Participou no Simpósio “Uma Nova Era para a Imunização da Covid-19 e da Gripe”. Que “Era” é esta?
É uma Era em que, cada vez mais, estamos confrontados com infeções respiratórias múltiplas, maioritariamente com sazonalidade, o que determina um impacto muito significativo nos serviços de saúde, em morbilidade, em mortalidade e em hospitalização. Porém, a maioria das infeções respiratórias podem ser prevenidas através de vacinação e este é um aspeto que aprendemos muito recentemente.
A covid-19 foi um bom exemplo, mas já o tínhamos também no que respeita à gripe, à pneumonia e, agora, ao vírus sincicial respiratório, que, cada vez mais, tem provocado um impacto negativo nos nossos adultos. Em primeiro lugar, aprendemos que o conhecimento e a ciência são muito importantes para o avanço da promoção dos melhores cuidados de saúde e para a prevenção da doença e, neste caso em particular, para a promoção da saúde respiratória e para a prevenção da infeção respiratória.
Aprendemos também que o planeamento, a organização e o desenvolvimento de um bom plano de comunicação é muito importante. Uma estratégia de vacinação passa sobretudo por quatro pontos fundamentais, sendo eles: um bom plano de comunicação, a disponibilidade dos produtos e a acessibilidade. Este ano, aprendemos também que a proximidade, através da possibilidade de se fazer a vacinação nas farmácias de comunidade, melhorou e aumentou muito a adesão à vacinação.
Mas, há um quarto aspeto, que me parece ser dos mais relevantes e que é fundamental para uma estratégia de vacinação deste tipo de infeções: a recomendação por parte dos profissionais de saúde. Sobretudo, neste momento – em que se nota alguma hesitação vacinal e um certo cansaço com as vacinações múltiplas que tivemos para a covid-19, assim como o facto de se verificar algum aproveitamento por parte de movimentos e de campanhas anti vacinação – é fundamental que os profissionais de saúde adiram e que sejam promotores da vacinação na população em geral. Por exemplo, falando de gripe, temos uma ferramenta muito útil para a monitorização da vacinação na época sazonal, o chamado vacinómetro, promovido pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia, em 2010. Desde essa altura, todos os anos, em colaboração com a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar e com o apoio de uma empresa farmacêutica, é produzida informação sobre a adesão dos principais grupos de risco.
A verdade é que se verifica uma crescente adesão à vacina da gripe, em Portugal, sobretudo na população com mais de 65 anos. Contudo, no que respeita aos profissionais de saúde não estamos bem. Ao olhar para as estimativas da última época sazonal, tivemos apenas cerca de 50% de adesão. Mas, este ano, provavelmente, o número será inferior, avaliando pelos boletins de monitorização e de vigilância epidemiológica e de monitorização da vacinação. Portanto, aprendemos a valorizar o conhecimento em ciência e inovação, também porque tivemos acesso a novas plataformas – que já estavam desenvolvidas há algum tempo e que finalmente foram postas em utilização -, mais concretamente a plataforma mRNA.
Foi um avanço muito significativo, que deu origem a um prémio Nobel, entregue a duas personalidades que desenvolveram esta tecnologia anteriormente, mas que foi agora utilizada. É preciso olhar, sobretudo, para a realidade do impacto destas infeções respiratórias, como a covid-19, a gripe, o vírus sincicial respiratório e a pneumonia, que já têm capacidade preventiva através de vacinação.
Como é sabido, em Portugal temos uma boa adesão vacinal, que foi claramente evidente durante a pandemia covid-19 e que foi mais uma lição da pandemia. No entanto, temos um Plano Nacional de Vacinação muito centrado nas idades pediátricas, e bem, porque foi muito importante. Mas, e à semelhança do que acontece em outras realidades, como aqui na vizinha Espanha, na Itália e nos Estados Unidos, os planos nacionais de vacinação têm que ser alargados.
É preciso perceber, cada vez mais, a necessidade de imunização ao longo da vida, começando, obviamente, na idade pediátrica. No entanto, sobretudo para estas infeções respiratórias, mas não só, temos de fazer essa promoção da imunização ao longo da vida e a introdução de vacinas no Plano Nacional de Vacinação, como por exemplo a do SARS-CoV-2. Claramente, esta vacina começa a ter um caráter sazonal. Este ano, tivemos esta capacidade de a administrar com mais proximidade, não apenas no Serviço Nacional de Saúde, mas também nas farmácias, em conjugação e em concomitância com a vacina da gripe e este é o outro aspeto importante. Ou seja, criar uma cultura de necessidade e até de coincidência temporal de promoção de proteção sazonal para as infeções respiratórias – que começam a circular em novembro e se mantêm até março – é muito relevante para que possamos ter a população com este hábito de adesão regular à vacinação, mais concretamente para estas duas infeções – a covid-19 e a gripe.
Por que é que os profissionais de saúde não aderem tão bem à vacina da gripe?
É uma pergunta de difícil resposta, porque deveriam aderir. Por um lado, para se protegerem a si próprios, por outro para proteger os outros, evitando uma contagiosidade, sobretudo com a população vulnerável e fragilizada com quem contactam. Mas, na realidade, a assunção de que correspondem a um grupo de risco que deve ser vacinado, muitas vezes, não é interiorizado pelos profissionais de saúde. Não é por dificuldade de acesso. Pelo contrário, a acessibilidade e a gratuidade são reconhecidas, mas pelo facto de se assumir que a vacinação para a gripe está relacionada com os escalões etários e com a existência de doenças associadas, ou seja, com fatores de risco e não tanto com atividades profissionais.
No entanto, é importante que se perceba que quem lida com população idosa e fragilizada – nos nossos hospitais, nas nossas unidades de saúde, nos lares e em todo lado, porque a população idosa é cada vez maior – deve assumir esse compromisso, sobretudo para com os idosos, mas também para connosco e para com as nossas famílias. Trata-se de uma cultura que tem de ser estimulada, uma vez que não teve ainda o resultado verificado em outros grupos de risco.
A covid-19 teve uma adesão brutal na população. Os profissionais de saúde aderiram, como é evidente, assim como os grupos de risco e como toda a população portuguesa, de forma massiva. E é este o espírito que deve ser transposto para a proteção de outras infeções, mesmo que a eficácia não seja tão grande. Evidentemente, a eficácia não é completa, porque a proteção não é universal para a gripe, mas a vacinação protege, sobretudo, das formas mais graves. Não nos podemos esquecer que as formas mais graves são as que, de facto, levam à hospitalização, isto é, às que põem em risco a vida e que são origem de complicações. Os profissionais de saúde – não é só médicos, mas também os enfermeiros, os auxiliares, os técnicos, os administrativos, toda a equipa – estão em risco, porque circulam em unidades de saúde e contactam com pessoas de risco, logo deveriam ter em consideração essa proteção individual e coletiva.
“O nosso Plano Nacional de Vacinação tem que ser modificado. É muito bom, sobretudo para as idades pediátricas, mas a carteira vacinal tem que ser adaptada, assim como as recomendações ao que são, atualmente, as necessidades crescentes ao longo da vida”
Como é exemplo a covid-19, surgem constantemente novas variantes, que vão sendo cada vez mais emergentes. Como é que vê o surgimento destas variantes em relação à vacinação?
Por exemplo no que respeita às vacinas da gripe, temos hoje bem identificadas as quatro principais estirpes, que estão incluídas na vacina administrada sazonalmente e que são as principais causas de uma epidemia gripal. Cada vez mais, temos vacinas de maior valor, de alta dose, quadrivalentes, disponíveis nas nossas unidades e farmácias, com uma cobertura muito abrangente, mesmo em indivíduos com défices imunológicos e com idade, isto é, com fragilidade e diminuição das defesas e, também, com a imunossenescência associada aos idosos. Desde há uns anos que temos esta capacidade de cobrir as quatro principais estirpes que dão origem à doença sazonal, portanto estamos bem. Não só temos a cobertura alargada, como temos também doses reforçadas. Maior capacidade de promoção de defesa.
Relativamente à covid-19, as mutações foram múltiplas. O vírus adaptou-se, foi-se adaptando e tornou-se menos virulento e menos agressivo. Mais transmissível, mas menos agressivo. A vacina agora em circulação tem esta componente dupla: ainda inclui a variante ancestral e as subvariantes mais recentes da estirpe Ómicron, que tem estado em circulação. Também com esta vacina temos uma cobertura com uma eficácia bem superior àquela que é a eficácia da vacinação gripal, com um espectro de atuação para as estirpes em circulação completamente adaptado.
Quando se fala em vacinação, também é importante fazer referência à importância das carteiras de vacinas. Considera que devia haver uma adaptação periódica, tendo em conta o surgimento de novas vacinas que vão se adaptando às diferentes variantes?
Julgo que sim. O nosso Plano Nacional de Vacinação tem que ser modificado. É muito bom, sobretudo para as idades pediátricas, mas a carteira vacinal tem que ser adaptada, assim como as recomendações ao que são, atualmente, as necessidades crescentes ao longo da vida. A pneumonia pneumocócica tem hoje uma vacina que claramente tem que estar inserida no plano, com as novas indicações, e também não tenho dúvidas de que a vacina para a SARS-CoV-2, também deveria ser integrada no plano vacinal. Mas, sobretudo, é importante haver a necessidade de olhar para o plano, como algo dinâmico e como uma proteção fundamental. Hoje, a esperança média de vida é enorme e os idosos correm um risco muito grande destas infeções respiratórias se tornarem mais graves, havendo mesmo risco de vida.
Olhar para a necessidade de vacinar esta população ao longo da vida é perceber que isso vai promover, também, de certa forma, um envelhecimento ativo e saudável. Portanto, as infeções respiratórias mais importantes, sobretudo as sazonais, mas não só, como é o caso da pneumonia pneumocócica, deverão estar incluídas no Plano Nacional de Vacinação, como acontece em muitos outros países. Um outro aspeto interessante é o facto de termos uma diversidade tecnológica que me parece importante. Há pouco falei da mRNA, mas existem outras tecnologias. Esta diversidade é muito importante para promover uma maior eficácia. Além disso, estas vacinas têm um baixíssimo nível de efeitos secundários. A segurança é muito grande e a eficácia também.
SM
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