O Arsenal é o maior rival interno do Manchester City nos últimos anos, ultrapassando o Liverpool de Jurgen Klopp na árdua missão de tentar superar Pep Guardiola numa competição a pontos corridos.

Quando em 2018 Arsène Wenger colocou um ponto final numa ligação umbilical ao Arsenal, clube que orientou por mais de duas décadas, a sucessão era assustadora, até pelo exemplo relativamente próximo do Manchester United e da dura passagem de legado de Sir. Alex Ferguson. A saída do francês, já contestado por uma fação dos adeptos dos gunners era necessária, mas difícil e o Arsenal sabia disso.

Unai Emery chegou e bateu na trave. Na Premier League, onde terminou a um ponto do top-4 de acesso à Champions League, e na Liga Europa, perdendo uma final da competição que apadrinhou como sua e que voltaria a vencer anos mais tarde, no Villarreal. O sucesso relativo da primeira temporada rapidamente se esfumou entrando o Arsenal num buraco negro de resultados, de ideia e de perspetivas de futuro.

Em meados de 2019/20 Unai Emery saiu e deu lugar a outro espanhol, bem conhecido dos gunners e da Premier League. Adjunto de Pep Guardiola, com quem passou a rivalizar, Mikel Arteta chegou aos gunners na tentativa de recuperar a alma perdida por um clube refém do sonho de conquistar um troféu fugido desde a mítica época de 2003/04. A memória dos Invencibles é distante e o ADN competitivo do Arsenal também o era.

  • 2019/20: 56 pontos
  • 2020/21: 61 pontos
  • 2021/22: 69 pontos
  • 2022/23: 84 pontos
  • 2023/24: 89 pontos

Quando foi campeão invicto da Premier League, e para se ter ideia, o Arsenal somou 90 pontos. Em largos anos, os 84 pontos conquistados em 2022/23 seriam suficientes para ser campeão. Os 89 da última temporada mais o seriam. Mas Mikel Arteta, aprendiz, compete com o próprio mestre Pep Guardiola numa luta desigual diante do treinador que mudou o panorama das competições a pontos corridos e que, na carreira, só por três vezes perdeu campeonatos nacionais.

A mudança competitiva do Arsenal

Enquanto o sonho de vencer a Premier League não for cumprido, o Arsenal será, do ponto de vista teórico, o principal rival do Manchester City nesta luta. Foi assim nas duas últimas temporadas e está a ser assim em 2024/25.

Esta foi a mudança de que Mikel Arteta já se pode orgulhar. De lutar por nada em particular – o Arsenal era muitas vezes visado pelos adeptos rivais como o 4rsenal, em referência ao quarto lugar base que marcava as temporadas dos gunners –, o clube do Norte de Londres passou a lutar pelo título, ombreando lado a lado com Pep Guardiola. Uma mudança estrutural que não se fez por acaso.

Trus the Process é a expressão britânica que se generalizou para apoiar o trabalho de um treinador e ouviu-se várias e várias vezes no arranque da passagem de Mikel Arteta nos gunners. Reestruturar um clube e mudar a mentalidade é um processo moroso que, cada vez mais, é relativizado por diretores sedentos do sucesso rápido e incapazes de dar tempo a treinadores, estruturas de futebol e jogadores para desenvolver o seu trabalho. Felizmente para o Arsenal, o técnico espanhol teve tempo para implementar a cultura da vitória nos gunners, aproximando os adeptos da equipa e a equipa das vitórias.

As bancadas do Emirates Stadium rejuvenesceram antes do jogo com o cântico North London Forever a ser tocado por pedido e inspiração de Mikel Arteta. Na reta final da última temporada um cão chamado Win foi adotado pelo centro de treino dos gunners e a palavra passou a integrar o vocabulário quotidiano dos jogadores. Já nesta pré-temporada, Mikel Arteta pagou a carteiristas para, num jantar de equipa, desviarem as carteiras e telemóveis dos jogadores, reforçando a importância destes estarem sempre alerta. O ambiente que se vive e se sente no Arsenal é diferente fora… e dentro de campo.

O Arsenal futebolisticamente falando

As influências de Pep Guardiola no seu antigo adjunto são notórias, mas o Arsenal cresceu nos últimos anos até se tornar num clube com um modelo de jogo consolidado e com destaques muito claros. As contratações permitiram a Mikel Arteta cimentar um estilo de jogo claro e em constante evolução. A influência do espanhol na escolha do perfil desejado para cada posição é clara e começa na baliza.

David Raya chegou numa onda de desconfiança, tamanho o valor pago pelo Arsenal pelo guarda-redes junto do Brentford para, na altura, competir com Aaron Ramsdale pela titularidade. O guardião espanhol foi puxado por Mikel Arteta para o onze e fez um 2023/24 intermitente com falhas em momentos cruciais e a sensação permanente de desconfiança entre os postes. Com os pés, permitiu ao Arsenal crescer e dar o passo em frente. Em 2024/25 tem provado estar preparado para o próximo nível, oferecendo fiabilidade entre os postes e acumulando defesas importantes e de grande dificuldade.

A dupla de centrais foi construída para permitir ao Arsenal jogar longe da baliza. Tanto Gabriel Magalhães – apesar de tudo mais errático – como William Saliba, candidato claro a melhor central do mundo, são centrais muito rápidos a compensar e a reduzir o espaço nas costas e capazes nos duelos aéreos longe da baliza. A dupla de laterais também mudou com a influência de Pep Guardiola e dos defesas centrais por fora a cimentar o crescimento de Ben White como lateral construtor (embora cada vez mais confortável a subir no corredor) e as contratações de Jurrien Timber e Riccardo Calafiori, defesas centrais com capacidade para jogar por fora na construção ou de se meterem na linha dos médios.

A transição de Declan Rice de primeiro médio construtor para médio interior esquerdo de chegada à área permitiu ao Arsenal reduzir o impacto da saída de Granit Xhaka no passado verão. O internacional inglês não tem perfil nem recorte técnico para assumir as tarefas de construção, mas encontrou o seu espaço como médio de chegada à área pela capacidade de transporte e condução e, no momento de transição defensiva, de preenchimento e ocupação dos espaços defensivos. O próximo passo de Mikel Arteta está na identificação do jogador – ou melhor, do perfil – do médio que o acompanhará. Mikel Merino lesionou-se, mas é também ele um médio mais de chegada e de passada do que de toque, e tanto Thomas Partey como Jorginho estão no fim do percurso nos gunners.

Longe deste fim, Martin Odegaard é o nome mais criativo do Arsenal e o maior nome dos gunners. Procura a meia direita para receber com o pé esquerdo e definir com o jogo de frente. É predestinado pela maneira como trata a bola, colando-a ao pé e tem no passe uma arma para aproximar o Arsenal da baliza. Consegue definir em transições quer através de passes mais longos quer conduzindo, ou em espaços curtos, trabalhando a bola e procurando combinações (a sociedade com Bukayo Saka é fundamental) para levar a bola até perto da baliza.

Os extremos jogam abertos e a pé trocado de fora para dentro. A forma como procuram sempre receber em movimento e arrancar no drible em velocidade é muito procurada pelo Arsenal. Na frente, Kai Havertz tem-se desenvolvido como uma referência capaz de trabalhar em prol da equipa, funcionando em toda a largura como opção em apoio e tendo ganho mais preponderância a atacar o espaço. Nunca será um goleador, mas dá maior harmonia à equipa.

A singularidade do duelo diante do Manchester City

Ainda não têm esse peso, mas os duelos entre o Manchester City e o Arsenal estão no caminho para substituírem os confrontos entre os cityzens de Pep Guardiola e o Liverpool de Jurgen Klopp como duelos definidores e capazes de fazer parar a Premier League. Na última temporada o Arsenal não perdeu nenhum e esta época conseguiu manter o registo.

O segredo para o Arsenal levantar a Premier League não está nos duelos contra os grandes, mas sim na regularidade quando são claramente favoritos. Na última temporada nenhuma equipa fez tantos pontos contra os big-6 como o Arsenal. Este ano os gunners já venceram na deslocação à casa do Tottenham, empataram no terreno do Manchester City e, não sendo um big-6, também derrotaram o Aston Villa em Birmingham.

Depois do apito final do Manchester City x Arsenal, encontro com um sabor agridoce para ambos os lados e cujas expectativas frustrantes de um entediante 0-0 foram amplamente superadas, muito se falou da forma como os gunners se fizeram pequenos para segurar uma vantagem mínima. Bernardo Silva foi porta voz das duras críticas e arrasou com o plano dos rivais lembrando, precisamente, o Liverpool. A estratégia de Mikel Arteta não foi a mais bonita do ponto de vista estético, a mais ousada do ponto de vista estratégico – dá para recordar o Tottenham x Chelsea do ano passado – ou a mais inovadora do ponto de vista histórico; mas esteve perto de funcionar às mil maravilhas.

Antes disso, a realidade é que foi ainda com 11×11 que o Manchester City esteve melhor, retirando conforto ao Arsenal, acionando Savinho como criador e chegando com perigo à área. Numa destas investidas, Gabriel Magalhães e Thomas Partey foram atraídos e abriram uma autoestrada para Erling Haaland explorar. A superioridade cityzen foi-se esfumando e foi o Arsenal, mais pragmático que criativo – a ausência de Martin Odegaard pesa neste sentido – a marcar e a conseguir competir.

Há, nesta altura, um ponto chave a destacar: a forma como o Arsenal se tornou na melhor equipa do mundo no que toca a situações de bola parada ofensiva. Nicolas Jover já havia integrado a equipa técnica de Pep Guardiola e reencontrou Mikel Arteta em 2021, elevando o nível da bola parada dos gunners que se tornaram no clube da Premier League com mais golos na sequência de cantos ou livres laterais. A forma como os gunners usam os bloqueios – a Premier League terá de se pronunciar e de dar orientações claras quanto ao que é legal ou não – para permitir que a bola chegue à referência, geralmente Gabriel Magalhães, esteve na origem do golo da reviravolta e de vários lances de perigo nas últimas temporadas.

A expulsão de Leandro Trossard e a troca ao intervalo cimentaram o Arsenal num 5-4-0 que procurou proteger a área e controlar a largura. O trabalho silencioso de jogadores como Kai Havertz e a capacidade de impedir vantagens e igualdades numéricas nos corredores e de impedir entradas pelo corredor central levou o jogo a um terreno descaracterizado e impróprio para definir um Arsenal que, apesar de tudo, tem adotado cada vez mais estratégias conservadoras nos jogos grandes. E é assim que tem conseguido competir.

A lesão de Rodri – lamentável como todas as lesões – abre um caminho menos bravo ao Arsenal para conquistar a Premier League. Continua a partir atrás do Manchester City, mas a distância não é tão grande. É este o grande objetivo dos pupilos de Mikel Arteta. A Europa, onde ainda não soma glórias, pode ficar para mais tarde.