Se há ofício em que o talento português aparenta ser desproporcionalmente vasto, um pouco à semelhança dos territórios de outrora, é no futebol. Aliás, há tanto talento que, por vezes, este passa despercebido localmente e só floresce após ter sido cultivado em lugares mais distantes.
Esse é o caso de Leonardo Rocha, um ponta de lança cujo nome - e gigante moldura de dois metros - vai impondo respeito no país que a seleção lusa hoje visita para um jogo da Liga das Nações. Aos 27 anos, é ele quem mais assusta as defesas na Liga da Polónia, onde leva um impressionante registo de nove golos em 10 jornadas.
Filho de pai e mãe brasileiros, mas nascido e criado na Margem Sul do Tejo. Formado desportivamente um pouco por todo mundo, com especial destaque para um principado onde fez dupla com o candidato ao trono do futebol atual (sim, falamos de Kylian Mbappé...) Hoje, o goleador do Radomiak Radom atende o telefone ao zerozero para se dar a conhecer.
Gigante goleador numa equipa de portugueses
zerozero (zz) - Ao fim de 10 jornadas na Ekstraklasa, levas já nove golos e és destacadamente o melhor marcador do futebol polaco. Que momento é este, Leonardo?
Leonardo Rocha (LR) - É muito bom começar a época assim. Eu não pensava começar desta maneira, mas é sempre bom para um atacante e dá confiança para o resto da temporada. Gostava que os golos tivessem dado mais pontos à equipa, mas espero continuar nesta linha e ir metendo os meus golinhos para ajudar.
zz - Realmente a equipa não pontuou assim tanto e está no 15º lugar, mas por outro lado torna os teus números mais surpreendentes. Marcaste nove dos 14 golos da equipa... Como é que tens uma fatia tão grande?
zz - Já não é assim tão comum ver equipas a apostar muito nos cruzamentos, mas para ti, um ponta de lança com dois metros de altura, deve calhar bem...
LR - Temos esse estilo. Quando um colega chega à linha ele sabe que eu estou na área e isso é importante, mas temos jogadores com qualidade e por isso penso que quando encontrarmos uma fórmula diferente vamos começar a marcar mais golos e não vamos depender tanto.
zz - Outra coisa que se calhar te favorece é o número de portugueses na equipa. Tens três colegas (Paulo Henrique, Bruno Jordão e Francisco Ramos) portugueses, além do treinador, (Bruno Baltazar, e de cinco brasileiros. É português que se fala no balneário?
LR - Nunca tive tantos portugueses numa equipa. Mesmo quando um vai embora, chega outro, por isso a adaptação é muito fácil. Com o mister também, fica uma comunicação mais fácil e mais tranquila. Um jogador de Portugal ou do Brasil chega aqui e tem uma adaptação muito mais fácil. Os polacos falam entre eles, mas como os portugueses e brasileiros são mais de brincadeira e gritaria... Eu diria que português é a língua predominante.
zz - Já é a tua terceira temporada no clube. Como é que chegou esta oportunidade inicialmente?
LR - Estava na Segunda Liga da Bélgica [Lierse Kempenzonen] e marquei 12 golos em seis meses, era o melhor marcador, e o Radomiak pagou os 150 mil euros da minha cláusula de rescisão. Eu disse "vamos, vamos para a Polónia". Foi assim que vim aqui parar.
zz - Três épocas diferentes no segundo escalão da Bélgica, em três clubes diferentes, e sempre com bons números. O que te impediu de ter mais sucesso nesse país?
Jovem globetrotter ao lado de Kylian
zz - Antes de começares a tua aventura europeia como sénior, acabaste a formação no Monaco. Que tal foi essa experiência?
LR - Fazer a formação no Monaco foi algo que me deu caráter. Aprendemos muito, estando longe da família. A nível de futebol foi lá que forjei o tipo de jogador que sou. É um clube e uma formação que ajuda muito, porque saem de lá muitos jogadores de primeiras e segundas divisões europeias.
zz - E ou muito me engano, ou cruzaste-te com o Kylian Mbappé nos juniores...
LR - Sim! Estivemos juntos um ano e meio, mas depois ele desapareceu (risos). Tinha cinco golos em 10 jogos e subiram-no, teve uma ascensão muito rápida. No primeiro ano ainda tinha 15 anos, mas no segundo, já a titular da equipa, ele subiu muito rápido.
zz - Fizeste dupla com o atual camisola 9 do Real Madrid? Já se notava que podia ser um dos melhores do mundo?
zz - França foi a última paragem da tua formação, mas por essa altura já tinhas estado em Portugal, Itália e Brasil. Como é que isso aconteceu?
LR - Começou depois de eu ser dispensado do Belenenses. A situação estava difícil para o meu pai, por isso mudámo-nos. Fomos primeiro para o norte [jogou nos sub-15 do Boavista] e depois convidaram-me a fazer testes em Itália e o Pescara ofereceu-me um contrato. Só me davam a ajuda de custos a partir dos 16 anos, por isso não fiquei lá e quando o meu pai foi para o Brasil eu fui ter com a família. Só depois é que volto para a Europa e faço os testes no Monaco.
zz - Qual foi para ti o impacto dessas várias mudanças na juventude?
LR - A primeira mudança é a mais difícil. Sair de Almada e ir para o norte, depois para Itália... Deixamos os nossos amigos de infância, deixamos tudo. Depois disso, a partir do momento em que te mudas muito e és o estrangeiro, a pessoa habitua-se rápido. Uma pessoa tem de se habituar, porque não há escolha e até porque eu queria ser jogador de futebol e por isso sabia que não podia estar muito ligado a lugares e pessoas.
zz - E acreditas que essas mudanças te ajudaram a cumprir o sonho de ser jogador?
LR - Até eu chegar ao Monaco, sinto que as mudanças me ajudaram. Permitiram-me construir o caráter que tenho e chegar lá, por isso ajudou-me. O problema foi quando saí. Quis queimar etapas, não tive muita paciência, e cheguei a sair do clube um pouco a mal. Também no Leganés eu era um projeto do clube, mas ao fim de seis meses cheguei a acordo para sair. Às tantas tinha 20 anos e estava sem clube e a precisar de ir fazer testes na Bélgica. Foi conturbado, mas foi a partir daí, com 20 anos, que estabilizou um pouco.
zz - Aos 27 anos, qual dirias que é a melhor experiência que já tiveste no futebol?
LR - Diria sem dúvida a do Monaco. Não há comparações, porque o nível de condições que tínhamos era de outro mundo. A alimentação, nutrição, ginásio, departamento médico... Quando saímos desse mundo, é uma mudança muito radical e as pessoas não têm a noção que é assim que muitos miúdos se perdem. Aí cais noutra realidade e se não tiveres vontade de te adaptar rápido, pode chocar muitos jogadores que já não regressam mais a níveis superiores. Tens de te saber adaptar.
zz - Ia perguntar qual foi a pior experiência que tiveste até agora, mas suponho que seja esse choque de sair da formação monegasca...
LR - Sim, porque saio do Monaco em janeiro a achar que podia assinar com outras equipas, mas a realidade é que não. Estive sem contrato a treinar sozinho e tive de esperar oito meses até que o Leganés me ofereceu o meu primeiro contrato profissional.
zz - Depois do passado, pedia-te agora para olhares um pouco para o futuro. Quais são os objetivos do Leonardo Rocha no futebol?
LR - Não me imponho limites, porque na posição em que eu jogo as coisas acontecem rapidamente. Um atacante com números pode sempre visar coisas maiores e melhores. Mas ter objetivos pode também tirar motivação quando lá chegas. Não penso em coisas fora da minha realidade, porque conheço a realidade em que estou. Talvez jogar competições europeias, que é um sonho para qualquer jogador, mas prefiro viver o momento nesta fase em que estou a jogar, porque sei como é quando há menos oportunidades.zz - Consideras um regresso a Portugal, pela primeira vez como profissional?
LR - Por acaso tive em junho uma oportunidade para regressar a Portugal, falei com um clube. Gostaria muito de jogar em Portugal, mas é um país que por vezes não consegue atrair quem está a jogar fora. Esse desejo existe, mas tem de compensar em todos os sentidos...