O que traz de novo o documento Recomendações para o Diagnóstico e Tratamento das Vaginites? É uma compilação do estado da arte ou, de facto, há novidades no que diz respeito à abordagem da doença?
As recomendações da ISSVD para o diagnóstico e tratamento das vaginites vieram colmatar uma falha grande, na nossa opinião. Existem diversos documentos, de diversas entidades, contudo todas pecam por serem de âmbito nacional/regional. Assim, frequentemente, a referência são as normas do CDC que, sendo americanas, apenas mencionam opções de tratamento ou testes de diagnóstico validados nos EUA. Com este documento pretendemos abolir esse tipo de barreiras: tratamentos e testes de diagnóstico são referidos e recomendados desde que na literatura haja evidência de qualidade que os suporte.
As novidades são uma constante na medicina e, neste campo, tal não é menos verdade! Este documento, para além de ser um bom guia para o diagnóstico e tratamento, enquadra as situações em termos de etiologia, prevalência, fatores de risco, complicações, etc. Diria que é um bom documento de estudo. Combatemos o empiricismo – a prática comum de “presumir” diagnósticos acarreta muitos erros, que não são admissíveis na nossa era.
“A porta de acesso para a maior parte das utentes é o médico de família – acredito que o diagnóstico deve ser aprimorado nessa especialidade”
As vaginites são uma causa comum para se procurar o ginecologista e o médico de família. Estas recomendações também poderão ser uma mais-valia para a Medicina Geral e Familiar?
As vaginites são uma das principais causas de procura de cuidados, tanto em Ginecologia como na MGF. Assim, sem dúvida que acreditamos que o interesse destas recomendações é transversal entre especialidades: Ginecologia, MGF, Dermatologia, Pediatria, etc. Na elaboração deste documento estiveram envolvidos mais de 30 especialistas, de diferentes áreas profissionais e geografias. Incluímos ginecologistas, dermatologistas, pediatras, microbiólogos e infeciologistas!
A porta de acesso para a maior parte das utentes é o médico de família – acredito que o diagnóstico deve ser aprimorado nessa especialidade. A base do diagnóstico é a microscopia, que infelizmente, mesmo na ginecologia, é pouco utilizada. Ainda que reconhecendo as dificuldades, gostaríamos de alterar esse paradigma!
No documento abordam quadros mais controversos, como a vaginose citolítica ou a vaginose descamativa inflamatória. Porquê?
A “trilogia” candidíase/vaginose bacteriana/tricomoníase é insuficiente para explicar grande parte dos quadros de “vaginite”. Acrescido ao facto de o diagnóstico habitualmente ser apenas empírico, o não reconhecimento de outras entidades complica o problema. Tanto a vaginose citolítica como a vaginite descamativa inflamatória são entidades pouco conhecidas; a primeira não é universalmente aceite. Sou um “crente”: vemos inúmeras mulheres que encaixam neste diagnóstico, com anos de sofrimento, tratadas como tendo candidíases. A ISSVD tem feito um grande esforço para que estas entidades sejam listadas de pleno direito juntamente com os quadros mais conhecidos. Omiti-las é negar o diagnóstico a quem delas padece e limitar a investigação nesses campos!
“Em cada secção aborda-se o tratamento durante a idade pediátrica, gravidez e amamentação, que são sempre alvo de algum receio”
Relativamente ao diagnóstico, qual é o papel dos novos testes moleculares?
Exceto para a tricomoníase, a base do diagnóstico continua a ser a microscopia! Nas candidíases crónicas/complicadas a cultura continua a ter papel. Os testes moleculares são uma opção para quem não realiza ou não tem acesso à microscopia. Alguns, inclusivamente, permitem o diagnóstico em cerca de uma hora. A sensibilidade e especificidade destes testes é excelente, mas perdem-se alguns aspetos, nomeadamente a avaliação do estado hormonal e a presença de inflamação.
No lado positivo, salienta-se o facto de não serem afetados pela variação de prevalência da doença, o diagnóstico de “infeções múltiplas”, a possibilidade da auto colheita, a realização de outras pesquisas (por ex. HPV e cervicites). Igualmente importante, é a capacidade de distinção de Candida albicans de espécies não-albicans proporcionada por estes testes.
Uma grande limitação ao seu uso ainda é o preço – mas o preço de falhar o diagnóstico pode ser mais elevado! É preciso manter em mente que estes testes não distinguem colonização/infeção assintomática de infeção; o papel do clínico continua a ser fundamental. Corremos o risco real de multiplicar os erros do passado com a (sobre)utilização de culturas por muitas vezes!
Em termos de tratamento, o que gostaria de destacar?
Não particularizando, penso que foi dado bastante relevo aos esquemas para os quadros recorrentes. São abordadas as opções atuais, bem como as possibilidades no futuro. Foram discutidas novas drogas – nomeadamente no campo dos antifúngicos. Em cada secção aborda-se o tratamento durante a idade pediátrica, gravidez e amamentação, que são sempre alvo de algum receio.
Este é um projeto da ISSVD. Que outros poderemos esperar nos próximos tempos?
Para o ano teremos o nosso congresso mundial na Eslovénia e estamos a preparar um programa que nos parece muito atrativo! Vamos apostar nos cursos práticos a anteceder o congresso. Vamos focar-nos muito no que é novo e controverso! Temos projetos interessantes em curso, que esperamos apresentar durante o congresso, mas para já ainda não o podemos anunciar. Apenas posso dizer que será algo muito útil – e não apenas para ginecologistas!
MJG
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