuniu mais de 100 especialistas portugueses e espanhóis que se centraram na temática “Hipertensão Pulmonar: Especialistas Portugueses discutem situação atual de doença crónica que afeta cerca de 500 pessoas em Portugal”. Foram discutidos os tratamentos atuais, o papel dos diferentes especialistas envolvidos na gestão da doença e os desafios no desenvolvimento da prática clínica.
O que é a hipertensão arterial pulmonar e qual é a sua prevalência?
A hipertensão arterial pulmonar é uma forma de hipertensão pulmonar. A expressão ‘hipertensão pulmonar’ é uma designação genérica que engloba várias entidades patológicas com diferentes causas, mecanismos e tratamentos e que se encontram distribuídas por cinco grupos clínicos diferentes. Nesta reunião foram abordados dois destes grupos: a hipertensão arterial pulmonar e a hipertensão pulmonar tromboembólica crónica.
A hipertensão pulmonar é uma anomalia da circulação pulmonar que se caracteriza por um aumento da pressão com que o sangue circula nos vasos sanguíneos, seja a nível das artérias ou das veias. A forma mais frequente de hipertensão pulmonar é a que acompanha algumas doenças cardíacas, como a doença coronária ou a insuficiência cardíaca esquerda, e que é geralmente tratada pelos cardiologistas. Quer a hipertensão arterial pulmonar quer a hipertensão pulmonar tromboembólica crónica são formas mais raras. Em rigor, não temos dados exatos sobre a prevalência das formas mais raras de hipertensão pulmonar. O que temos são estimativas, com base nos doentes que se encontram em seguimento nos centros de tratamento e a fazer medicações muito específicas. No que se refere à hipertensão arterial pulmonar (ou grupo 1 da classificação clínica) e que engloba algumas doenças raras, estimamos que a prevalência possa rondar 20 a 30 casos por milhão de habitantes. Se juntarmos o tromboembolismo pulmonar crónico (o grupo 4 da classificação clinica), este valor pode exceder os 50 casos por milhão, mas continua a ser uma prevalência baixa quando comparada com outras formas de hipertensão pulmonar, como por exemplo com a que se associa às patologias cardíacas mais frequentes já mencionadas.
Qual é o impacto da hipertensão arterial pulmonar na vida dos doentes?
De forma geral, vemos a hipertensão pulmonar como um marcador de maior gravidade, que cursa com uma evolução mais complicada e que pode reduzir a expectativa e a qualidade de vida dos doentes que são por ela afetados. Isto aplica-se a todos os subtipos de hipertensão pulmonar. No caso da hipertensão arterial pulmonar, este impacto revela-se ainda mais dramático, sendo que na ausência de tratamento adequado a doença pode comprometer muito rapidamente a possibilidade dos doentes manterem uma vida normal, provocando queixas de cansaço ou falta de ar e acabando por evoluir para formas avançadas da insuficiência cardíaca e até morte precoce.
“O impacto da hipertensão arterial pulmonar, ou das outras formas de hipertensão pulmonar, é muito marcado e é determinante para a vida das pessoas e para a evolução das doenças associadas a esta patologia.”
Quais são os principais desafios que se conhecem?
O primeiro grande desafio é o diagnóstico precoce, particularmente no que se refere às formas mais raras de hipertensão pulmonar. Sabemos que quando conseguimos diagnosticar estas doenças numa fase inicial podemos iniciar os tratamentos mais cedo e isso aumenta o seu sucesso. Portanto, a probabilidade de controlar a evolução da doença, e até de reverter os fenómenos subjacentes, é tanto maior quanto mais cedo diagnosticarmos e iniciarmos o tratamento correto. Diria que este é primeiro grande desafio que enfrentamos. A maior parte dos doentes, quer em Portugal, quer noutros países, tende a ser diagnosticada em fases mais avançadas da doença e isso é, de facto, algo que todos têm a preocupação de melhorar. Existe um esforço das várias sociedades médicas envolvidas para fomentar a divulgação da doença junto dos seus pares, de modo a aumentar o diagnóstico precoce e a criar vias de referenciação efetivas que agilizem a chegada dos doentes aos centros onde podem ser corretamente diagnosticados e tratados.
A hipertensão arterial pulmonar é uma doença que exige ser tratada em equipa multidisciplinar com experiência nesta área. Em Portugal os doentes têm acesso facilitado a estas equipas?
Já há alguns anos, a Direção-Geral da Saúde nomeou centros de tratamento para a hipertensão pulmonar, e que estão sobretudo vocacionados para o diagnóstico e tratamento de doentes com as formas mais raras de hipertensão pulmonar, ou seja, a hipertensão arterial pulmonar e o tromboembolismo pulmonar crónico. Atualmente, temos dois centros no Norte, um na região Centro, onde me encontro, e três no Sul. Para um país com a nossa dimensão, parece-me que serão suficientes.
O acesso dos doentes a estes centros está previsto nas vias de referenciação formais do SNS e cada centro acaba por criar protocolos de trabalho com os colegas que identificam em primeira mão estes doentes e que são os principais referenciadores de forma a estabelecer com eles uma rede de referenciação, se não formal, pelo menos informal, e que seja funcional. Provavelmente, nenhum dos centros possui as condições ótimas de funcionamento e todos enfrentamos constrangimentos a diversos níveis, mas seguramente todos nos esforçamos por as superar.
Em relação a Espanha, qual é a realidade neste campo? É muito diferente de Portugal?
Daquilo que pude observar, considero que a experiência dos nossos colegas espanhóis é muito válida, estando ao nível do que melhor se faz a nível mundial. Têm excelentes resultados que abrangem também os procedimentos técnicos e cirúrgicos como a endarterectomia pulmonar e o transplante de pulmão, aspetos onde estamos mais carenciados a nível nacional.
“Percebo também que muitos dos nossos problemas serão comuns e estes momentos de intercâmbio de experiências são sempre enriquecedores ajudam-nos a evoluir.”
O que é preciso melhorar em Portugal a nível dos centros e de apoio aos doentes?
Algo que pode ser transversal a todos os centros passa pela gestão de recursos humanos diferenciados, porque penso que todos temos carências, tanto a nível de médicos como de enfermeiros. Um grupo de médicos e enfermeiros diferenciados nesta área e com tempo dedicado é indispensável para que os centros possam cumprir a sua missão junto dos doentes. Seria também muito importante que estes centros pudessem contar com a colaboração regular de outros profissionais como psicólogos e assistentes sociais, o que por norma não acontece. No fundo, precisamos de mais meios e de mais recursos humanos e, por vezes, quase fazemos o impossível com o que temos. A nível da organização de cuidados e redes de referenciação com centros de saúde e outros hospitais existe um trabalho contínuo que é preciso manter e desenvolver. E, finalmente, necessitamos de nos empenhar mais a nível nacional para melhorar o acesso a cuidados cirúrgicos diferenciados como a endarectomia pulmonar e o transplante de pulmão.
CG
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