Deveria ser inerente ao FC Porto lidar com o complexo de superioridade, conceito que consagra a noção de que se é melhor do que o outro, mas, neste caso, não arrisca ser sinónimo de arrogância ou presunção. É um quadro clínico que causa transtorno, uma imagem imposta por um contexto que gera expectativas – e bem se sabe que nem sempre é fácil lidar com elas.

Houve timidez, um encravamento que bloqueou um desempenho pleno. De qualquer forma, o os dragões chegaram ao destino, a primeira vitória na Liga Europa, frente ao Hoffenheim (2-0), mesmo que para isso tenham tido que esvaziar o depósito de gasolina e enchido o mesmo de suor.

Pepê conduzia o seu penteado para a baliza da equipa germânica. A semelhança com um manjerico resulta do efeito push-up que o elástico tem nos caracóis a granel que pairam na cabeça do brasileiro. Alguém tão pomposo parece à prova de bala. Até pode ser que sim, mas o desbaste que o extremo levou não deixa boas indicações quanto à sua resistência. Uma rajada de vento chamada Stanley Nsoki, central francês do Hoffenheim, soprou o jogador do FC Porto. A fita de Pepê foi para um lado, o penteado para o outro. O manjerico sofreu danos mais restabelecíveis do que o castigo que Nsoki teve ao querer acabar com o São João. Do livre lateral daí resultante, Tiago Djaló marcou.

Neste caso, somos obrigados a autoflagelarmo-nos com um clichê: marcar imediatamente antes do intervalo teve as suas vantagens. Não fosse isso e talvez o FC Porto tivesse passado o jogo inteiro sem ser dono das suas próprias sensações.

JOSE COELHO

Martim Fernandes/Nehuén Pérez/Tiago Djaló/Francisco Moura. Esta só não foi uma defesa nova, porque o FC Porto lhe tirou a etiqueta na Taça de Portugal. Seria uma fezada que, a urgir alcançar a primeira vitória na Liga Europa, Vítor Bruno esperasse pela competição europeia para estrear Tiago Djaló. Por isso, fê-lo contra o Sintrense, enchendo o depósito de confiança quanto à resposta que o reforço seria capaz de dar.

Não foi um quatro em linha espartano. Houve momentos em que o cordel foi curto para atar as pernas dos galopantes equipamentos verde alface do Hoffenheim. De laterais abertos, extremos por dentro, ponta de lança a estancar os centrais portistas e médios interiores nas costas de Alan Varela e Nico González, a superioridade numérica gerada era vantajosa. Em teoria, o FC Porto teria vantagem para pressionar, mas as dúvidas no setor recuado subtraiam audácia. No fundo, os dragões preocuparam-se mais em ouvir o que diziam sobre eles nas costas do que em seguirem a sua própria vida.

Martim Fernandes foi o desatinado, a vítima da estratégia do 14.º classificado da Bundesliga. Bruun Larsen ia sendo visto pela mira de Tom Bischof, jovem médio de 19 anos que catapultava o dinamarquês nas investidas mais vistosas. No entanto, o Hoffenheim assumia o monopólio do perigo em situações várias. A bola parada ofensiva dos jogadores de Pellegrino Matarazzo atrapalhava a meditação do FC Porto que tinha dificuldades em usufruir de paz de espírito. Adam Hlozek, com tendência para se aproximar do avançado Andrej Kramaric, rematou acima da expectativa, isto é, a baliza.

O Hoffenheim tinha mais do que argumentos para se queixar de contrafação ou não tivesse o FC Porto conseguido o golo numa bola parada. A imitação dos métodos para impingir dor fez com que, em cima do intervalo, Tiago Djaló marcasse pelo segundo encontro consecutivo. Ou seja, a bola parada foi um mundo à parte onde a equipa de Vítor Bruno conseguiu garantir o equilíbrio que não tinha em jogo corrido.

Octavio Passos

Entretanto, o relvado enxugara-se. A área de plantação rasteira onde se pratica esta modalidade deixara de estar ensopada. A bola deixara de largar uma antena de água sempre que era passada pelo chão de um posto emissor para quem a acolhia nos pés. Os relatos por esse mundo fora continuavam a falar de um Hoffenheim com mais posse. Acontece que o FC Porto se adaptou à subserviência. A dupla de médios basculou mais e assim os laterais, em especial Martim Fernandes, estiveram mais seguros em relação a quando saírem a morder os calcanhares dos adversários.

O inesperado golo de Tiago Djaló permitiu viver bem com um bloco abaixo da linha média das águas do Douro. Depois, por cada ponto de interrogação, há um avançado espanhol em modo imperativo para dissolver dúvidas.

Chegou Samu Omorodion, passou a Samu Aghehowa e agora tem o privilégio de, se alguém se referir apenas a Samu, a audiência saber de quem se trata. Anton Stach, sozinho na marcação ao longilíneo ponta de lança, inquietou-se com a sua presença. Errou o atraso para o guarda-redes, mas quando pensou que tinha apagado o fogo, Samu resgatou a bola e deu um pontapé na mesa para encerrar um jogo que foi um apelo à consciência.