De acordo com dados fornecidos pela P-BIO, estima-se que existam cerca de 8 mil doenças raras, sendo que, a cada semana, são descritas cinco novas doenças. Face a estes números, a carta aberta da associação declara que é essencial que estas sejam consideradas como uma prioridade para a saúde pública em Portugal, sendo igualmente necessário discutir sobre as dificuldades que as pessoas com doenças raras enfrentam, tanto a nível do diagnóstico, como do tratamento e do acesso aos medicamentos órfãos.
Na carta aberta apelam a maior equidade no acesso aos medicamentos órfãos. Qual é a atual situação? Há doentes sem a terapêutica mais adequada?
Nas doenças raras, para as quais existem medicamentos aprovados, ainda que órfãos, a equidade que se exige deve centrar-se no diagnóstico e no início do tratamento. É do conhecimento geral que as terapêuticas destinadas às doenças raras têm um custo elevado e a dispensa hospitalar é sujeita a várias avaliações, seja do ponto de vista clínico ou financeiro. Isso leva a que o processo para utilização hospitalar seja lento e nem sempre se concretize em tempo útil para o doente, originando a perda de funções, muitas vezes de forma irrecuperável, por razões burocráticas e evitáveis.
Falam ainda da necessidade de existir mais informação em português sobre os centros de referência. Quer dizer que há doentes sem acesso a esses centros ou é mais uma questão de atraso no diagnóstico e tratamento?
Existem, em Portugal, poucos centros de referência nas várias áreas das doenças raras que cumpram as regras estabelecidas por uma diretiva europeia que está, agora, a ser implementada na UE nas 24 Redes Europeias (ERN) existentes. Esses centros deveriam ser os espaços onde o conhecimento, a avaliação, o planeamento e a maioria dos serviços fossem considerados como de excelência no acompanhamento destas doenças, nas suas múltiplas vertentes.
A fase de avaliação da qualidade dos serviços prestados, prevista na legislação nacional, se fosse efetuada, permitiria colmatar algumas ineficiências com impacto direto na qualidade de vida dos doentes.
“Há muito trabalho a desenvolver para que todos os diagnósticos tenham um acompanhamento multidisciplinar especializado e os profissionais de saúde possam ter uma formação específica em função de cada grupo de patologias.”
Qual o impacto desta situação na saúde dos cuidadores?
Além do desgaste físico que a situação acarreta ao núcleo familiar, nomeadamente à mãe e ao pai, quer falemos de doentes em idade pediátrica ou em idade adulta, há a registar o enorme desgaste psicológico destes cuidadores principais. A angústia de um diagnóstico tardio, à qual se junta a constatação de uma completa mudança de plano de vida, que é necessário aceitar, obriga, muitas vezes, ao acompanhamento profissional, e a uma supervisão constante que permita prevenir a degradação da saúde mental dos progenitores e dos restantes elementos da família.
A tudo isto, soma-se uma luta quotidiana pelos direitos dos doentes que são permanentemente adiados, por falta de capacidade de resposta de um sistema de saúde e de um serviço de suporte social, quase sempre ausentes ou mesmo inexistentes.
No caso dos profissionais de saúde acresce a falta de apoio. O que é mais preocupante?
Como já foi referido, muitos profissionais de saúde carecem de uma formação específica em várias áreas das doenças raras. Sobretudo naquelas que impactam mais na qualidade de vida ou que, pela sua rápida progressão, obrigam a intervenções mais atempadas. A multidisciplinaridade dos serviços de saúde e o envolvimento das especialidades necessárias evitariam muitas deslocações aos hospitais e a ocupação desnecessária de muitas camas. Para isso, uma maior articulação com os cuidados de saúde primários, normalmente em maior proximidade, seria recomendável.
“A falta de apoio, tantas vezes mencionada, traduz-se, em muitos casos, na falta de rentabilidade de recursos materiais e humanos. Tudo isto é muito preocupante.”
Face ao impacto das doenças raras, os doentes continuam a ser invisíveis, como diz a P-Bio. É uma questão apenas de desconhecimento ou é mesmo por serem patologias raras?
Ao falarmos da invisibilidade dos doentes raros, queremos referir-nos à forma como são “esquecidos”. Em toda a Europa, procura estabelecer-se um plano de ação para as doenças raras que permita tratar, de forma igual, todos aqueles a quem foi diagnosticada uma doença rara, ou seja, que tenha uma prevalência de menos de um caso em cada dois mil cidadãos. São necessárias políticas comuns que garantam o direito ao diagnóstico, ao tratamento, à reabilitação e a tudo o que envolve a condição social de um ser humano.
Porque são raros, estes doentes sofrem de um maior isolamento, em silêncio, muitos deles sem tratamentos e, consequentemente, sem uma razão válida para se manifestarem. Também porque não são identificáveis, muitos doentes não são visíveis porque a ciência ainda não tem traçado o início de uma descoberta científica, que lhes permita uma maior determinação no direito à saúde.
Esse é o caminho que todos teremos de construir para não esquecer ninguém. Juntando associações de doentes, os próprios doentes, investigadores, decisores políticos ao nível nacional e internacional, profissionais de saúde, empresas farmacêuticas, reguladores e todos aqueles que podem fazer a diferença na vida destas pessoas.
CG
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