Como caracteriza a acessibilidade à PrEP em Portugal e de que forma a Portaria n.º 402/2023, de 4 de dezembro, pode alterar esta realidade?
A acessibilidade é limitada e está atualmente esgotada. Não existe capacidade médica nem recursos médicos para receber mais pessoas nos hospitais, daí os elevados tempos de espera. Temos registo de pessoas que ser converteram para VIH após termos solicitado uma consulta de PrEP e que não conseguiram aceder a tempo.

“A portaria poderá alterar esta realidade através do aumento da capacidade do sistema de saúde e da diversificação dos locais de acesso, atualmente exclusivamente hospitalares e concentrados em Lisboa e no Porto.”

Qual é a importância da universalização da PrEP?
Universalizar o acesso à PrEP é tornar universal o acesso à prevenção combinada. A prevenção combinada traduz-se na combinação de estratégias comportamentais baseadas no conhecimento do resultados dos testes a IST, preservativos/lubrificantes, medicamentos antirretrovirais, vacinas e antibióticos com fins preventivos de IST; tudo isto é acessível através dos programas de PrEP.

“A nova portaria permitirá o acesso à prevenção combinada em cada novo acesso de PrEP que abra.”

Que medidas devem ser adotadas de modo a que se possa chegar a um maior número de pessoas?
Deve ser dada prioridade a três aspetos: iniciar campanhas de informação sobre PrEP, reforçar a resposta do sistema de saúde público e não lucrativo para acomodar mais pessoas em seguimento de PrEP e simplificar os algoritmos de admissão e acompanhamento das pessoas em PrEP.

No que diz respeito às campanhas de informação, importa salientar que a PrEP existe, e a forma como se acede e usa é o início para atingir as metas da ONU SIDA de utilização de PrEP nas populações-chave. Já reforçar o sistema de saúde passa por ter uma rede de consultas de PrEP com capacidade para seguir todas as pessoas em risco, com agilidade suficiente para se ajustar às flutuações de procura, uma vez que o risco se altera ao longo da vida e as pessoas podem fazer PrEP, parar e retomar mais tarde, o que é crítico para o sucesso da sua escalabilidade.

Por último, deve ser feito um esforço por simplificar os algoritmos de admissão e acompanhamento, de forma segura, apostando na autonomia das pessoas (como por exemplo, auto-recolha de amostras, questionários de saúde realizados online, entrega dos medicamentos em casa, entre outros) e libertar os profissionais envolvidos de tarefas automatizáveis (por exemplo, (des)marcações, interoperabilidade dos sistemas de informação para registos de saúde e vigilância epidemiológica, renovação de prescrição e análises automática mediante validação clínica, entre outros).

De acordo com o relatório, os profissionais de saúde que não estão ligados ao VIH não têm formação adequada em PrEP. De que forma se pode resolver esta questão?
Os currículos das licenciaturas dos profissionais de saúde deveriam ser revistos para garantir que as áreas de saúde sexual incluam a prevenção combinada para VIH, o que por sua vez inclui os antirretrovirais. Os profissionais de saúde envolvidos na área de saúde sexual, reprodutiva e de redução de danos atuais, poderiam ser incentivados pela DGS, através do Programa Nacional para a Infeções Sexualmente Transmissíveis e Infeção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana, a frequentar formações que promova sobre PrEP e lideradas por peritos em consultas de PrEP e/ou, por exemplo, reembolsar quem apresente certificados por ter completado formações já disponíveis em organizações idóneas na área (European AIDS Clinical Society, Organização Mundial da Saúde, etc.) após a data de publicação da Portaria n.º 402/2023, de 4 de dezembro.

Qual é a solução para a escassez de dados que permitam, nomeadamente, monitorizar e investigar a PrEP?
No relatório defendemos a existência de um sistema nacional de vigilância da PrEP para monitorizar cada ponto de transição/etapa chave do continuum da PrEP e assim se identificar quais as regiões que requerem planeamento de saúde e implementação de intervenções relacionadas com a PrEP. Este desenho do sistema de informação deveria adotar o quadro de monitorização da PrEP recomendado pelo ECDC.

Na Portaria, a SMPS é mandatada a criar “os meios necessários para monitorizar os utentes utilizadores de PrEP oral de acordo com Norma da DGS prevista no n.º 4 do artigo 7.º”, mas não é claro se alcança a vigilância epidemiológica de acordo com as recomendações do ECDC. Deve, portanto, ser criado um sistema de vigilância epidemiológica que comunique automaticamente com os sistemas de informação usados na admissão e seguimento de pessoas em PrEP, para garantir um sistema de monitorização epidemiológica automatizado e sem necessidade de intervenções humanas.

É essencial que haja uma normalização das estruturas de dados de saúde, sem a qual não é possível garantir a interoperabilidade semântica – ou seja, se os dados não forem registados sempre com a mesma estrutura não é possível que diferentes sistemas informáticos consigam “compreender-se” e comunicar entre si. Se cada entidade que cria um software estruturar os dados como lhe apetece, então perde-se uma parte muito importante da utilidade de usar sistemas informáticos.

“Este tem sido um problema histórico nos sistemas de informação na Saúde e é um dos motivos para termos deixado de conseguir reunir uma parte dos dados epidemiológicos relativos ao tratamento da infeção por VIH.”

CG

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