Aliás, escreve Jorge Dastis, jornalista da agência noticiosa espanhola EFE, está também em causa o prazo de 30 dias dado pelos Estados Unidos para Israel melhorar a situação ou arriscar-se a deixar de receber assistência militar, que termina terça-feira.
Mas a realidade no terreno é que continua a não chegar material suficiente. Em outubro, apenas 990 camiões de ajuda humanitária entraram na Faixa de Gaza, o número mais baixo em 2024, segundo a ONU. Washington exige um mínimo de 350 camiões por dia.
Para Dastis, há duas razões principais para esta situação: um processo longo e complicado para obter autorizações de Israel e uma total falta de segurança dentro de Gaza.
Um dos grandes obstáculos é o facto de as autoridades israelitas não fornecerem uma lista oficial de artigos permitidos, pelo que a única forma de saber o que pode entrar é tentar, disse à EFE Javier Suárez, coordenador da cadeia de abastecimento dos Médicos Sem Fronteiras (MSF).
Até recentemente, Suárez era responsável por coordenar e negociar as remessas dos MSF para Gaza com as autoridades israelitas. Durante o período de três meses, descobriu que era relativamente fácil trazer medicamentos ou alimentos, mas os obstáculos vieram com o que Israel chama de itens de "uso duplo".
"O problema é que não temos nada por escrito e as listas estão sempre a mudar", explica.
Tesouras para blocos operatórios, camas de hospital ou muletas são considerados "de dupla utilização", o que significa que todo o camião tem de ser devolvido, o seu conteúdo reorganizado e a autorização novamente solicitada, começando o processo do zero.
Uma das áreas onde os estrangulamentos são mais visíveis é a higiene. O lixo acumula-se nos campos improvisados de deslocados internos e produtos como sabão e champô, que normalmente não passam nos controlos israelitas, são quase impossíveis de encontrar nos mercados. Se aparecem, é a preços exorbitantes.
O Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) tenta apoiar a empresa municipal de recolha de lixo com reparações e combustível, e tem um programa que oferece dinheiro aos cidadãos para ajudarem na recolha do lixo. Mas o maior problema é a falta de infraestruturas.
"Simplesmente não há infraestruturas suficientes, tais como esgotos, na parte sul de Gaza para responder mesmo a pequenas quantidades de chuva", disse à EFE Sarah Davis, porta-voz do CICV em Jerusalém.
Com a aproximação do inverno, a agência teme o efeito das chuvas e do frio nas zonas mais povoadas do enclave. A maioria dos quase dois milhões de habitantes de Gaza vive amontoada numa pequena área entre Khan Younis, no sul, e Deir al-Balah, no centro, designada como "zona humanitária" pelas autoridades israelitas e repleta de tendas, sem casas de banho ou chuveiros.
Nos últimos dias, após chuvas que duraram apenas cinco minutos, as estradas ficaram inundadas. "Isto significa que, quando chover, as pessoas vão viver na lama. Não só estará frio e será quase impossível manter os colchões limpos, como existe o risco de a lama se misturar com esgotos e lixo", sublinhou Davis.
Para evitar a catástrofe, grupos como os MSF estão a tentar introduzir "kits de inverno", com lonas de plástico, tendas, cobertores ou roupas térmicas, mas, segundo Rebeca Virseda, que coordena os abastecimentos de emergência e está na "zona humanitária" de Mawasi, há dois meses que estão à espera.
"Não sabemos quando vão chegar", admite. Os MSF também não conseguiram trazer artigos básicos como sabão, desinfetante, mangueiras e baldes. A situação é tão desesperada que os saques são um problema frequente para as agências humanitárias, especialmente no norte, onde uma dura ofensiva israelita fechou as passagens e tornou a distribuição extremamente difícil.
No sul, o exército limita-se a proteger as zonas de carga e descarga, enquanto o percurso entre a fronteira e os armazéns é marcado por bombardeamentos e pela presença de grupos armados.
Israel argumenta que não há limite para a quantidade de ajuda que pode entrar em Gaza e acusa a ONU e as agências humanitárias de não terem recursos suficientes para distribuir o material.
"Mais de 700 camiões entraram no norte de Gaza desde o mês passado e vamos abrir outra passagem para que entre mais ajuda. O problema não é a falta de ajuda, é a ameaça de o Hamas saquear os camiões", disse recentemente o porta-voz militar israelita, Nadav Shoshani.
Mas, contando apenas os camiões que entram (que não são necessariamente distribuídos), os números estão muito abaixo dos 500 diários que entravam antes da guerra, o que, mesmo assim, era insuficiente para satisfazer as necessidades dos habitantes de Gaza.
JSD // APN
Lusa/Fim