O Dr Toby Cosgrove, era o diretor de um dos melhores hospitais dos Estados Unidos, a Cleveland Clinic, quando foi convidado para fazer uma conferência na Universidade de Harvard. Durante a sua intervenção falou, com imenso orgulho, dos excelentes atributos técnicos do seu hospital, da sua extraordinária capacidade de inovação e das múltiplas patentes registadas.

Porém, no final, na assistência, uma aluna levantou a mão, pediu a palavra, e disse: “Dr Cosgrove, o meu pai necessitou de uma intervenção cirúrgica ao coração. Lá em casa nós sabíamos que o melhor hospital para realizar esta cirurgia era o seu hospital. No entanto nós não escolhemos a Cleveland Clinic porque os senhores não sabem o que é empatia. E perguntou-lhe diretamente: o senhor sabe o que é empatia, ensina empatia?”

Toby Cosgrove ficou completamente surpreendido com a pergunta e não lhe conseguiu responder adequadamente. Até esse momento a sua preocupação profissional tinha sido apenas de natureza técnica, procurando melhorar os valores de mortalidade das cirurgias que efetuava. Nunca lhe tinha passado pela cabeça que as pessoas eram tão sensíveis ao modo como eram acolhidas no seu hospital e se preocupavam com aspetos que iam além das suas queixas puramente biológicas.

A pergunta daquela aluna de Harvard despertou-o para uma outra parte (também essencial…) dos cuidados médicos que ele até aí não tinha valorizado. Como gestor consciente e competente que era, quando regressou a Cleveland reuniu os seus colaboradores e disse-lhes que apesar de a Cleveland Clinic ser excecional científica e tecnicamente, lhe estava a faltar qualquer coisa de
fundamental: a outra metade da Medicina.

A partir daí iniciou todo um processo de renovação do hospital, desde as amenidades hospitalares a outros aspetos até então considerados como não prioritários. Por exemplo, obrigou todos os médicos a frequentarem cursos de comunicação e de empatia. Passados alguns anos a Cleveland Clinic tornou-se num case study no que se refere a humanização hospitalar, com o seu lema, levado muito a sério: “patients first”.

A humanização dos cuidados de saúde, tem constituído, desde sempre, uma preocupação. Mas a sua necessidade é agora sentida como ainda mais urgente. Existem várias razões que justificam este caráter de urgência. Por um lado, o exercício da medicina está progressivamente a afastar-se da sua forma tradicional, assente na participação humana, para se basear em ações de natureza cada vez mais tecnológica. A relação de confiança a estabelecer com a pessoa doente, através de uma eficaz capacidade de comunicação, de respeito, de empatia e de compaixão, exigem um contacto humano que, naturalmente, a tecnologia não pode disponibilizar. A tecnologia é sem dúvida muito útil no diagnóstico e tratamento das patologias mas não pode relegar para um segundo plano as ligações humanas fundamentais para o estabelecimento de uma boa relação médico-doente.

Por outro lado, a saúde transformou-se hoje numa atividade quase exclusivamente de tipo empresarial. Na gestão dos serviços de saúde priorizam-se os critérios de produtividade (número de consultas, de cirurgias, de exames, números…) em detrimento de um valor em saúde assumido de uma forma centrada no doente.

Mas nem só o predomínio da tecnologia e as preocupações empresariais e financeiras constituem dificuldades à humanização dos cuidados de saúde. Também as dificuldades individuais de relacionamento interpessoal, de capacidade de comunicação, de criação de empatia, são muitas vezes, por si só, limitações importantes à prestação dos cuidados que devem ser prestados a cada pessoa doente. A sociedade é agora mais individualista, estamos mais centrados em nós mesmos e menos sensíveis a sentimentos como a empatia e a compaixão.

Está cientificamente demonstrado que uma atitude empática e compassiva por parte do médico ou do profissional de saúde faz toda a diferença. Tudo isto faz parte da outra metade da Medicina tão bem caracterizada pelo Professor Rui Mota Cardoso da Faculdade de Medicina do Porto: “a outra metade da medicina é a da arte de saber fazer medicina e não a da técnica
de fazer o saber da medicina. A metade que pensa o doente antes da doença, o sofrimento antes do sintoma, o cuidador antes da prescrição”.

Para se atingir um elevado nível de qualidade assistencial, a humanização dos cuidados tem de ser considerada pelas estruturas dirigentes como estando no mesmo patamar de importância
que se atribui aos aspetos puramente técnicos. E é realmente isso que fazem os melhores hospitais do mundo.

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