Depois do seu pai, o vice-presidente Dick Cheney, ter dado o seu apoio algo inesperado à candidatura de Kamala Harris, a antiga congressista republicana Liz Cheney juntou-se na quinta-feira à campanha da vice-presidente democrata. Cheney tornou-se na mais importante conservadora no ativo a declarar o seu voto em Harris, depois de mais de três anos de luta contra Donald Trump e os seus seguidores radicais pelo poder no Partido Republicano.

Liz Cheney fez parte de um evento de campanha de Kamala Harris numa universidade em Ripon, no centro de Wisconsin, num momento rodeado de simbolismo. O anúncio em Ripon não foi casual: foi naquela pequena localidade que, em 1854, aconteceram as primeiras reuniões de formação do Partido Republicano, além de ficar no Wisconsin, um estado considerado crucial para as presidenciais do próximo mês.

Lado a lado com a candidata democrata, a antiga congressista do Wyoming (cujo pai é uma das figuras conservadoras mais controversas do século XXI), criticou Trump e alertou para os riscos que o ex-Presidente representa para a democracia. Pediu, tal como a faixa atrás de si dizia, que os eleitores colocassem “o país acima do partido”.

“Donald Trump estava disposto a sacrificar o nosso Capitólio, a permitir que agentes de segurança fossem agredidos e brutalizados em seu nome, e estava disposto a violar a lei e a Constituição de modo a ficar com o poder para si”, afirmou Liz Cheney, aludindo ao ataque do dia 6 de janeiro de 2021. E, citada pela CNN, considerou que as ações de Trump nesse dia tornam-no numa pessoa a quem “não pode ser confiado poder outra vez”.

A congressista foi defendendo e votando a favor das políticas de Donald Trump no Congresso, durante os primeiros anos do antigo Presidente na Casa Branca, mas a invasão ao Capitólio marcou uma viragem. O ataque por apoiantes de Trump foi desvalorizado e branqueado pela maioria do Partido Republicano, mas alguns republicanos, como Liz Cheney ou Adam Kinzinger, foram afastados do partido por terem votado a favor do processo de exoneração do antigo líder.

Cheney e Kinzinger, como muitos outros, passaram a fazer parte de campanhas de republicanos contra Trump e a favor de um partido mais moderado, longe do movimento MAGA (“Make America Great Again”). A congressista disse que votaria com “orgulho” em Kamala Harris, pedindo que outros conservadores sigam o seu passo.

“Eu sei que ela será uma Presidente que defenderá o Estado de Direito, e sei que será uma Presidente que pode inspirar todas as nossas crianças, especialmente as raparigas mais novas”, vincou Cheney, segundo o New York Times.

Kamala Harris agradeceu entusiasticamente o apoio da republicana e recordou que a base da fundação do Partido Republicano de há 170 anos foi a oposição à escravatura, sublinhando que que “Liz Cheney está do lado das tradições mais nobres dos seus líderes” e que o seu apoio tem “significado especial”.

“Se as pessoas pelo Wisconsin e pela nação estiverem dispostos a fazer o que Liz está a fazer, de se manifestarem pelo Estado de Direito, pelos nossos ideais democráticos e pela Constituição dos Estados Unidos, então juntos, sei que podemos criar um novo caminho, não como membros de um único partido, mas como americanos”, reafirmou Harris.

A reação de Donald Trump aos comentários contra si e a sua liderança não tardou. À Fox News, o candidato republicano disse que Liz Cheney foi “terrível no Congresso”, que é uma “entusiasta da guerra estúpida, que só quer disparar mísseis contra pessoas”. “Eu acho que elas são prejudiciais uma para a outra. Acho que são ambas muito más”, avaliou.

No início da sua candidatura à Presidência dos Estados Unidos, logo após a desistência de Joe Biden, Kamala Harris foi muitas vezes considerada por sondagens e estudos de perceção mediática como mais à esquerda e mais radical do que o Presidente. Nos últimos meses, a sua campanha tem procurado criar uma imagem mais abrangente de Harris, com anúncios realizados por plataformas republicanas lançados em estados-chave, e tem pintado a candidatura como uma coligação contra Trump e em defesa da democracia.

Na prática, isto tem levado Harris a promover-se como uma democrata preocupada com assuntos de conservadores - por exemplo, repetiu em várias ações de campanha e até no debate que tem uma arma de fogo e que é “capitalista”. Nas últimas semanas, Harris obteve o apoio já referido de Dick Cheney, de Adam Kinzinger, de autoridades militares e de um grupo de antigos funcionários de Ronald Reagan, um dos republicanos mais influentes da história política norte-americana.