Não é fácil encontrar um jogo tão mau do FC Porto na UEFA nos últimos anos. Desnorteado pela luminosidade paranormal da aurora boreal, e já agora pela convicção competitiva do Bodo/Glimt, os dragões desaproveitaram tudo o que tinham na mão: o lastro do 3-0 em Guimarães, o golo madrugador de Samu e a expulsão de Maata ainda com 40 minutos pela frente.
A derrota no Círculo Polar Ártico, além de justa, terá servido para Vítor Bruno acrescentar informação ao perfil de alguns jogadores. E nem todos se salvam.
O novo formato da Liga Europa mantém em aberto as expetativas e as ambições portistas na prova, espalmados nas palavras de André Villas-Boas, mas há sintomas preocupantes a reter no Dragão - raras vezes se viu os azuis e brancos a controlarem as transições ofensivas e venenosas dos nórdicos.
Samu antes da Insónia
As cenas são narcolépticas. Arrastam-se, pintam de branco e de um manto de sombra os protagonistas. Cada ação é um esforço superior, um desconforto. Esmaga quem vê.
Insomnia, filmado em 2002 pela lente de Christopher Nolan, é a metáfora perfeita para a exibição do FC Porto. A energia inicial, com 15 minutos autoritários e um golo de Samu bem desenhado por Gonçalo Borges e Francisco Moura, rapidamente se desvanece.
No seu lugar entra a apatia, a lentidão na mais primária das reações. Em Bodo não há De Niro ou Robin Williams, mas poucos dos portistas souberam resistir ao avançar norueguês, comandado pelos incontroláveis Hauge (dois golos) e Hogh (um golo).
O empate aos 15 minutos, nascido de uma pressão mal feita e de um desposicionamento estranho de Nehuen Pérez e companhia, deu início a alguns dos piores minutos do FC Porto na era-Vítor Bruno.
Lento a executar e a pensar com bola, o FC Porto passou a sentir na pele as saídas verticais e fulminantes do Bodo, sem nunca encontrar o antídoto para pará-las.
No 2-1, a simplicidade dos processos de Hauge e companhia provou que os artifícios cénicos no futebol são quase sempre um estorvo. Bola na direita, passe curto para o ponta-de-lança, assistência atrasada e remate colocado do jogador à entrada da área (Hauge).
Simples, eficaz, exemplar.
Vermelho a Maata sem efeitos
O FC Porto gritava por mudanças ao intervalo - é difícil perceber o que Marko Grujic faz bem -, mas Vítor Bruno responsabilizou quem já estava em campo. Sem efeitos práticos, mesmo após a expulsão de Maata numa simulação sem sentido.
Com 40 minutos (mais descontos) pela frente, tudo se voltava a inclinar a favor do FC Porto. Puro engano. O suicídio de Maata alterou o guião, mas não o final do filme. O Bodo aceitou baixar linhas, o jogo passou a ser uma espécie de andebol de 11 em sintético.
O FC Porto a rodar, a rodar, a rodar, depois a errar um passe e a permitir a fuga do Bodo. Nasceu assim o 3-1 (62 minutos, Hauge), com Zé Pedro a ser exposto a mais uma perda de bola (Iván Jaime) e a denotar dificuldades lamentáveis no um para um.
O restante tempo não teve muito para contar, excetuando as estreias absolutas de Rodrigo Mora e Deniz Gul. O sueco ainda fez o gosto ao pé, já no período de descontos e quando a aflição já esmagara qualquer ideia ou estratégia.
Pouco, muito pouco para um gigante europeu. Importante, porém, salientar a qualidade do Bodo/Glimt em alguns aspetos do jogo: muito mais agressivos, muito mais dinâmicos, muito mais objetivos. Não por acaso, já muitos grandes emblemas caíram no norte da Noruega.