Organizaram um curso sobre Genética para MGF. Porquê os médicos de família?
Esta foi já a 8.ª edição de um curso de Genética destinado a MGF. Trata-se por isso de um trabalho já com uma certa recorrência, o que traduz bem a sua importância e proficuidade na formação e sensibilização dos médicos especialistas (e internos) em MGF para as doenças genéticas/hereditárias, nas suas várias dimensões e particularidades. Como todos bem sabemos, os médicos de MGF são um elemento central e determinante na prestação de cuidados de saúde no contexto familiar e escusado será referir a componente e o grande impacto familiar que uma doença genética envolve, pelo que a relevância da integração destas duas áreas do conhecimento médico é auto-explicativa.
Aprofundando um pouco mais, os médicos de MGF são (ou devem ser) importantes atores nas várias etapas dos cuidados a prestar a um doente/família com uma doença genética. Desde logo, são, muitas vezes, o primeiro profissional a contactar com o doente que apresenta sintomas sugestivos de uma doença genética, pelo que deverão estar aptos a ler os sinais de alerta e a saber quando deve ocorrer a referenciação a Genética Médica, ou até quando aconselhar um teste genético a um doente e qual o tipo de teste. Por outro lado, os médicos de MGF são também um elemento fulcral, com um papel de “pivot”, quer no processo de apoio na transmissão da informação genética aos familiares em risco, quer na garantia de um adequado seguimento médico (quase sempre multidisciplinar) destes doentes.
Em suma, pretendemos, com o curso de Primavera de Genética na MGF, contribuir para a capacitação dos médicos de família para: (i) uma adequada referenciação de doentes (e familiares) a uma consulta de Genética Médica; (ii) centralizarem os cuidados de saúde destes doentes, servindo de garante do seu adequado seguimento multidisciplinar; e ainda (iii) apoiarem os doentes na transmissão da informação genética aos seus familiares em risco, que são também potenciais grandes beneficiários da informação genética para que estes possam aceder aos necessários cuidados de saúde.
Quais as principais dúvidas que estes profissionais enfrentam quando se trata de Genética?
Apesar da relevância que a área da genética tem vindo a assumir nos últimos anos, a formação médica académica em Genética Médica é extremamente deficitária na generalidade dos cursos de medicina das nossas universidades. Igualmente, o programa formativo do internato em MGF não contempla, de forma consistente, a Genética Médica. Assim, é perfeitamente compreensível que os médicos de MGF estejam um pouco impreparados para lidar com este tipo de patologias. São, assim, dúvidas relacionadas com os motivos da referenciação de doentes, tais como alguns sinais de alerta, ou mesmo dúvidas relativas a indicações médicas concretas que, por não estarem refletidas em NOC da DGS, são muitas vezes desconhecidas para estes profissionais.
São questões relativas, (i) à interpretação clínica de uma árvore familiar (que permite diferenciar muitas vezes entre uma doença genética ou ambiental, hereditária ou familiar), (ii) sinais e sintomas de alerta, (iii) quando avançar com um estudo genético (e qual estudo pedir), ou quando referenciar a uma consulta de Genética Médica, ou ainda (iii) dúvidas na interpretação de resultados de testes genéticos. São estas as dúvidas mais frequentes que tentamos ajudar a esclarecer neste curso.
Este tipo de formações também é uma forma de o médico de família estar mais alerta a determinados sinais e sintomas?
Absolutamente! Esse é de facto um dos eixos centrais deste curso. Todos os palestrantes são incentivados a fazer as suas intervenções num formato prático, baseado na apresentação de casos clínicos e sinais de alerta. Para além de alguns sinais de alerta mais gerais, transversais à maioria das doenças genéticas, como por exemplo os aspetos relacionados com a história familiar, procuramos em cada ano explorar de forma mais aprofundada um grupo de patologias específico. Nesta 8ª edição, que ocorreu no passado dia 5 de maio, foi dado um enfoque especial nas doenças oftalmológicas de etiologia genética. A Dr.ª Sara Vaz Pereira, oftalmologista do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, abordou na sua intervenção importantes sinais de alerta deste grupo de doenças, aumentando a capacitação dos médicos de família na decisão de referenciar os seus doentes a uma consulta de especialidade.
Deveria existir uma maior aproximação entre MGF e geneticistas? De que forma?
Sem dúvida que é extremamente importante aproximar e co-relacionar os profissionais destas duas especialidades médicas. À semelhança do que tem vindo a acontecer com as especialidades hospitalares, em que a Genética Médica tem vindo a reforçar a sua relevância dentro das equipas multidisciplinares, também na MGF importa reforçar esses elos de colaboração. Com o propósito de debater essa temática, no decorrer do nosso curso, foi realizada uma mesa-redonda dedicada “a genética e o futuro dos cuidados de saúde primários”, que contou com a participação da Dr.ª Lina Ramos, presidente do Colégio da Especialidade de Genética Médica da Ordem dos Médicos; a Dr.ª Ana Sequeira, coordenadora do Grupo de Estudos de Genética da Associação Portuguesa de MGF e uma representante das associações de doentes com doenças raras e membro da direção da RD-Portugal. Muito me alegra dizer que, durante essa frutífera discussão foi anunciado, pela Dr.ª Lina Ramos, a intenção de dar início à iniciativa “ABC da Genética para MGF” que pretende precisamente aproximar as duas especialidades através de um programa formativo de genética para médicos de família e criação de canais de comunicação para o apoio aos médicos de família na sua prática clínica diária.
No futuro podemos esperar mais cursos?
Garantidamente e com toda a certeza. Esta foi a 8.ª edição deste curso que tem acontecido anualmente, sem interrupções desde a 1ª edição, e é nossa intenção continuar este processo de capacitação dos médicos de família para a genética.
A genética tem sofrido ultimamente um processo de enorme desenvolvimento ao nível científico, tecnológico e assistencial, assumindo hoje um papel cada vez mais central nos cuidados de saúde. O papel dos médicos de família vai tornar-se cada vez mais importante no apoio aos doentes com doença genética e às suas famílias. Num tempo em que os testes genéticos estão cada vez mais presentes na prática clínica e a sua utilidade é significativamente reforçada, a gestão da informação genética familiar vai ser um dos grandes desafios do futuro e os médicos de família deverão assumir um papel de verdadeiros “pivots” nesse processo de gestão.
Texto: Maria João Garcia
Notícia relacionada
Genética explica em parte tipo de enfarte que afeta sobretudo as mulheres