A evolução, importância e magnitude do futebol feminino em Portugal é de reconhecimento geral. As provas da qualidade do mesmo também se sucedem - por exemplo, recentes campanhas lusas na UWCL. O caminho foi longo, mas, apesar de ainda haver estrada para andar, está no seu apogeu. Nos Açores, está a dar os primeiros passos.

Passos, até agora, suportados pela força de vontade de centenas de pessoas. Outro passo - de gigante - para o crescimento da modalidade foi dado recentemente. No começo da temporada 24/25, o Vitória Clube do Pico da Pedra anunciou a participação na Terceira Divisão. História feita: pela primeira vez, uma equipa açoriana vai marcar presença num campeonato nacional feminino.

Para compreender todos os contornos da história feita, o zerozero «viajou» até aos Açores e falou com o presidente do clube - Ricardo Estrela - e o treinador da equipa - Diogo Borges -, os dois obreiros deste fenómeno.

O começo: embalados pelo exemplo do FC Porto

A terceira está relacionada com as deslocações na Terceira Divisão. Nem o Governo nem a Federação nos apoiaram nas viagens. Tivemos de nos desenrascar. A Associação de Futebol de Ponta Delgada vai oferecer uma viagem, mas de resto estão todas a cargo do clube. No final da época, a Câmara da Ribeira Grande vai-nos pagar o valor correspondente às passagens, mas até lá... Muitos dos treinadores já se ofereceram para receber só no final da época para que, ao longo do ano, use o dinheiro que era para pagar aos treinadores nas viagens, no alojamento e na alimentação. É um projeto de todos e toda a gente está muito contente com isso», expôs o presidente.

«Por cá, temos muito o estigma de nos compararmos com a jogadora de Portugal Continental. Elas, por vezes ficam com esse receio: "Será que estou capacitada para competir lá fora? Não sei se sou tão boa como as outras". Elas próprias criam esses medos em si, criam barreiras. Por isso, a grande dificuldade até é mais mental, neste momento», garantiu o treinador, sobre o plantel que tem em mãos.

Mariana Cabral, a «madrinha» que serve de exemplo

Falar de futebol feminino e do Pico da Pedra é, inegavelmente, falar de Mariana Cabral. A atual treinador principal do Sporting, uma das maiores referências do futebol feminino português, nasceu e cresceu no Pico da Pedra. Por isso e por manter uma forte ligação com o clube da terra, Mariana Cabral é adorada e idolatrada por todos no clube.

«Ela é a madrinha do futebol feminino do Vitória Clube do Pico da Pedra. Há quatro anos atrás, quando pensámos em começar com as equipas femininas, contactei a Mariana pessoalmente e ela disponibilizou-se logo. Fez dois ou três treinos no Pico da Pedra enquanto estava de férias e foi acompanhando sempre.

Mariana Cabral, treinador do Sporting, é natural do Pico da Pedra @FPF

Foi, inclusive, a primeira a saber que íamos para a Terceira Divisão; ficou extremamente contente. Faz questão de, se tiver oportunidade, ir ter com a equipa quando formos ao continente jogar. Tem apoiado e é uma referência para todas as pessoas que estão connosco», apontou o presidente do clube açoriano.

«A Mariana começou como elas [jogadoras do Vitória CPP] todas. Veio da ilha e mostrou ao país que nós cá também temos qualidade. Por isso, claro que é uma referência para nós. É uma pessoa que saiu cá do Pico da Pedra e chegou ao patamar mais alto do futebol feminino português. Elas [jogadoras] todas conhecem-na, sabem que é uma referência e um exemplo a seguir. Demonstrou que, com trabalho e independentemente das origens, é possível chegar lá acima», relembrou o treinador de 24 anos.

Vitória, vitória, como vai correr esta história?

Sem euforias, com os pés bem assentes na terra. Cientes das capacidades, o objetivo de presidente e treinador - consequentemente, do clube - é aprender e, depois, crescer firmemente.

«O primeiro ano vai servir, acima de tudo, como aprendizagem. Vai ser importante para elas terem conhecimento da realidade do futebol feminino lá fora [em Portugal Continental]; está mais desenvolvido que o nosso, mas isso faz parte.

Podem esperar da nossa parte - e dentro das nossas limitações - uma equipa muito aguerrida e a entrar em qualquer campo para tentar conquistar os três pontos. Só assim faz sentido», reconheceu Diogo Borges.

«Esta temporada será muito difícil. Vamos ter oito seniores no plantel, seis a sete juniores, mais cinco juvenis e quatro iniciadas. Estamos a falar de uma equipa muito jovem, que vai lutar contra equipas com outra maturidade. Portanto, só esperamos que elas consigam aprender e usufruir ao máximo dessa experiência na Terceira Divisão.

Internamente, vamos ter uma equipa B que vai competir no Campeonato de Ilha. As mesmas atletas podem jogar na Terceira Divisão e no Campeonato de Ilha. Isto para, na próxima época, caso vençamos o Campeonato de São Miguel, subirmos à Quarta Divisão.

Temos de ser realistas. Com este panorama, estão 77 equipas e só 12 ficam na Terceira Divisão. Está muito distante das nossas possibilidades. Por isso, para que depois consigamos estar na Quarta Divisão por mérito, é necessário sermos Campeões de São Miguel. Aí sim, teríamos as passagens pagas pelo Governo. Tudo isto para dizer que, além de querermos que a Ribeira Grande seja a capital do futebol feminino, queremos ser um pouco como o Marítimo é na Madeira. O Marítimo domina completamente o futebol feminino na Madeira e vamos tentar trilhar o nosso caminho», desejou Ricardo Estrela.

O Vitória Clube do Pico da Pedra está no Grupo L da Terceira Divisão e, além do Ponte Frielas, partilha o grupo com o Sintrense, o CAC, o Arsenal 72 e o Bobadelense.