A beleza do futebol e do jornalismo é que mesmo na preparação para um jogo referente às competições europeias podemos encontrar motivos de interesse para uma reportagem à porta de casa.

Milic Jovanovic.

Para o adepto mais distraído, este nome pode não dizer muito; quem acompanhava o futebol português nos anos 90 e/ou acompanha os escalões inferiores do futebol luso reconhece o nome do ex-guarda-redes e atual treinador adjunto do Leça. No entanto, indo um pouco mais a fundo na história de Jova, há um dado que se destaca...

Palmarés: Taça dos Campeões Europeus 1990/91.

Exatamente, caro leitor. Pegando no que lhe dissemos no início, a apenas 8,5 km da nossa redação encontramos um campeão europeu ao serviço do Estrela Vermelha, adversário do Benfica na primeira jornada da edição 2024/25 da Liga dos Campeões.

Conversar com o antigo guarda-redes antes de rumarmos a Belgrado tornou-se assim imperioso.

«Foi como se tivessem fechado a VCI ou a Segunda Circular»

29 de maio de 1991.

Em Bari, Itália, o Estrela Vermelha defrontou o favorito Marseille e, depois do desempate por grandes penalidades, levou o troféu para a antiga Jugoslávia. Apesar de ter sido suplente não utilizado nesse encontro, Jovanovic não o esquece.

«É verdade que o Estrela Vermelha não fez uma grande exibição, mas venceu o título. Fizemos o nosso jogo, aguentámos o 0-0, fomos a prolongamento e depois a penáltis. Aí tivemos a felicidade de ser mais fortes e soltou-se a festa», começou por dizer o agora adjunto do Leça, que descreveu ainda os acontecimentos do encontro:

Milic Jovanovic
Total
155 Jogos 13816 Minutos
195 21 3 0 2x

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«Passámos o jogo a apostar no contra-ataque, estivemos quase sempre fechados e tentámos aproveitar os homens rápidos que tínhamos na frente. No prolongamento também não houve grande futebol, mas nos penáltis estávamos confiantes que íamos vencer. Os nossos jogadores batiam bem e o Stojanovic, guarda-redes de quem eu era suplente, também era forte. Ele defendeu o primeiro e levámos o troféu para casa

Sendo o Estrela Vermelha apenas o segundo clube de leste a conquistar a principal competição de clube a nível europeu (depois do Steaua Bucareste) é natural que os festejos na cidade de Belgrado tenham sido enormes...

«Imagina uma via correspondente à VCI no Porto ou à Segunda Circular em Lisboa. Tínhamos essa estrada fechada em Belgrado por nossa causa, não havia um único carro. No aeroporto foi aquela 'confusão' habitual com adeptos e jornalistas. No estádio, o clube abriu a zona do relvado e das bancadas. Ou seja, estavam cerca de 100 mil pessoas nas bancadas e 50 mil em baixo, no relvado e na pista de tartan. Nós estávamos lá no meio deles e toda a gente queria cumprimentar os jogadores e receber um autógrafo. Fomos mostrar o troféu para os camarotes e foi assim que se passou a tarde e a noite desse dia. Foi espetacular e inesquecível.»

Árbitro português no percurso

Tal como já referimos, a caminhada europeia do Estrela Vermelha terminou de forma gloriosa em Bari. Ainda assim, o trajeto da equipa então comandada por Ljupko Petrovic teve alguns percalços...

«O primeiro jogo da primeira ronda foi em casa, contra o Grasshopers, e empatámos 1-1. Foi uma tristeza enorme, ninguém falou com ninguém durante duas semanas. Houve um investimento grande e tínhamos grandes jogadores como o Prosinecki, o Savicevic, o Jugovic, o Pancev, o central romeno Belodedici.... No entanto, fomos a Zurique e ganhámos 4-1», recordou Jovanovic, que partiu depois para as histórias engraçadas:

Sinisa Mihajlovic era especialista em livres @Getty Images

«Lembro-me perfeitamente desse jogo porque o árbitro foi o português Rosa Santos. Aconteceu algo estranho com ele: antes do jogo foi ao balneário de cada equipa e distribuiu a cada jogador um cartão amarelo e um cartão vermelho. Em cada um deles estavam escritos os motivos pelos quais iriam ser exibidos, mas em português. Ninguém percebeu nada, eu só percebi anos depois [risos].»

Na hora de puxar pela memória, houve um antigo companheiro que Jova não pôde deixar de referir. «Não estou a querer gabar-me, mas a realidade é esta: o Mihajlovic ficou muito conhecido pelos livres incríveis que marcava e a verdade é que era eu que ficava no final do treino a treinar com ele. Às vezes ficávamos uma hora lá! Ele tinha muito valor, mas teve também um bocadinho de ajuda minha [risos]. Dava-me mesmo bem com ele e fiquei com muita pena quando faleceu», sublinhou.

Equilíbrio em perspetiva e amor pelo Leça

O Benfica tem encontro marcado com o Estrela Vermelha para esta quinta-feira e Jovanovic está à espera de um encontro bem disputado.

«O túnel já foi mais complicado, agora tem mais isolamento. Esse túnel passa por baixo da bancada dos adeptos do Estrela Vermelha, que durante uma hora e meia não param de cantar. Enquanto adversários, posso dizer que isto assusta. Durante o jogo o ambiente é infernal. Não sei se o Benfica já encontrou este ambiente em algum lado. Ainda assim, é um jogo de 50/50. O Estrela Vermelha tem uma boa equipa, o Benfica mudou de treinador e há sempre melhorias quando isso acontece», considerou, explicando, por fim, a relação que tem com o Leça:

«Quando jogava no Marítimo apanhei o treinador Rodolfo Reis, sendo que ele depois veio para o Leça e o clube precisava de um guarda-redes. Fiquei aqui, fui ganhando amizades, gostei de Leça enquanto cidade e da minha vida aqui. Vou ver a minha família à Sérvia uma vez por ano, mas gosto muito de Leça da Palmeira.»