Sabia que o primeiro jogador a representar PSV e Sporting foi... um inglês?
Rob McDonald, personalidade carismática, um tesouro dos anos 80. Carreira recheada de aventuras e que o enche de orgulho, mesmo sem nunca ter conseguido brilhar ao mais alto nível no seu país.
As redes sociais ajudaram o zerozero a chegar até esta figura, que aterrou em Lisboa em 1986 depois de ser campeão em Eindhoven.
A passagem pelos leões foi curta, contudo, segue fresca na memória do antigo avançado. O clube e Portugal ficaram no coração, conta-nos de alegria na voz.
«Aprendi mais uma semana nos Países Baixos do que nos cinco anos anteriores»
zz - Já vamos ao Sporting, obviamente. Mas temos mesmo curiosidade para perceber como o Rob foi parar aos Países Baixos ainda jovem.
Rob McDonald - Acaba por ser uma história simples. Uma equipa dos Países Baixos foi a Inglaterra jogar um amigável contra o Hull City, o meu primeiro clube. Joguei bem e fiquei referenciado, mas não passava pela minha cabeça sair e deixar a minha família.
Não estava a ter muito tempo de jogo na equipa principal e acabou por surgir a hipótese de ser emprestado ao SC Cambuur, que estava na segunda divisão neerlandesa. Uma oportunidade que agarrei e abriu-me os horizontes.
zz - Não era muito habitual naquele tempo um jovem sair de Inglaterra.
RM - Sabes, em Inglaterra ainda estavam muito presos ao 4-4-2 e à bola longa para o ataque. Não era o meu tipo de futebol. No Hull City ficávamos muito confinados a trabalho de ginásio e repetitivos exercícios. Senti que aprendi mais uma semana nos Países Baixos que nos cinco anos anteriores na minha carreira.
Foi uma decisão que mudou completamente o rumo que a minha carreira podia levar.
zz - O estilo de vida também o agradou?
RM - Os neerlandeses são pessoas inteligentes. Falam todos inglês e foram sempre corretos comigo. Claro que a experiência é diferente para um jogador ou um cidadão como uma profissão mais normal, mas não tenho nenhuma razão de queixa.
zz - O Rob é campeão pelo PSV em 1985/86 e marca 18 golos na época, mas acaba por ser emprestado ao Sporting. Como surgiu essa mudança?
RM - O Sporting queria um avançado. O Manuel José, treinador do clube, gostava muito do Peter Houtman, grande goleador do Feyenoord e do Groningen. Essa tentativa de contratação não aconteceu naquele momento e, de repente, chega-me uma proposta a três dias do final do mercado.
Como jogador não me queixei. Podes aumentar as exigências financeiras naquela fase de aperto (risos). O presidente João Rocha foi impecável nas negociações. Era um homem muito bom, como raramente encontrei no futebol. Ele tinha boas referências minhas e queria-me muito.
«Manuel José puxou por mim, mas o sacana do Meade não parava de marcar golos»
ZZ - Que Lisboa e país encontrou? Portugal estava a abrir-se ao mundo.
RM - Gosto muito de Portugal. As pessoas são bastante amigáveis. Uma coisa marcou-me muito: adeptos de Sporting e Benfica a conviverem amigavelmente antes de clássicos. Isso seria impensável na Inglaterra e acredito que também já não acontece no vosso país.
Tive oportunidade de conhecer o Eusébio, através do Oceano. Que privilégio conhecer alguém que era um grande ídolo meu. Ele foi umas das grandes estrelas do Mundial de 1966, prova especial para uma criança inglesa naquele tempo.
Apaixonei-me em Portugal e conheci a mãe do meu filho mais novo. Ela ensinou-me bastante sobre a cultura. Amo Cascais e também tive oportunidade de ir ao Algarve. Não me posso queixar em nada da minha experiência no país.
ZZ - Tem vindo a Portugal com regularidade?
RM - Por mim ia todos os anos, mas é impossível com família e responsabilidades (risos). Gostava bastante de ter uma casa de férias em Portugal. Tenho 65 anos e quero trabalhar mais cinco, depois descansar. Vamos ver se o plano sai como quero.
ZZ - A aventura em Alvalade acabou por ser curta.
RM - Eu e o Manuel Fernandes competíamos pela mesma posição, assim como o Ralph Meade. Só podiam jogar dois estrangeiros e no plantel estava também o Manuel Negrete, um excelente jogador mexicano. O Manuel José puxou por mim para tentar ganhar o lugar ao Meade, mas o sacana não parava de marcar golos (risos). Tinha de aceitar não jogar o tempo que queria.
Marquei três golos na Islândia, em jogo da Taça UEFA. E também na estreia a titular na Liga. Acredito que estar emprestado também teve o seu impacto, não era uma situação de estabilidade. O Houtman chegou depois e até marcou menos que eu nessa época.
Acabei por ter uma conversa honesta com o Manuel José e optámos pela minha saída. Voltei para os Países Baixos e ainda joguei no Newcastle, as coisas correram bem.
ZZ - Como foi conviver com Manuel Fernandes?
RM - Basta estares um par de segundos num balneário e percebes quem é a pessoa mais respeitada. O Manuel Fernandes era esse caso no Sporting. Há dois anos fui convidado para ir a Alvalade ver um jogo e estive com ele.
Não percebi que estava doente, acabei por saber mais tarde pelo Vítor Cândido [jornalista]. Aí percebi que a probabilidade de estarmos novamente juntos seria baixa.
Um capitão calmo, contudo, com nervo quando era preciso. Todos o respeitavam. Ele e o Oceano, mais jovem, tinham um grande perfil de liderança.
ZZ - Alguma memória mais engraçada desses meses? Sei que uma ver precisou da ajuda do plantel com o seu carro.
RM - Uiiii (risos). Passaram muitos anos, mas ainda não me esqueci. Nós levávamos os carros para uma pequena garagem no estádio. Só que estava um dia de muito sol e devo-me ter distraído. Parei o carro mesmo em cima de um grande buraco. Agora é uma recordação engraçada, mas foi assustador na altura!
ZZ - Ficou bem? Conseguiu salvar o carro?
RM - Sim! Era um carro antigo, não era pelo bem material, mas nunca se sabe o que podia acontecer se tivesse caído. Precisei da ajuda vários elementos do plantel para resolver a situação (risos).
ZZ - O Rob já tocou no regresso ao Groningen e a passagem pelo Newcastle, mas nos nossos registos temos também uma muito curta aventura no Besiktas. O que aconteceu?
RM - Não pagaram o meu contrato, simples. Não vi o dinheiro. Fui para a Turquia e tudo parecia ok, estava com outros dois ingleses. Só que não recebia o que tínhamos acordado.
Falei com o mister Gordon Milne e ele disse-me que iam pagar. Dei um prazo de um dia, não aconteceu e lá segui viagem. No Aeroporto estava para embarcar e ouvi chamarem o meu nome nos altifalantes, acredito para tentarem impedir que voasse. Nem olhei para trás. Cena de filme. Lá consegui desvincular-me.
No Sporting, confesso-te, pagaram sempre tudo a tempo e horas. O senhor João Rocha era fantástico e convidava-me várias vezes para jantar.
Por falar em jantares, as abordagens dos empregados da restauração quando vêm a minha foto com a camisola do Sporting são muito engraçadas. No último hotel em que estive até ofereceram-me a uma garrafa de vinho especial [imagem na peça].
Há mesmo uma forte cultura futebolística por aí.
«Sou um abençoado pela carreira que tive»
ZZ - Partilhou balneário com Ronald Koeman e Ruud Gullit, fantásticos jogadores.
RM - Grandes craques. Destaco também o Eric Gerets, um grande jogador. Tive também adversários fabulosos. Sabes, sou um abençoado pela carreira que tive. Extraí o máximo das minhas capacidades. Não joguei pela Inglaterra, nem ganhei grandes troféus no meu país, mas tive um percurso bonito. Conheci muitas pessoas e sítios, valências que me ajudaram após terminar a vida de jogador.
zz - O Rob foi treinador do Arne Slot, recentemente chegado ao Liverpool. Tem sido muito chateado para entrevistas?
RM - Sim, do The Sun à Sky Sports. Tem sido engraçado. O Arne era um bom miúdo. Muito confiante, não arrogante. Inteligente na forma de comunicar e sabe relacionar-se com as pessoas, além de ter adquirido durante a carreira um grande conhecimento futebolístico. Acho que pode ter muito sucesso em Inglaterra.
zz - Não é fácil substituir alguém com o impacto de Jürgen Klopp.
RM - Eles mantém uma comunicação regular. O Klopp ficou com boa impressão do Arne logo após as primeiras conversas entre ambos. Sente que o novo treinador pode também dar muito ao clube. Mas é uma situação engraçada, nunca pensei que o Arne pudesse ter um percurso deste tipo. Ele marcava muitos golos para um médio.
zz - Sabemos que é um homem atarefado. A que se dedica atualmente?
RM - Sou uma espécie de consultor. Tento atrair investidores para clubes, colocar treinadores neerlandeses em campeonatos fora, etc. Cheguei a tentar ver se existia algum espaço no Sporting caso o Rúben Amorim tivesse ido para Inglaterra no verão, mas ele acabou por ficar. Está a fazer um excelente trabalho.
Tenho também uma empresa ligada à organização de eventos. Tenho feito algumas reuniões de antigas equipas. Por exemplo, das equipas do Groningen que fiz parte, com celebrações especiais das datas em que defrontámos o Atlético de Madrid e o Inter nas competições europeias. É uma forma de celebrar e recordar momentos bonitos.
zz - O que perspetiva para o PSV-Sporting?
RM - O PSV tem um treinador muito bom e uma competente estrutura. Excelente trabalho do Marcel Brands na presidência e do Earnie Stewart, que tinha trabalhado na seleção dos Estados Unidos, como diretor. O Peter Bosz fez um excelente trabalho no Ajax e extraiu o melhor dos recursos que tinha.
Vai ser um grande jogo. Estou curioso para ver como o Sporting vai jogar fora. Vivo junto à fronteira com a Alemanha, a 1h15 de Eindhoven. Ainda estou a ver se consigo ir ao jogo. É uma ocasião sempre especial.