Lisboa foi a autarquia do país com mais queixas desde o início do ano e na maioria delas os lisboetas apontam o aumento do lixo nas ruas. A câmara, no seu mandato, anunciou já várias contratações de cantoneiros, mas parece que nada se tem resolvido...
O problema da higiene urbana, tal como as queixas, existem há muitos anos, nos mesmos sítios. Mas sim, eu tentei resolver com a contratação de mais cantoneiros; começámos por 200 e já vamos em 290, porque precisávamos de mais mão-de-obra. Foi um esforço que ainda estamos a construir, para garantir mais recursos humanos. E a essas pessoas quisemos também dar melhores condições, por isso lhes atribuímos o subsídio de penosidade (fui o primeiro presidente da câmara a fazê-lo), para lhes dar condições mínimas para um trabalho que é muito duro.

Então o que tem falhado?
O que não consigo resolver de um dia para o outro é tudo quanto resulta da descentralização desse trabalho, nomeadamente a recolha do lixo pelas freguesias e pela câmara. Isto não se muda em quatro anos. Temos situações caricatas em que a CML recolhe o lixo do ecoponto, mas não toca no que está em volta porque é atribuição das juntas de freguesia. E a freguesia não vem no mesmo dia. Por isso as pessoas queixam-se, e com razão. Depois temos outro problema: nós temos um acordo com os trabalhadores que é muito antigo e que determina que ao domingo não há recolha de lixo. Ora isso causa acumulação e tem imenso impacto. São mais de 900 toneladas de lixo num dia. Vamos ter de falar sobre isso, enfrentar o problema e encontrar soluções, porque uma cidade da dimensão de Lisboa não pode não recolher lixo ao domingo. Nós temos estado a dar mais incentivos, temos estado mais perto dos trabalhadores, temos-lhes dado todos os recursos de que eles precisam, mas também preciso que eles deem uma ajuda à câmara nestes pontos essenciais.

Temos situações caricatas em que a CML recolhe o lixo do ecoponto, mas não toca no que está em volta porque é atribuição das juntas de freguesia.

Em 2022, Lisboa pagou 18 milhões às suas juntas de freguesia (que têm a responsabilidade de limpar as ruas e à volta dos ecopontos), oito milhões dos quais estavam em dívida. Vão pagar mais?
Com a taxa turística, que aumentou no dia 1 de setembro de 2 para 4 euros por dia, teremos mais dinheiro para pagar às juntas a limpeza das zonas de maior carga turística. Isso terá efeitos. Esperamos duplicar essa receita e com isso poderemos atacar nas zonas mais complicadas. Mas é preciso continuar um caminho de mudança que não é fácil de se fazer.

Igualmente difícil de resolver é a situação das pessoas sem-abrigo, cujo número têm crescido... Uma das respostas aprovadas pela CML (por unanimidade) foi a abertura de um Hotel Social (para alojamento urgente e temporário de pessoas em situação de especial vulnerabilidade), em Santa Maria Maior — a que o presidente da junta, Miguel Coelho, se opõe. Vai avançar?
O senhor presidente da Junta irá certamente entender que é preciso solidariedade entre freguesias e é preciso termos mais acolhimento para pessoas em situação de sem-abrigo. A situação piorou muito após a covid, as associações dizem que houve um aumento de 25% a 30%. Por isso temos de aumentar a resposta. Nós hoje temos 1050 vagas para essas pessoas, o que é bem diferente das cerca de 700 que tínhamos em 2021. Agora, com os 70 milhões aprovados no ovo plano de resposta da autarquia, vamos conseguir duplicar para as 2 mil vagas que se localizam em centros de acolhimento, em casas e nos dois centros que inaugurámos, em Marvila e na Alta de Lisboa. O que estamos a tentar fazer é apanhar as pessoas e acolhê-las ainda antes de chegarem à situação de sem-abrigo.

De que forma?
Tentamos antecipar a resposta a quem ainda tem ainda emprego mas já não tem casa, ou ainda não tem casa e já tem emprego, porque quando a situação chega a sem-abrigo piora muito. Por isso tentamos prever, com centros que podem ter 20 ou 30 vagas e que podem ser uma ajuda para que não cheguem a essa situação. Essa é a parte mais eficaz do processo, porque quando as pessoas chegam à rua a dificuldade é muito maior.

Houve um aumento de 25% a 30% de pessoas sem-abrigo desde a covid, por isso temos de aumentar a resposta e tentar antecipar a situação.

Como acontece em Arroios.
O problema que há em Arroios é um problema do Estado. São pessoas que chegam de outros países, sem documentos, e que mesmo por isso eu nem as consigo ajudar. Mas muitas vezes sinto que há partidos nos extremos que, de certa forma, quando estamos a tentar ajudar, não ajudam por razões políticas. E nós temos de estar unidos nessa luta...

Por exemplo?
No caso de Arroios, senti que há pessoas que usam como arma política a dignidade humana — e isso é muito feio. Por exemplo, quando nos acusaram de retirar as tendas para esconder os sem-abrigo do Papa, sabendo que estávamos a fazer a limpeza que todos os 15 dias fazemos naquelas zonas, em que se acumula muita sujidade. E que aliás aquelas pessoas muito nos agradecem. Mas vejo que essas situações são fomentadas para manter a situação e não para a resolver. Há que dizê-lo. Mas nós vamos continuar o caminho. E o lançamento deste programa dos sem-abrigo, que é reconhecido cá dentro e lá fora, vai dar frutos, a seu tempo.

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Passando a outro tema, a partilha de dados de manifestantes estrangeiros, nomeadamente russos, com as respetivas embaixadas e países. A CML foi condenada a pagar uma multa de 1 milhão de euros por partilhar dados em 111 ocasiões, entre 2019 e 2021. Já decidiu se vai recorrer?
A minha missão é tentar que os lisboetas não paguem...

Mesmo que a decisão do tribunal seja justa?
A decisão pode ser justa, mas custar menos aos lisboetas, portanto vou sempre tentar que o preço que os lisboetas vão pagar por um erro, que está  definido na decisão do tribunal, seja o menor possível. É essa também a minha função institucional, proteger os lisboetas. Sim, há um erro, mas tentaremos pagar o mínimo possível.

Sim, houve um erro no Russiagate, mas tentaremos pagar o mínimo possível.

Portanto, vai recorrer da sentença.
Sim. A CML fez mal, houve um erro na gestão autárquica que me antecedeu e vamos ter de pagar. Mas vou tentar que os lisboetas paguem o mínimo que for possível.

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