Apesar de ainda ser necessário percorrer um “caminho” até à comparticipação e generalização da vacina contra o Vírus Sincicial Respiratório (VSR), nomeadamente através de uma “maior sensibilização”, tanto a nível das sociedades científicas, como dos profissionais de saúde, Filipe Froes realça que já existem dados que comprovam a importância da prevenção do VSR através da vacina.
O Pneumologista Intensivista começa por explicar que o VSR é um vírus com cerca de 150 nanómetros, que tem por objetivo replicar-se, mas ao infetar as células do hospedeiro provoca a morte das mesmas, o que por sua vez implica a morte de tecidos, falência de órgãos e, nos casos mais graves, até mesmo o falecimento do hospedeiro.
É transmitido através da inalação de gotículas provenientes da tosse ou de espirros de uma pessoa infetada ou pelo contacto direto com secreções nasais. No que diz respeito ao período de incubação do vírus, o clínico explica que pode ir até aos 8 dias, mas que “habitualmente estabelece-se entre 2 a 8 dias, com um período médio de 4 a 6 dias”. E reforça: “Existe outro dado muito importante que é o período de transmissão. O R0 deste vírus é 3, um valor relativamente alto, e as pessoas infetadas podem transmitir partículas viáveis até 11 dias após a infeção”.
Quanto ao período de circulação do VSR, Filipe Froes indica que este tem uma característica sazonal, associada à diminuição de temperaturas e dos raios solares e por isso com maior atividade na altura do outono/inverno e com um pico médio entre os meses de janeiro e fevereiro.
Contudo, o pneumologista afirma que existem diferenças que levam à necessidade de cuidados distintos relativamente a outros vírus respiratórios. “No caso do VSR, apesar de existir a ideia de que é um vírus perigoso para crianças e bebés, na verdade os adultos com 60 anos ou mais que apresentam determinadas comorbilidades, como asma, insuficiência cardíaca, ou DPOC, correm risco de complicações graves devido a este vírus. O VSR começa por circular nas crianças e só depois passa para os adultos”, afirma.
O médico destaca que o vírus tem “uma particularidade”, uma vez que “não tem uma grande variabilidade antigénica como é o caso do vírus da gripe, mas também não tem capacidade de provocar no hospedeiro uma imunidade total e permanente, o que faz com que o mesmo vírus seja capaz de provocar várias reinfeções ao longo da vida do hospedeiro”.
Além disso, “o que caracteriza o estado clínico deste vírus é a idade do hospedeiro, as doenças crónicas e o facto de ser a primeira ou infeções secundárias”. “Geralmente a primeira infeção é sempre mais grave, motivo porque associamos mais a doença provocada por este vírus às crianças, porque a primeira infeção ocorre nos primeiros meses de vida”, refere.
“Até podemos dizer que todas as crianças vão ter infeção pelo VSR até aos dois anos de idade, e que o VSR nas crianças é a primeira causa de infeção respiratória inferior em todas as crianças até ao primeiro ano, e daqui a importância deste vírus neste grupo etário. Também cerca de 2% de todas as crianças saudáveis nascidas de termo irão ser internadas no primeiro ano de vida por uma infeção de VSR”, salienta.
“Este impacto enorme nas crianças justifica a atenção cada vez maior que se está a dar nas idades pediátricas, e a partir daqui percebeu-se que este vírus tinha de ter necessariamente uma face oculta nos adultos que não conhecíamos porque não utilizávamos as ferramentas de diagnóstico corretas”. Deste modo, o pneumologista afirma que “o impacto da doença começou com as crianças e à medida que fomos estudando crianças e adultos fomos descobrindo a doença”.
“O motivo de atraso prendia-se com o método de diagnóstico que era usado para diagnosticar a doença nas crianças: os testes rápidos de antigénio. Sabemos agora que esses testes que eram utilizados para caracterizar a carga da doença na criança não são os mais adequados nem os mais sensíveis para os adultos”. Conforme refere, foi então através da generalização da PCR que se passou a ter consciência do impacto do VSR.
“Quanto à população com mais de 60 anos, estima-se que, na União Europeia, existam pelo menos 3 milhões de infeções, associadas a cerca de 270 mil hospitalizações e que, dessas, em média 8% resultem em óbito, ou seja, cerca de 20 mil pessoas”.
Porém, com a introdução de alguns mecanismos de limitação de transmissão do vírus, como é o caso dos confinamentos, da utilização de máscara, do distanciamento social, o médico adianta que poderá haver uma interrupção da atividade. Prova disso foi que “em 2020 não registámos atividade deste vírus ou do vírus da Influenza, precisamente pelo impacto das medidas de intervenção não farmacológica”. “À medida que fomos libertando as pessoas destas medidas, começou a surgir atividade viral, e desta vez, fora dos períodos normais”.
“A pandemia foi um grande acelerador de mudança. No fundo, não provocou nada, o que fez foi acelerar muito o que já existia, e em relação ao VSR, o que a pandemia veio demonstrar é que existia um vírus do qual não tínhamos uma verdadeira noção do seu impacto”, explica.
“Isto significa que não temos os dados todos como temos por exemplo em relação ao SARS-CoV-2 e o vírus da Influenza sobre a carga da doença. Vamos ter mais, mas aquilo que já sabemos até agora justifica amplamente toda a atenção que possamos dar, e permite-nos fundamentar a importância da prevenção”.
Entre as doenças que podem condicionar uma maior gravidade por infeção de VSR, Filipe Frois destaca as patologias respiratórias, como a asma, a DPOC e as doenças difusas do interstício pulmonar. “Estas infeções virais vão exacerbar mecanismos inflamatórios e, por sua vez, condicionar todo um amplo conjunto de complicações cardiovasculares e metabólicas pelo excesso de inflamação que vão causar ao hospedeiro”.
Tal como acontece com outras comorbilidades, as pessoas consideradas de risco elevado caracterizam-se por ser indivíduos “que se encontram a fazer terapêutica imunossupressora, submetidos a quimioterapia ou radioterapia, terapêuticas biológicas ou transplantados”.
Resumidamente, “este tipo de vírus trabalha em sinergia, em que o todo é maior que a soma das partes. Infeções de vírus diferentes no mesmo aparelho respiratório vão enfraquecendo os mecanismos de defesa e vão favorecendo a que as últimas infeções sejam progressivamente mais graves, daí falar-se da ‘tripla epidemia’”, transmite.
“Estamos a assistir ao nascimento de um novo medicamento”
Quando questionado relativamente à brevidade da aplicação da vacina contra o VSR ser aplicado no Programa Nacional de Vacinação (PNV), bem como o que se pode esperar em termos de recomendações das sociedades, Filipe Froes afirma que “o caminho faz-se caminhando”. “A vacinação contra o VSR ainda não se encontra no PNV, apesar de já ter uma norma vacinal. Temos uma sensibilização muito grande para a problemática do VSR e é previsível que na sequência das autorizações das entidades do medicamento, quer europeias, quer norte-americanas, que ditam o que acontece a nível mundial, rapidamente as sociedades científicas vão progressivamente passar a elaborar recomendações, caminhando na mesma direção”.
À semelhança das restantes vacinas contra infeções respiratórias, o pneumologista refere que a melhor altura para se ser vacinado corresponde a 2 semanas antes do início da atividade sazonal, no sentido em esta época corresponde a um acréscimo de risco, provocado pela estação do ano.
Afirma ainda que “em teoria, não existe qualquer défice de resposta imunitária que condicione a administração de vacinas na mesma altura, pelo que a vacina do VSR pode ser administrada sem intervalo relativamente às vacinas de outras infeções respiratórias”, acrescentando que, até ao presente, “não existe registo de efeitos adversos”.
De modo a maximizar a vacinação contra o VSR, Filipe Froes argumenta que é necessário “aumentar a taxa de cobertura vacinal encontrando momentos que nos permitam fazê-lo”. “Um dos momentos em que isso acontece é quando o doente está a ter alta hospitalar, em situação que o permite fazer a vacina, com os profissionais de saúde a acompanhar”.
Fazendo referência à perspetiva da equidade, o pneumologista explica as necessidades da vacinação do VSR: “dar mais a quem precisa mais”. “Os imunodeprimidos são necessariamente um grupo que precisa de melhor apoio, porque estão muito mais fragilizados para apanhar a doença e para as suas consequências, nomeadamente hospitalização e morte, e no caso dos transplantados, o risco de perder o órgão transplantado. Até numa perspetiva socioeconómica, existe o dever da comunidade de proteger estas pessoas”, reforça.
Porém, para avançar com a vacinação do VSR, o médico reforça que é necessária “uma melhor caracterização do impacto internacional da doença”, para além de uma “maior sensibilização junto da comunidade dos profissionais de saúde e das sociedades científicas médicas”, bem como “os profissionais de saúde darem o exemplo, intervindo de maneira a combater a desinformação”.
CG
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