Não há dúvidas sobre o facto de que os cidadãos portugueses apresentam problemas de saúde que, relativamente aos seus congéneres europeus, evidenciam muitas semelhanças e, certamente, muitas diferenças. De alguma forma, diria, acompanhando o que podemos observar no plano dos próprios sistemas de saúde dos países do Velho Continente.

Os comportamentos individuais, com impactos nos hábitos e na promoção da saúde, são sempre resistentes às mudanças ou às influências, salvo se ditados por modas e redes sociais, tantas vezes, nem filtradas nem acertadas.

A não adesão terapêutica é uma das questões de relevante importância. É uma situação claramente prevalente e geradora de custos elevados, associando-se ainda a prognósticos menos favoráveis. Nesta perspectiva continua como ponto em aberto e com crescendo de preocupação para os médicos e para as entidades pagadoras de cuidados, nomeadamente os Estados e respectivos Orçamentos.

Mas importa salientar que, em simultâneo, temos todos que fazer um esforço para falarmos a uma só voz, uma voz que se construa sobre a melhor evidência científica e observacional, coerente e capaz de envolver os nossos doentes, familiares e cuidadores num processo de co-responsabilização activa.

Por outro lado, a Europa – e não só a Europa como igualmente a Rússia e ou China – conhecem um envelhecimento populacional que se liga à perda de população. Ora, creio bem que o envelhecimento em curso acelerado em tantos países, reflectindo um aumento do peso das doenças crónicas e das oncológicas – hoje também crónicas em função de avanços extraordinários – vai tender a acentuar o tema da não adesão terapêutica.

As causas são variadas mas a Organização Mundial de Saúde agrupa-as em cinco grandes grupos: as que respeitam às convicções dos doentes ou à condição ou estadiamento de doença, as socio-económicas, as que ligam às terapêuticas ou as que têm a ver com os sistemas de saúde. E na realidade admito como provável que as explicações sejam sempre multifactoriais…

Penso que conviria percebermos que, no entanto, os idosos com doenças oncológicas e outras doenças crónicas são grupos mais heterogéneos do que julgamos. A primeira razão será a de que a idade cronológica é só isso mesmo. Não traduz nem representa o conjunto da situação funcional e fisiológica e, menos ainda, o estado cognitivo e a autonomia.

Haverá uma segunda razão. Quando pensamos em risco versus benefício e nos recordamos dos ensaios clínicos, evocamos a compreensão da sua exclusão – pela idade – em grande parte dos ensaios clínicos. A ética e a segurança criam deste jeito um novo paradoxo, isto é, a prescrição e aplicação posterior em indivíduos mais idosos induz a preocupante constatação de benefícios liminares e, quantas vezes, de toxicidades não identificadas.

As especialidades médicas, desde a Medicina Geral e Familiar à Medicina Interna, passando pela Oncologia Médica e pela Psiquiatria, ganhariam muito em dispor de enquadramento e apoio na área da avaliação global geriátrica.

A utilização de meios de quantificação e despiste de vectores multidimensionais enriqueceria o conhecimento médico do doente individual e personalizadamente. Mais do que isso poderia levar ao diagnóstico de vulnerabilidades e de fragilidades que antecipassem algum tipo de raciocínio clínico dedutivo…

Bem sei que o SNS, no caso português, vive momentos difíceis e tempos de “reorganização”. O sentido de acentuar diferenças, como acontecerá inevitavelmente pela via da generalização do modelo ULS, não ajudará a reduzir a assimetria na dispensa e oferta de cuidados. Mas se puder reforçar práticas de abordagem clínica multidisciplinar, melhorar as redes locais de suporte e apoio aos doentes, melhorar o acesso e reduzir os tempos de espera algo será ganho.

Mas não tenhamos ilusões, não ocorrerá melhoria significativa na qualidade média dos cuidados de saúde sem ultrapassarmos a fronteira da adesão terapêutica!

O autor escreve de acordo com o AAO