A erupção de Pedri está fresca na memória, o cheiro a pintura recente ainda no ar de quando um magrote de meias teimosamente em baixo nas canelas assentou no meio-campo do Barcelona, depois no da seleção espanhola, fazendo quase tudo muito bem e sem esforço aparente, o difícil a ser apresentado como fácil por um adolescente de olhar atónito. Em 2020/21, época pontuada por um Europeu atrasado pela pandemia, ele cravou-se no ideário como o herdeiro dos pequenotes espanhóis, um súbdito varão de Xavi, Iniesta, David Silva e Fabregàs para lhes suceder no trato dado à bola. Por fim, a Espanha tinha um novo farol no seu jogo.

Essa temporada que apresentou Pedri à redonda ribalta fê-lo estar em campo com a sua franjinha a tapar meia-testa durante 5.100 minutos.

O corpo escanzelado do espanhol, então com 18 anos e ainda a transitar da adolescência para a idade adulta, repercutiu-se por um rol de palcos que mais tarde, fossem necessários atestados que à posteriori mostrassem o que à priori era previsível, lhe trouxeram as consequências. Entre as quatro competições em que jogou pelo Barça, o franzino médio foi aos Jogos Olímpicos de Tóquio após jogar a versão nómada do Europeu em 2021 e de estar em partidas de fase de qualificação com a seleção principal e a sub-21. Quando fechou a época a 7 de agosto, na final do torneio olímpico, o seu clube estava a 10 dias de arrancar oficialmente a temporada seguinte.

É possível suspeitar que Pedri ainda esperneia com a ressaca provocada pela redoma do futebol que o moeu, tão jovem. Após os 72 jogos que fez em 2020/21, desfrutou apenas de um par de semanas de férias quando, enfim parou, falhando a pré-época que serve de preparação ao físico dos jogadores para aguentarem a exigência da competição vindoura. O seu delgado copo, então já delicado, arcou com as consequências: nas três temporadas seguintes esteve 190, 110 e 128 dias ausente devido a oito lesões musculares que, pelas contas do Transfermarkt, o fizeram perder 83 partidas entre o Barcelona e a seleção (caso fosse convocado).

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É um tal cenário de trejeitos dantescos que o clube pretende evitar agora com Lamine Yamal.

A reincidência de talento que sucedeu a Pedri no Barça foi, na noite de domingo, dispensado da seleção espanhola por culpa de uma “sobrecarga” nos músculos isquiotibiais da perna esquerda, mazela que acendeu as luzes de alerta no clube que tem na sua natureza dar condições à emergência de casos precoces de talento. Com 17 anos celebrados na véspera da final do último Europeu vencida por Espanha - ainda mais novo do que era Pedri aquando do seu primeiro torneio com a seleção -, o jogador, já em abril e a ser mais vezes titular do que suplente na equipa catalã, anunciou que não iria aos Jogos Olímpicos para acautelar o descanso. Mas, antes desta convocatória, o Barcelona terá tentado acentuar essa prudência.

Escreve o “El País” que o clube pediu à Federação Espanhola de Futebol que poupasse Lamal desta ronda de novembro da Liga das Nações, protegendo o seu frágil físico que ainda desbrava o trilho da adolescência. Os responsáveis blaugrana quererão evitar, em ano do novo formato do Mundial de Clubes, a repetição de um cenário equivalente ao da época passada, em que Lamine esteve 3.850 minutos em campo entre clube e seleção, uma exorbitância atendendo à sua idade.

Responsável por ocupar 23,19%, a La Roja respondeu pela voz de Luis de la Fuente, não em específico ao caso de Lamine Yamal, mas na generalidade do tema do crescente cansaço dos futebolistas que são norteados por um calendário no qual são injetadas cada vez mais jogos. “É muito difícil dosear” o esforço dos jogadores “na seleção”, opinou o selecionador, contrapondo que “é mais fácil dosear um jogador se o tens durante 70 partidas do que quando o tens durante um mês”. O argumento do treinador prolongou-se, indo buscar uma percentagem longínqua à que se verifica na realidade: “A responsabilidade deveria recair em quem passa mais tempo com eles. A seleção ocupa 3,5% do total.”

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Cada caso será um caso no sábio cliché popular e a provação de Pedri, por muito que deve à fastidiosa sobrecarga de há três anos, também terá algo que ver com as concomitâncias da sua genética. O próprio jogador contratou, na última época, um preparador físico privado, aprumou os seus quilos de músculo, rendeu-se aos banhos gelados na recuperação pós-jogos e demais truques cuidadores do físico e até enviou amostras do seu tecido muscular de modo a serem avaliadas por laboratórios privados que farejam possíveis explicações para as suas reincidentes lesões. Ele e Lamine Yamal, contudo, estão imersos na tendência atual do futebol.

Que é a de sobrecarregar, em crescendo, o seu calendário competitivo. Além de esta temporada contar com o novo formato da Liga dos Campeões onde cada uma das equipas participantes terá um mínimo de oito jogos na fase regular, quem jogar por uma das 32 equipas que vão estar no refeito Mundial de Clubes arrisca-se a só terminar a época (em ano ímpar, que deveria ser de relativo descanso entre Europeus e Mundiais) a meio de julho. A FIFPro, o sindicato internacional dos futebolistas, já avisou dos perigos no seu estudo mais recente: 54% dos 1.500 jogadores analisados foram submetidos a níveis de carga excessivos ou elevados em 2023/24.

Lamine Yamal esteve em 50 partidas a época passada. Quando as mazelas lhe deram concederam permissão, Pedri apareceu em 34.