O arranque oficial da nova temporada no futebol português não se decidiu por moeda ao ar mas inegavelmente teve duas faces.

Na meia hora inicial do confronto entre Sporting e FC Porto, os leões revelaram uma extraordinária eficácia e ficou a sensação de que o resultado poderia atingir números humilhantes. É verdade que Debast e Kovacevic demonstraram logo para o que iam e proporcionaram a Namaso a primeira situação clamorosa para marcar, mas a partir do golo de Gonçalo Inácio até a voz falhou a Vítor Bruno.

Diogo Cardoso

O responsável portista fez questão de o confessar na conferência de imprensa em que não foi capaz de esconder o alívio e tão-pouco a exaustão provocada pela emocionante marcha do marcador na Supertaça. Nas palavras do sucessor de Sérgio Conceição, ante uma “equipa perdida em campo, faltou voz do treinador para serenar e acalmar os ânimos”, o que significa que as maiores conquistas dos dragões estiveram longe de se resumir à felicidade de Iván Jaime no remate que expôs a reação em câmara lenta do guarda-redes que sentou Franco Israel.

A humildade que caracterizou o reconhecimento de que no banco azul e branco houve demora em perceber tudo aquilo que se estava a passar permite pensar que Vítor Bruno não se deixou embriagar pela épica reviravolta e teve nota alta no exame que pesava a bagagem emocional.

Seja qual for o balanço que se fizer às operações lideradas por Andoni Zubizarreta no mercado, a forma como o antigo adjunto lidou com o sucesso, ou melhor, com o inesperado (atendendo à desvantagem de 3-0) sucesso é, para já, o grande “reforço” para 2024-25. E por muito deliciosa que tenha sido para André Villas-Boas a fatia do demérito leonino, igualmente reconhecida com coragem por Rúben Amorim, a pior asneira que os concorrentes diretos do FC Porto podem cometer passa por ignorar a astuta influência e a hábil gestão do êxito demonstradas por alguém que durante os últimos 13 anos esteve na sombra do recordista de títulos na Invicta.

No fundo, quando no rescaldo da festa Vítor Bruno sublinhou que quando lhe entregaram o cargo “ninguém” lhe “deu uma coroa” para se “agigantar”, quis relembrar aos mais distraídos que sempre esteve consciente da desconfiança que a sua promoção gerou em certos setores da massa associativa, ainda por cima no quadro de uma política de contratações bastante condicionada pelos modestos recursos. O novo comandante do balneário, desde a etapa zero, soube que tinha de responder com trabalho acrescido e resultados que sustentassem a fé confessada no “ouro da casa”, ou seja, no talento de promessas que empurraram no último sábado para a bancada o trio composto por Pepê, Evanilson e Francisco Conceição.

Não por acaso, uma semana depois de ter renovado o contrato até 2027 e ter assinado uma cláusula de rescisão avaliada em 50 milhões de euros, o promissor Vasco Sousa foi lançado aos leões no Municipal de Aveiro e retribuiu a aposta com uma exibição convincente e que se relevou determinante no plano das alterações promovidas durante a demolidora segunda parte.

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Convicto, como é óbvio, de tudo aquilo que o jovem (21 anos) médio poderia emprestar, Vítor sinalizou com Vasco uma filosofia que inevitavelmente irá orientar os critérios da titularidade ao longo de toda a temporada e que se aplica, de resto, a elementos da qualidade de Martim Fernandes (18 anos) e Gonçalo Borges (23), já sem falar na pérola Rodrigo Mora (17).

UMA MEDIDA E CINCO PESOS-PESADOS

Até deste ponto de vista, a final mostrou o outro lado do disco a Rúben Amorim, atraiçoado pela crença excessiva nos mais novos, como que espelhando a estafada prova de que (também) no futebol cada caso é um caso e cada época é uma época. Se noutras alturas a mestria de Amorim lhe consentiu tirar todo o proveito de leõezinhos acabados de “nascer”, no último fim de semana o treinador campeão nacional foi demasiado longe e quiçá algo sobranceiro na abordagem ao jogo de xadrez com o adversário que se recordava muito bem da Taça de Portugal arrecadada em maio no Jamor.

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A estrear um guarda-redes que não tinha deslumbrado na fase de preparação, a fazer o primeiro desafio oficial sem o ex-capitão Coates, privado da dupla Matheus Reis/Nuno Santos (a cumprir castigo) e prescindindo de Ousmane Diomande no onze, Rúben “conseguiu” no decorrer da partida retirar de campo quase todos os pesos-pesados que restavam.

À medida que foi mexendo nas peças, jogadores com a tarimba de Gonçalo Inácio, Morita, Hjulmand, Trincão e Pedro Gonçalves receberam ordem para descansar, sobrevivendo o imprescindível Viktor Gyokeres à remodelação desencadeada a sete minutos do fim do tempo regulamentar. O goleador sueco, mesmo distante da melhor condição física, sacrificou-se em prol do grupo e deixou à vista de todos que apesar do enorme potencial de Rodrigo Ribeiro não há substituto à altura, pronto a dar uma folga ao protagonista de 2023-24.

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Amorim, pelo menos esse recado, foi capaz de passar. É de toda a premência a contratação de um ponta de lança mais experiente, apto a curto prazo para oferecer o mesmo tipo de soluções que Paulinho (outro dos mais carismáticos) proporcionava e que acabaram por o levar para o campeonato mexicano. Sem apetrechar o plantel com os alvos cirurgicamente identificados e há muito negociados, a administração leonina não pode pedir todos os anos ao mister para bater o recorde de pontos com metade do investimento da concorrência que mora a centenas de metros.

Gualter Fatia

O mesmo homem que garantiu o acesso direto à Liga dos Campeões tem de ser recompensado com uma política de contratações que não se resuma ao reforço dos setores da retaguarda. Caso contrário, é entregá-lo à ferocidade do tribunal popular e, em simultâneo, desvalorizar um ativo que pode render ou... desvalorizar vários milhões.

O sensato Vítor Bruno marcou um quinto golo na Supertaça ao preferir uma medalha de lata à coroa de glória. Cara e coroa, no trabalho dos vencedores há sempre duas faces da moeda porque ninguém faz questão de guardar muito tempo na memória as vitórias de ontem.