PARIS – «Sábado há mais!»

A despedida de Iúri Leitão dos jornalistas na zona mista é de deixar a sonhar. Depois da medalha de prata conquistada na prova de Omnium, nesta quinta-feira, o ciclista português vai voltar a entrar no Velódromo Nacional, desta vez para a prova de Madison, na qual vai partilhar a pista com Rui Oliveira.

Mas aquilo que Iúri quer dizer é que haverá mais uma competição. Não a deixar no ar a ideia de uma nova medalha.

Porque nem tendo estado em lugar de pódio durante toda a prova por pontos, a última do Omnium, o português achou que a medalha já seria dele.

«Nunca pensei isso durante a prova. Talvez nas últimas voltas tenha começado a acreditar um bocadinho, mas estava um pouco perdido», admitiu, já com a prata ao peito, na zona mista.

«Ainda fiz a minha última jogada a 10 voltas do fim, mas o atleta francês estava mais forte e não há nada a fazer», acrescentou, ele que mal a prova acabou, celebrou muito de punho erguido, mas só depois de apontar para o vencedor, reconhecendo-lhe o mérito.

Benjamin Thomas, o ciclista da casa que venceu a prova, estava tão forte que nem uma queda a 20 voltas do fim o impediu de ganhar o ouro. Iúri Leitão admitiu que a sua consciência o impediu de atacar quando ainda não sabia o estado físico do adversário.

«Quis ter a certeza de que ele estava bem e que podia voltar para discutir o ouro. Foi um azar que ele teve e sinto que não seria justo perder o ouro daquela forma, por isso quis ter a certeza de que ele estava bem», declarou, num gesto de fair-play que engrandece ainda mais o feito do português.

Mais hesitação merece a Iúri o valor daquela prata que tinha ao peito no momento.

«Ainda não sei o que esta medalha significa. Estou muito feliz por estar aqui e é especial conseguir este resultado, mas ainda não sei o quão especial é. Consegui confirmar o meu lugar entre os melhores do mundo, depois de ter vencido o campeonato do mundo», sublinhou.

Porque para ele, aquilo que realmente interessa é poder viver a sua paixão.

«Claro que não há nenhuma prova mais importante do que esta, mas não deixa de ser ciclismo. É a minha profissão, mas faço isto porque adoro. Dá-me muito gozo e adrenalina e aqui era só mais uma competição com os melhores ciclistas do mundo. E é um gosto enorme poder partilhar a pista e lutar com eles ombro a ombro», defende.

A queda escondida

Iúri Leitão estácheio de cicatrizes. 20 anos de ciclismo já lhe valeram incontáveis quedas. A última delas aconteceu há muito pouco tempo e ainda está bem marcada nas mãos de Iúri. Mas ele escondeu-a de quase toda a gente.

«Tive uma queda há três semanas num treino. Tentei manter o máximo de sigilo para isso não afetar nem a minha cabeça, nem espalhar para fora. Muitos dos meus colegas vão saber disto agora [risos]. O ciclismo de estrada é muito castigador para o nosso corpo. Mas eu tenho cicatrizes, como tem o ciclista que ganhou e o que ficou em último. Todos já sofremos quedas graves», desvalorizou.

Muito valor tem, porém, o caminho que o ciclismo de pista tem feito na última década e meia. Mas ainda há muito por fazer.

«Não concordo que esta medalha seja o culminar do ciclismo de pista. Até porque nós ainda não temos uma equipa de perseguição. Ainda não há meios para o conseguir. Acho que é o ponto mais alto em que o ciclismo de pista já esteve, mas ainda temos mais para evoluir. Há muito trabalho pela frente», defende, apontando caminhos.

«Falta investimento, trabalho, tempo… O tempo também se compra. Essas condições têm vindo a ser melhoradas graças ao nosso trabalho [dos ciclistas]. Em Portugal, temos feito omeletes sem ovos. Cada vez nos dão mais ovos para termos omeletes mais bonitas. Já estamos a começar a fazer bolos, vamos ver o que teremos mais tarde», concluiu.