De uma forma sucinta, podemos dizer que a endometriose é uma doença que se define pela presença do endométrio (tecido que reveste o interior do útero) fora da cavidade uterina, ou seja, em outros órgãos da cavidade pélvica: ovários, trompas, bexiga e intestinos.
As manifestações mais usuais da doença são:
– Dores menstruais (dismenorreia) de diferente intensidade
– Algias pré-menstruais
– Dor nas relações sexuais (dispareunia)
– Dor pélvica crónica
– Hemorragia menstrual abundante e irregular
– Queixas do foro intestinal e urinário durante a menstruação
– Fadiga e cansaço crónicos
– Dificuldade em engravidar e infertilidade.
Estima-se que esta doença afete em todo mundo 1 em cada 10 mulheres em idade reprodutiva, isto é, a sua prevalência na população mundial ronda os 10%. Contudo, nas mulheres com infertilidade a prevalência da endometriose sobe para valores que podem variar entre os 25% e 45%. Face à dimensão e ao impacto desta doença na saúde da mulher é importante abordarmos a temática da prevenção da endometriose.
Existem dois níveis de prevenção da endometriose, a prevenção primária que tem como objetivo proteger as mulheres saudáveis e assintomáticas do desenvolvimento da endometriose e a prevenção secundária que engloba as medidas destinadas a impedir ou retardar a progressão da doença após o diagnóstico ter sido estabelecido. Como a causa da endometriose é, na realidade, não totalmente conhecida, a eficácia da prevenção primária é limitada.
Será, assim, efetivamente possível prevenir a endometriose? Quais são os fatores de risco desta doença? Um dos fatores de risco para endometriose parece ser ter um ou mais familiares de primeiro grau com a doença, contudo a base genética intrínseca desta associação ainda é desconhecida. Outras condições associadas ao aumento de risco de desenvolver endometriose e referidas na literatura são: a menarca (idade da 1ª menstruação) precoce, a existência de fluxo menstrual de maior duração e intensidade, ciclos menstruais mais curtos, a ausência ou um número baixo de gestações/paridade e o índice de massa corporal baixo.
Alguns estudos apontam, também, para a importância da alimentação, contudo, em relação à associação desta doença com o tipo de dieta não existem, até ao momento, evidências científicas sólidas que sustentem essa ligação, não obstante, as mulheres com endometriose parecem consumir menos lacticínios, vegetais, frutas, alimentos ricos em ômega-3/ácidos gordos poliinsaturados e vitamina D e em contrapartida consomem mais carne vermelha, gorduras e café. Existem alguns estudos que demonstraram que o aumento da ingestão de ácidos gordos poliinsaturados/ômega-3 e 6 reduziu o risco de endometriose, enquanto a ingestão de ácidos gordos saturados aumentou esse risco.
As mulheres com endometriose parecem ter níveis mais baixos de vitamina D quando comparadas com mulheres sem endometriose, e existem algumas evidências de que há uma relação negativa entre os níveis de vitamina D e a gravidade da endometriose. Outro fator de risco, sustentado por dados científicos mais recentes é o consumo de álcool, no entanto, em relação ao consumo de tabaco parece não existir uma associação entre o tabagismo e o risco de endometriose. Dados científicos indiciam, também, que a exposição a poluentes ambientais, como dioxinas e bifenilos policlorados, possa levar a um risco acrescido de desenvolver endometriose, assim como, a alergia ao níquel parece ser um fator de risco para a doença. Em relação ao impacto da atividade física sobre esta patologia, sabe-se hoje que não diminui o risco, mas pode desempenhar um papel benéfico na redução da dor associada à endometriose.
Em relação ao impacto dos anticoncepcionais hormonais orais (ACO) na prevenção da endometriose, existem evidências de que o uso atual dos ACO tem um efeito protetor contra o desenvolvimento da doença, mas esse efeito parece não ser observado em mulheres que utilizaram no passado os ACO. Todavia, o efeito protetor observado nas mulheres que tomam atualmente ACO parece estar em parte relacionado com o adiamento da avaliação cirúrgica que é devida à supressão temporária da dor associada à toma deste tipo de medicação. Assim, o papel dos ACO na prevenção primária permanece de certo modo incerto.
Em suma, face aos dados científicos conhecidos, não existe evidência direta que a prevenção primária da endometriose traga benefícios futuros efetivos. Contudo, as mulheres podem e devem ser aconselhadas a procurar um estilo de vida e dieta saudáveis, com redução do consumo de álcool e a praticar atividade física regular.
A prevenção secundária da endometriose, por outro lado, engloba todas as medidas destinadas a interromper ou atrasar a progressão da doença após o diagnóstico ter sido estabelecido. É por definição a prevenção da:
- Recorrência de sintomas de dor que estão associadas à doença (exe: dismenorreia, dispareunia, algia pélvica não menstrual)
ou
2) Recorrência da própria doença a longo prazo, traduzida em lesões documentadas por técnicas de imagem ou por laparoscopia.
Para a prevenção secundária da endometriose podem ser utilizadas técnicas cirúrgicas ou terapêuticas médicas:
- Técnicas cirúrgicas: nas mulheres operadas por quisto endometriótico do ovário com mais de 3-4 cm de maior diâmetro, os médicos devem executar uma quistectomia ovárica, em vez de drenagem e electrocoagulação do endometrioma, para se obter uma prevenção mais eficaz da recorrência da dor, nas suas diferentes formas. O risco de redução da reserva ovárica, no tratamento cirúrgico, deve ser sempre levado em conta, ou seja, a relação risco/benefício deve ser sempre ponderada.
Até ao presente, não existe um número suficiente de estudos que permita tirar conclusões sólidas sobre o impacto na recorrência da endometriose das diferentes técnicas cirúrgicas utilizadas no seu tratamento.
- Terapêuticas médicas
Vamos, neste capítulo, apenas abordar o tratamento hormonal após a cirurgia que tem como finalidade a prevenção secundária. Esta terapia hormonal deve ser diferenciada do designado tratamento hormonal adjuvante de curto prazo (duração inferior a 6 meses) após a cirurgia, que tem como objetivo melhorar os resultados imediatos da cirurgia, e em relação ao qual não iremos falar. Estudos demonstraram, em relação à recorrência da doença, mas não em relação à dor, haver uma redução dessa recorrência em favor da terapêutica hormonal pós-cirúrgica (utilizando ACO, agonistas da hormona libertadora de gonadotrogina (GnRH) e danazol) em comparação com a não realização de terapêutica medicamentosa após a cirurgia. Parece que a utilização de ACO mostrou ser mais benéfica quando comparada com outras terapias (progesterona, agonistas de GnRH e DIU com levonorgestrel).
Anticoncepcionais hormonais orais (ACO)
Dados científicos consistentes demonstraram uma diminuição do risco de recorrência da doença em mulheres que utilizaram continuamente ACO, em comparação com as que não fizeram qualquer tipo de medicação. Existem também evidências que o uso de ACO durante 6 a 24 meses, no pós-operatório de mulheres que foram intervencionadas a lesões de endometriose, pode ser eficaz na prevenção da dismenorreia associada à doença. No entanto, este efeito não está suficientemente comprovado se a utilização da terapêutica com ACO for feita por apenas por 6 meses, quer seja duma forma contínua ou cíclica. Ambos os regimes de administração, contínuo ou cíclico, parecem ter efeitos comparáveis, assim, a escolha do regime pode ser feita de acordo com as preferências da paciente, pois a ação protetora parece estar relacionada com a duração do tratamento.
Progestagénios ou progestativos
Em mulheres com dismenorreia moderada a grave que fizeram laparoscopia cirúrgica para a endometriose, está demonstrado que a recorrência da dismenorreia é menor nas mulheres que utilizam o dispositivo intra-uterino com levonorgestrel (DIU-LNG) no pós-operatório, em relação às mulheres que não fazem qualquer tipo de terapia. Vários estudos evidenciaram que o uso deste tipo de DIU com progestagénio foi significativamente eficaz na redução da dor após a cirurgia, tendo sido, também, demonstrada a sua eficácia na diminuição da taxa de recorrência da doença e/ou dor e com efeito comparável aos ACO. Outro progestativo o Dienogest mostrou, igualmente, ser efetivo no controle da dor pós-operatória e na prevenção da recorrência. Em relação à Didrogesterona, estudos realizados em pacientes com diferentes graus de endometriose que foram submetidas a laparoscopia, demonstraram uma redução significativa da dor pélvica, dismenorreia e dispareunia ao final de 6 meses de tratamento com este progestagénio, na dose de 10 a 20 mg /dia, do 5º ao 25º dia do ciclo.
Agonistas de GnRH (hormona libertadora da gonadotrofina)
Em relação à utilização desta classe de medicamentos em mulheres com endometriose, está também, evidenciada em estudos uma diminuição significativa do risco de recorrência da doença, em comparação com mulheres que não efetuaram qualquer tipo de terapêutica médica.
Podemos assim concluir, que para se conseguir uma melhor prevenção secundária, isto é, prevenção da recorrência da doença e de sintomas associados, deve ser considerada a administração a longo prazo (pelo menos 18 a 24 meses) de tratamento hormonal (ACO ou DIU com levonorgestrel) no pós-operatório das mulheres com endometriose.