A biografia do cientista Robert Oppenheimer demorou mais de vinte anos a ser escrita. Este tempo compensou. O livro ganhou o Prémio Pulitzer e inspirou o filme Oppenheimer, vencedor de sete Óscares este ano, incluindo o de melhor filme.

Este sucesso mundial de um livro de história da ciência em Hollywood contrasta com o que se passa no novo ano académico em Portugal. Para surpresa de muitos, a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) planeia fechar o Departamento de História e Filosofia das Ciências – o único do nosso país. Se a decisão for para a frente, será lamentável não só para a FCUL mas para o país inteiro.

Desde que o primeiro departamento de história da ciência abriu na Universidade de Harvard em 1946, diferentes universidades seguiram o seu exemplo. Hoje, as melhores instituições académicas do mundo têm departamentos ou programas de estudo dedicados à história da ciência. Penso no Caltech, onde ensinou Feynman, em Berkeley, onde deu aulas Oppenheimer, e até no MIT. Na Universidade de Johns Hopkins, onde eu fiz o meu doutoramento, há até dois departamentos. Um para história da ciência e outro para história da medicina.

A pouco e pouco, o nosso país conseguiu acompanhar esta tendência. Em 2003, a FCUL abriu o primeiro mestrado e doutoramento em história da ciência em Portugal. Porquê agora voltar atrás? Em resposta ao Jornal de Notícias, a direção da FCUL referiu uma “procura continuamente decrescente” da história por parte dos seus alunos. Ironicamente, em vez de mostrarem estatísticas dos últimos dez ou vinte anos, mostraram apenas dos últimos três—aqueles que se seguiram à pandemia Covid.

O mais estranho neste caso é que, apesar da pandemia, a história da ciência é hoje uma das disciplinas de investigação mais bem sucedidas da FCUL. Aqueles que pensam que a universidade em Portugal não é tão forte como lá fora ficariam surpreendidos por saber que os historiadores da ciência na FCUL competem ao mais alto nível internacional. Dois dos seus membros já ganharam projectos do European Research Council, dos mais competitivos do mundo. Tal como o site da FCUL proclamou com orgulho, Joaquim Alves Gaspar ganhou uma bolsa “no valor de mais de um milhão de euros, para estudar cartografia.” E Henrique Leitão ganhou outra “no valor de dois milhões de euros, no âmbito do projeto Making the Earth Global.” Grande parte deste dinheiro entrou directamente para as finanças da FCUL, tornando ainda mais inexplicável a actual decisão de fechar o departamento.

Outro factor estimulante da história na FCUL é que o que lá se estuda é tão digno de filme como a vida de Oppenheimer. Ali investiga-se a forma como a expansão oceânica ibérica—a primeira da história—contribuiu para a chamada Revolução Científica. Explica-se como ilhas portuguesas estiveram na origem das primeiras demonstrações observacionais da Teoria da Relatividade de Einstein. Ensina-se como Luís Archer, um padre Jesuíta, trouxe a genética molecular dos Estados Unidos para Portugal e fundou o famoso Instituto Gulbenkian de Ciência. Enfim, ali está-se a descobrir o papel fundamental da ciência islâmica para os contributos científicos de Portugal.

Numa Faculdade totalmente dedicada à ciência e ao rigor, é estranho que não haja um departamento dedicado à sua história. Hoje, mais do que nunca, a ciência ocupa o maior sector de empregabilidade da nossa sociedade, desde profissionais hospitalares até à indústria farmacêutica, às centrais elétricas, à invenção de dispositivos eletrónicos como a Via Verde. Como explicar que a ciência se tenha tornado tão importante no mundo e Portugal moderno? A investigação histórica que se faz na FCUL explica isso. Quando matemáticos como Jorge Buescu usaram esta investigação na sua análise dos problemas da educação em Portugal, a sua relevância ficou confirmada.

Seria caso para perguntar se a FCUL tem alergia a historiadores. Mas visto que o departamento foi fundado por dois cientistas, não parece ser esse o problema. Ana Simões, co-fundadora e licenciada em física, é autora de um importante livro sobre a história da Química Quântica publicado por MIT Press. Destacou-se de tal forma que chegou a ser presidente da European Society for the History of Science. Henrique Leitão, co-fundador e doutorado em física pela FCUL, é hoje considerado um dos maiores nomes da cultura portuguesa, confirmado pelo Prémio Pessoa que ganhou. As suas edições brilhantes da obra completa de Pedro Nunes—talvez o maior matemático português—e do principal livro de astronomia de Galileu, tornaram acessíveis ao público português textos difíceis mas fundamentais da história.

Talvez a resposta seja mais complexa e precisemos da história da ciência para a encontrar. No final da sua vida, Oppenheimer caiu das graças da sociedade americana pela sua proximidade com contactos russos. Mas tal como se vê no filme de Christopher Nolan, essa não era a razão verdadeira. A queda de Oppenheimer aconteceu porque havia um administrador—Lewis Strauss—que tinha inimizade pessoal contra ele.

Seria bom que o que se está passar em Portugal este ano não se torne parecido com a história do filme de Nolan. Ao contrário do caso Oppenheimer, talvez não seja demasiado tarde para voltar atrás na FCUL. Assim o prestígio e potencial da história da ciência em Portugal poderá brilhar ainda mais.