O início de uma nova temporada deveria significar um mergulho de cabeça e corpo fresco nos encontros assinalados na agenda. Porém, a fronteira entre as épocas é cada vez menos vincada ao ponto de quase se fundirem. Quem sofre são os jogadores, que deixam de ter um intervalo para esticarem as pernas e espreguiçarem a mente.

“A realidade é que o calendário está completamente louco, não há justificação.” A época 2024/25 ainda está no começo, mas Bernardo Silva não perdeu tempo a criticar o que se avizinha. São traumas de alguém que, pelo azar de ter sucesso, leva o físico ao limite. “No Manchester City, se não formos eliminados de nenhuma competição, jogamos de três em três dias durante mais de nove meses. A carga que se tem imposto aos jogadores é absurda”, realça. “Fazer isto uma ou duas épocas, tudo bem. Agora, fazer isto durante seis, sete, oito anos, e eu tenho essa experiência, não é fácil.”

As conclusões do relatório do FIFPro, o sindicato mundial dos jogadores, sobre o avolumar do número de encontros dá razão ao internacional português. De acordo com o estudo, 54% dos 1.500 jogadores considerados na análise experienciaram níveis de carga excessivos ou elevados em 2023/24. A tendência sugere consequências em vários campos. Os jogadores estão cada vez mais expostos a lesões, devido ao escasso tempo de recuperação entre partidas, e a situações de burnout e stress. As marcas de um ritmo competitivo assoberbado podem encurtar as carreiras e dificultar o desenvolvimento da vida pessoal.

Em 2024/25, a Liga dos Campeões vai ter mais jogos, a Liga das Nações a mesma coisa e o formato alargado do Mundial de Clubes vai animar a ponta final da época. Apesar do FIFPro e da Associação Mundial de Ligas tentarem parar a progressiva densificação de compromissos, o problema não abranda. No relatório intitulado “Excessive Workload Demands: Player Performance, Recovery and Health” fala-se da “canibalização” da agenda futebolística.

Esta época, o Manchester City de Bernardo Silva tem projetados 75 jogos. Isso implica que a presença nas provas a eliminar se prolongue até ao fim. Caso a previsão do FIFPro se confirme, os cityzens serão a equipa com mais encontros realizados no final de 2024/25. Além disso, existem também a seleções. Em 2023/24, Julián Álvarez, entre partidas disputadas ao serviço do Manchester City e da Argentina (o avançado fez parte da equipa que esteve na Copa América e seguiu depois para os Jogos Olímpicos de Paris), foi convocado para 83 partidas e jogou em 75. Ninguém esteve tantas vezes disponível para saltar para dentro das quatro linhas como a Aranha que nos entretantos negociou a transferência para o Atlético Madrid.

Masoquistas principais

Fredrik Aursnes despediu-se da seleção da Noruega aos 28 anos. Teria um jogador sempre ligado à corrente no relvado perdido a força sobrenatural de que, no julgamento da maioria, era detentor? Enquanto único sábio dos seus limites, Aursnes considerou que os jogos da seleção tornaram “a carga de trabalho demasiado grande”. Além disso, manifestou o desejo de “ter mais tempo e liberdade para dar prioridade a outras coisas além do futebol”.

Não se pode olhar para o desejo do jogador do Benfica como um mero capricho. É que, além da polivalência que se lhe conhece, foi espremido ao máximo em 2023/24. Dos 66 jogos em que Aursnes participou na época passada, 51 (cerca de 77%) foram realizados sem que tivesse estado ausente do anterior, ou seja, sem descanso e agravando o risco de fadiga e lesão. No levantamento do FIFPro, nenhum jogador bate Aursnes nesta categoria.

No campeonato português, Morita também foi um masoquista principal. O japonês é o nono colocado na lista de jogadores que mais viajaram na temporada anterior. O médio do Sporting, muito por culpa das idas à seleção, fez 142.329 quilómetros, sendo o único não sul-americano no top-10 desta categoria encabeçada por três argentinos: Cristian Romero (162.978), Julián Álvarez (153.869) e Rodrigo De Paul (150.480). “Já sei que nas fases decisivas o meu rendimento pode cair devido a fatores como viagens e lesões. Tenho que pensar primeiro em mim para estar bem”, disse o nipónico.

A gestão do plantel consagra-se como um dos maiores desafios para as equipas técnicas. Por mais alargado que seja o lote de opções, nem sempre se consegue fugir à tentação de lançar os melhores jogadores. No entanto, existem situações em que tal não é possível. O Chelsea deixou Cole Palmer, um dos seus futebolistas mais influentes, de fora da lista de inscritos para a Liga Conferência de modo a poupar a alguns jogos um dos nomeados para a Bola de Ouro. Assim se perde um pouco do espetáculo.