Como surgiu a ideia de criar o Gu Clinical Cases?
Surgiu fruto de conversas informais, nas quais recorrentemente se salientava o interesse para a comunidade médica da partilha de casos que, pelas suas características (sejam de diagnóstico ou de tratamento), se constituem fontes singulares de aprendizagem. A partilha dessa visão por parte da MSD foi determinante para transformar a ideia num projeto concreto.
Em que consiste?
Todos os serviços dedicados ao tratamento do cancro urológico são convidados a submeter casos que possam contribuir para um melhor conhecimento. Sendo certo que todos os casos são fontes potenciais de aprendizagem, alguns há que pela sua menor frequência, pela forma menos comum como se apresentaram, pela resposta menos esperada ao tratamento, pelas complicações que desenvolveram, ou por muitas outras razões, se distinguem dos demais no potencial de aprendizagem que lhes está associado.
Após o prazo de submissão de casos, vai realizar-se uma Reunião de discussão dos mesmos, aproveitando a realização do Congresso Centenário da Associação Portuguesa de Urologia, que vai decorrer no próximo mês de outubro, em Coimbra. Qual a importância de partilha de conhecimentos entre especialistas das diferentes áreas que tratam patologia oncológica genito-urinária?
A abordagem de um doente com cancro é porventura daquelas em que a multidisciplinaridade é mais relevante. Envolvendo áreas – não apenas médicas- mais dedicadas ao diagnóstico, ao tratamento nas diversas fases ou aos cuidados paliativos. Importa aqui salientar que as “especialidades” não se resumem às médicas, mas inclui áreas como a da farmácia, da enfermagem, da psicologia, da nutrição, da fisioterapia, etc.
Quais as principais especialidades envolvidas no tratamento destes tumores?
São muitas, com diferentes graus de envolvimento. Por razões que creio evidentes, a urologia é a especialidade nuclear de toda a patologia genito-urinária, incluindo o cancro; está envolvida em todas as fases, desde a prevenção, diagnóstico (precoce ou decorrendo de manifestações clínicas) e tratamento (seja de doença localizada ou avançada), até à gestão de complicações da doença terminal, na qual frequentemente ocorrem obstrução urinária, hematúria, etc. Evidentemente, muitas outras especialidades estão envolvidas, como a oncologia e radiooncologia, enquanto especialidades fundamentais para o tratamento, a anatomia patológica, a imagiologia, a medicina nuclear para o diagnóstico (e algumas vertentes do tratamento também), entre outras.
Qual a incidência dos tumores genito-urinários?
É globalmente alta, sendo evidentemente maior no sexo masculino. O cancro da próstata é a neoplasia mais comum no homem em Portugal (e na generalidade dos países ditos “ocidentais”), correspondendo a mais de 25% do total. Temos depois a bexiga/urotélio com cerca de 8% do total, o rim com 3-4%, o testículo com 1%, o que no seu todo corresponde a perto de 40% do total de neoplasias no homem. Na mulher constituem menos de 10% do total de neoplasias.
“O cancro da próstata é a neoplasia mais comum no homem em Portugal, correspondendo a mais de 25% do total”
Quais os com pior prognóstico?
Apesar de, em termos globais, o cancro da próstata ser o que mais mata, com cerca de duas mil mortes/ano (é a segunda ou terceira causa de morte por cancro no homem em Portugal), as neoplasias do urotélio e renais, quando metastizadas, tendem a ser mais agressivas.
Como vê o tratamento deste tipo de patologia em Portugal?
Com confiança crescente. Fala-se muito de problemas de acessibilidade a novas drogas no nosso país, mas, em termos globais, creio que os padrões de tratamento são semelhantes aos dos restantes países com que nos comparamos, designadamente da União Europeia. Faltará uma melhor rede de referenciação, particularmente para patologias que, pela sua complexidade ou menor frequência, beneficiam em ser tratadas em alguns centros de referência, selecionados.
Quais os principais desafios?
Prevenção primária, a par de estratégias (equilibradas) de rastreio/diagnóstico precoce, são certamente os principais. Nessa sequência, também o tratamento da doença localizada, com o propósito de conseguir a cura com o menor dano possível. Por outro lado, o grande desafio no caso dos tumores avançados não é tanto a redução do “dano” terapêutico, mas sim o ganho de eficácia; visando a adequação da melhor estratégia terapêutica a cada caso, numa perspetiva de medicina “personalizada”. A qual, sendo curativa em poucos casos nos dias de hoje, pode, ainda assim, transformar o cancro numa doença crónica, com longas sobrevivências.
Quais as expectativas relativamente aos casos submetidos e à reunião de discussão de casos?
Altas. Estamos confiantes que haverá uma grande adesão ao projeto e seguros dos proveitos da sua discussão para toda a comunidade envolvida nesta patologia.
Projeto GU Clinical Cases
O GU Clinical Cases, que conta com o patrocínio científico da Associação Portuguesa de Urologia (APU) e do Grupo Português Genito-Urinário (GPGU), visa incentivar a divulgação de conhecimentos teóricos e práticos, através da partilha de casos clínicos que apresentem características relevantes para aumentar o conhecimento dos profissionais de saúde nas seguintes indicações: próstata, rim, urotélio, testículo e pénis.
Todos os profissionais de saúde interessados em participar nesta 1.ª edição devem submeter os seus trabalhos na plataforma do evento até dia 30 de junho.
A seleção dos casos clínicos é da responsabilidade do Comité Científico, constituído por profissionais de saúde experientes, cujo trabalho é amplamente reconhecido pela comunidade médica: Arnaldo Figueiredo, diretor do Serviço de Urologia e Transplantação Renal do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra; Avelino Fraga, diretor do Serviço de Urologia do Centro Hospitalar Universitário Porto; Gabriela Sousa, diretora do Serviço de Oncologia Médica do IPO de Coimbra; Joaquina Maurício, diretora do Serviço do Hospital de Dia do IPO do Porto; José Palma dos Reis, diretor do Serviço de Urologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte; e Isabel Fernandes, coordenadora do Serviço da Hemato-oncologia Médica da CUF Descobertas.
Originalidade, rigor científico, raciocínio clínico e impacto do caso clínico na comunidade médica são alguns dos critérios que o Comité Científico terá em conta para avaliar os trabalhos submetidos.
O caso clínico vencedor desta 1.ª edição será conhecido na reunião presencial do GU Clinical Cases, onde será distinguido com uma Menção Honrosa.
Após o evento, está prevista a publicação de todos os casos clínicos selecionados num livro ou website a ser divulgado junto das várias sociedades médicas, que patrocinaram cientificamente esta iniciativa.
Texto: Sílvia Malheiro
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