Portugal está a viver uma crise habitacional sem precedentes e as recentes medidas do Governo para facilitar a compra de casa pelos jovens são como tentar apagar um incêndio florestal com um copo de água.

Pior: estamos a atirar gasolina para as chamas.

O Êxodo Silencioso

Quase um em cada três jovens nascidos em Portugal vive hoje fora do país, segundo dados recentes do Observatório da Emigração, reportados em janeiro de 2024.

Esta estimativa, baseada na análise de dados de países de destino da emigração portuguesa, revela uma hemorragia de talento, criatividade e futuro que ameaça deixar Portugal como um país envelhecido, estagnado e incapaz de se reinventar.

O problema da emigração jovem tem sido enfrentado por sucessivos governos portugueses ao longo das últimas décadas, mas tem-se agravado particularmente desde o início do século XXI.

Desde 2001, em média, mais de 75 mil portugueses emigraram por ano, com um pico de 120 mil saídas em 2013.

E qual é uma das principais razões para esta fuga em massa?

A impossibilidade de encontrar habitação acessível nas grandes cidades portuguesas.

Os jovens saem porque querem ter uma vida melhor e a habitação acessível é parte fundamental dessa vida melhor.

O Paradoxo das Casas Vazias

Ironicamente, enquanto muitos jovens lutam para encontrar habitação acessível, existem mais de 154 mil casas vazias e sem dono em Portugal.

Este paradoxo levanta questões sobre as razões que levam tantos proprietários a preferir manter os seus imóveis devolutos em vez de arrendá-los.

Algumas das principais razões incluem:

  1. Burocracia e legislação complexa: Muitos proprietários consideram o processo de arrendamento demasiado burocrático e arriscado por entenderem que a legislação “favorece” os inquilinos.
  2. Dificuldade em despejar inquilinos problemáticos: A lei portuguesa torna difícil e demorado o despejo de inquilinos que não pagam as rendas ou causam danos à propriedade.
  3. Receio de degradação do imóvel: Alguns proprietários temem que os inquilinos não cuidem adequadamente da propriedade.
  4. Expectativa de valorização: Em algumas áreas, os proprietários preferem manter os imóveis vazios na esperança de uma futura valorização para venda.
  5. Custos de manutenção e impostos: Os custos associados ao arrendamento, incluindo manutenção e impostos, desencorajam alguns proprietários.
  6. Falta de incentivos fiscais: A ausência de benefícios fiscais significativos para o arrendamento de longa duração desencoraja muitos proprietários.

Apesar dos esforços de vários governos, até agora não foi implementada uma reforma legislativa abrangente que efetivamente incentive o arrendamento de longa duração e resolva os problemas estruturais do mercado habitacional português.

A Ilusão do "Sonho Português"

O Governo decidiu que a solução para este problema seria isentar jovens até 35 anos do pagamento de IMT e Imposto do Selo na compra da primeira casa.

À primeira vista, parece uma medida louvável.

Mas vamos ser honestos: isto é como oferecer um desconto num Ferrari a quem mal consegue pagar o passe do metro.

A isenção aplica-se a casas até 316.772 euros, com benefícios parciais até 633.453 euros.

Pergunto: em que Portugal é que vivem os nossos governantes?

Certamente não é no mesmo país onde o salário médio ronda os 1.200 euros.

A Matemática Cruel da Realidade

Façamos as contas: um jovem casal, ambos a ganhar o salário médio, terá um rendimento mensal combinado de cerca de 2.400 euros.

Os bancos, na sua generosidade, poderão conceder-lhes um empréstimo que os obrigará a pagar prestações mensais na ordem dos 1.000 euros ou mais.

Isto deixa-lhes 1.400 euros para... viver.

Pagar contas, alimentação, transportes, saúde, e quem sabe, talvez até poupar para uma emergência ou para ter um filho.

Ah, e não nos esqueçamos: se as taxas de juro subirem, essa prestação pode facilmente tornar-se em 1.200 ou 1.300 euros num piscar de olhos.

A Armadilha da Propriedade

Mas o problema vai muito além da mera questão financeira.

Ao incentivar a compra em detrimento do arrendamento, estamos a criar uma geração de jovens acorrentados a empréstimos de 30 ou 40 anos, numa altura das suas vidas em que deveriam estar a explorar oportunidades, a mudar de cidade ou até de país para avançar nas suas carreiras.

Pensem nos professores colocados longe de casa, nos médicos que precisam de fazer internatos em diferentes hospitais, nos jovens empreendedores que podem precisar de mudar de cidade para fazer crescer os seus negócios.

Todos estes são prejudicados por um sistema que valoriza a propriedade acima da mobilidade e da flexibilidade.

A Especulação Galopante

E como se isto não bastasse, assim que o mercado teve conhecimento destas medidas "generosas" do Governo, a especulação imobiliária disparou.

Os preços das casas, já absurdamente inflacionados, subiram ainda mais.

O resultado?

Os jovens que supostamente deveriam beneficiar destas medidas vêem-se ainda mais afastados do sonho da casa própria.

A Mentalidade do "Todos Proprietários"

Portugal sofre de uma obsessão cultural com a propriedade imobiliária.

"Casa própria" é quase um mantra, repetido de geração em geração como se fosse a única forma de alcançar estabilidade e sucesso na vida.

Mas olhemos para outros países europeus economicamente bem-sucedidos.

Na Alemanha, por exemplo, a taxa de arrendamento é muito superior à de Portugal. E nem por isso os alemães vivem pior ou têm menos segurança habitacional.

O Arrendamento: O Patinho Feio da Habitação

Enquanto continuarmos a tratar o arrendamento como uma opção de segunda categoria, estaremos a perpetuar um sistema que beneficia apenas os especuladores e os bancos, à custa do futuro de toda uma geração.

É urgente:

  1. Rever a fiscalidade sobre o arrendamento, tornando-o mais atrativo para senhorios e inquilinos.
  2. Agilizar os processos de despejo em caso de incumprimento, dando mais segurança aos proprietários.
  3. Criar verdadeiros incentivos ao arrendamento de longa duração.
  4. Implementar controlos de renda em zonas de alta pressão imobiliária.

O Verdadeiro Custo Social

Todas as profissões que exigem mobilidade - professores, médicos, oficiais de justiça, entre tantos outros - são prejudicadas por esta obsessão com a propriedade.

A mobilidade profissional, tão essencial numa economia moderna e dinâmica, é sacrificada no altar da "casa própria".

A Pergunta Incómoda

Faz realmente sentido haver benefícios fiscais para a aquisição de imóveis que custam mais de 600 mil euros?

Em que universo é que isto ajuda os jovens comuns que lutam para pagar as contas no final do mês?

Um Futuro Hipotecado

Se continuarmos neste caminho, corremos o risco de, daqui a uma década, termos um país de casas vazias e jovens ausentes.

Um país onde os poucos jovens que ficaram estão tão sobrecarregados com dívidas que mal conseguem respirar, quanto mais contribuir para a economia ou formar família.

O Caminho a Seguir

É tempo de repensar fundamentalmente a nossa relação com a habitação.

Precisamos de um mercado de arrendamento robusto, regulado e acessível.

Precisamos de políticas que promovam a mobilidade e a flexibilidade, não que acorrentem os jovens a hipotecas vitalícias.

Acima de tudo, precisamos de líderes com coragem para desafiar o status quo e implementar soluções reais, não “pensos rápidos políticos” que só agravam o problema a longo prazo.

O futuro de Portugal está em jogo.

É hora de acordar para a realidade e agir antes que seja tarde demais.

Ou queremos ser um país de proprietários empobrecidos e endividados, ou um país de cidadãos livres, móveis e mais prósperos.

A escolha é nossa.