O novo texto aprovado traz alterações que suscitam reflexão imediata, nomeadamente face à primazia dada ao suicido assistido em detrimento da eutanásia. Mas a questão de fundo para os paliativistas mantém-se: a possibilidade de pedir a morte antecipada e a obrigação do “Estado” em garanti-la, sem que assegure “os mínimos” para tratar e evitar o motivo para este pedido – sofrimento.
Trata-se de uma lei que se destina a quem se encontre em sofrimento devido a uma doença grave e avançada. Num país onde não existe garantia de prevenção ou tratamento desse sofrimento para a esmagadora maioria dos doentes que vivenciam situações como a descrita na lei. São já muitos os artigos sobre a redação da lei, suas eventuais incongruências e dificuldade em legislar um tema tão complexo. Não será nesse âmbito que apresento a presente reflexão.
A Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos recebe frequentemente queixas de doentes e familiares, perguntas sobre onde encontrar uma equipa de cuidados paliativos, dúvidas sobre o acesso, pessoas a quem, por não terem uma doença oncológica, lhes é dito não terem critérios para uma consulta de cuidados paliativos, entre tantas outras situações diárias. Enquanto paliativista e presidente da APCP vejo-me obrigada a reafirmar: não estão assegurados os pressupostos para a liberdade de escolha e estaremos a empurrar para uma “solução” limite, pessoas que não a quereriam se tivessem cuidados de saúde e sociais adequados.
Segundo o texto aprovado, o pedido de morte antecipada partirá do doente, mas terá de ser avaliado e validado por médicos, sendo que em algum momento será apresentada a possibilidade de acompanhamento por cuidados paliativos. Esta é uma consulta facultativa, ao contrário do acompanhamento por psicólogo.
Note-se que em Cuidados Paliativos, o pedido de antecipação da morte por doente em situação paliativa, constitui, por si só, um critério de alta complexidade que exige a intervenção urgente de uma equipa de cuidados paliativos especializada.
Além disso, importa explicar que os cuidados paliativos instituídos de forma precoce previnem sofrimento intenso e um eventual pedido de antecipação da morte. Ao longo dos processos de doença este acompanhamento permite abordar temas inerentes a tomadas de decisão complexas. Falar de prevenção de sofrimento é falar muitas vezes de prevenção de intervenções desproporcionadas e fúteis. Falemos da obstinação terapêutica, sobre a qual continua a não existir um debate, quando tanto se pode e deve fazer neste âmbito e que tanto interfere com a proclamada autodeterminação do doente
A constatação sobre a crítica realidade que encontramos diariamente relativa aos cuidados de saúde (não) garantidos a doentes em sofrimento por doenças graves e avançadas, faz-me estar muito apreensiva face a esta lei e as suas consequências.
O apelo aos senhores deputados é que não tenham pressa. Que baixem a bandeira ideológica e se consciencializem que será uma lei para todos. Para o país e não uma lei à medida de cada um. A responsabilidade é enorme e exige-se ponderação.