Chamo-me Isabel Marques, tenho 53 anos e vivo com lúpus há 20 anos. Nada tem mudado ao longo destes anos. Sou portadora de lúpus sistémico no sistema nervoso central e tive de arranjar alicerces de adaptação à minha realidade de vida.
Acredito que o primeiro passo é aceitar, acreditar e nunca deixar de sonhar. Apesar de ter um diagnóstico para toda a vida considero-me uma pessoa feliz. Este é o meu testemunho na primeira pessoa: graças ao lúpus tornei-me a pessoa que sou hoje, por todas as aprendizagens que a doença me foi mostrando ao longo do meu percurso. Ensinou-me principalmente a parar e a ter tempo para pensar em mim.
Será sempre possível um novo renascer. São 20 anos a viver condicionada dentro de uma doença autoimune que não se vê, mas sente-se. Ao longo destes anos tenho feito terapêuticas muito agressivas, como a quimioterapia, ou seja, tive de me adaptar ao desconforto diário que muitas das vezes me leva ao limite.
Jamais pensei passar este último ano a ter sucessivas vasculites cerebrais, que me obrigam a estar de repouso absoluto com episódios de epilepsia. Viver e adaptar-me aos episódios de ausências do tempo e espaço, bem como às minhas falhas de memória e ausências é um desafio enorme que estou a aprender viver. Este tem sido um caminho de solidão comigo mesma, mas aprendi a aproveitar a vida o máximo que conseguir.
A dor mudou-me por completo e modificou a minha perceção de ver as coisas, o que a vida tem para me oferecer. De salientar que não gosto de socializar e de estar perto de pessoas, preciso muitas das vezes de estar apenas com o meu eu e hoje sinto que não tenho de me justificar perante ninguém. Tive de me tornar mais forte e aprender que as minhas pequenas conquistas eram para mim grandes vitórias. Se me perguntarem, ‘é fácil viver assim?’, não, é muito difícil de se viver a vida em suspenso todos os dias, mas penso também que cada dia que acordo nasce um novo dia e é a isso que me agarro.
O maior desafio tem sido a depressão que tantas vezes é silenciada. Sei bem descrever o vazio pelo qual tenho passado. Os sacrifícios impostos pela doença agravam-se e desencadeiam sintomas e crises agudas. Tive momentos em que não conseguia pensar devido às dores permanentes e às elevadas doses de medicamentos. O simples facto de ter sofrido, de ter tido graves incapacidades físicas e cognitivas associadas à fadiga, dores no corpo todo, vasculites cerebrais, perdas de apetite, provocou demasiado stresse e obrigou a consciencializar-me para esta nova realidade. Contrariar o meu corpo, para me levantar todos os dias, é por vezes um grande esforço e uma grande exigência física e mental.
No meu caso, o lúpus comprometeu o cérebro. Tenho momentos em que tudo muda de um minuto para o outro. O esquecimento, o querer exprimir-me e ficar confusa… por vezes, nem o meu nome consigo pronunciar. Gerir todas estas adversidades não é fácil. Tive de aceitar, acreditar, levar a vida com muita leveza e tentar sempre agarrar-me às conquistas positivas. Sorrir alivia a alma e tenho muita sorte de ter médicos que entendem bem a complexidade de todo o meu diagnóstico e que me ajudam na forma de adaptação e informação para quem vive comigo.
A saúde é o nosso bem mais precioso. A sua ausência transforma por completo a perceção do mundo e a forma como nos relacionamos com os outros. Por isso, digo muitas vezes que amanhã é um novo dia e a palavra esperança é a que tenho sempre gravada no coração. Senti que ao recomeçar me iria permitir ter esperança para poder seguir em frente e renovar as minhas esperanças de vida.
Uma coisa fui aprendendo ao longo destes anos: não queria ficar trancada na tristeza e na dor. Foi difícil para mim fazer a mudança, sobretudo ir de encontro ao desconhecido, mas encontrei o meu caminho. Decidi que me escolho, não irei mais contra as minhas vontades, vou prosseguir a minha jornada de vida, com altos e baixos, mas feliz por ter dado o primeiro passo para a felicidade.
Na época em que recebi o diagnóstico nunca tinha ouvido falar em lúpus. A preocupação dos médicos foi agir rapidamente, para que o meu organismo tivesse resposta ao tratamento, que por si só já era muito invasivo. Sabia, sim, que o meu corpo estava a ficar muito doente, e a rapidez de ação iria, com toda a certeza, fazer a diferença para que hoje me permitisse contar a minha história.
O desenvolvimento da minha força, coragem e paz interior demorou muito tempo e os resultados nem sempre foram imediatos e nem sempre os que mais desejei. Ao longo de todo este processo de aceitação do lúpus teve de partir de mim o que quis mudar, cada ação que fui executando. Só assim foi possível permitir-me tomar as decisões certas. Um dia sei que vou olhar para trás e ver que os degraus que tive que subir foram os mesmos que me vão levar um dia à vitória. Sei que nada será como antes do diagnóstico, nada voltará ao que foi. Tive de arranjar formas de renascer e, sobretudo, de me readaptar, criar ferramentas de informação e conhecimento, para que pudesse dar a conhecer a minha verdadeira realidade.
Aprendi a festejar a vida e todos os dias tento focar-me nas minhas habilidades e não nas minhas incapacidades. Apesar de tudo, sou uma pessoa feliz e tenho um orgulho enorme da minha família e de tudo o que temos conseguido construir. Enquanto puder e conseguir continuarei a fazer ações de sensibilização, porque acredito que só dando a informação as pessoas podem adquirir o conhecimento. Acredito que um doente bem informado tem um papel muito interventivo junto dos médicos e da sua doença.
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