“Tendências em Geriatria e Gerontologia” é a temática central do Congresso. Porquê?

Este tema tem a ver, precisamente, com a atualização e o debate que são necessários em relação ao que se passa atualmente nestas áreas de conhecimento e que caminhos se irão percorrer no futuro.

Existe um imperativo demográfico para o desenvolvimento desta especialidade. Infelizmente, o sistema de saúde e o seu pessoal não estão devidamente preparados para enfrentar o aumento cada vez maior de doentes com polipatologia, polimedicação, défices funcionais, demência e fragilidade.

E no seu entender, quais são essas tendências?

Cada vez mais a Geriatria – assim como a Gerontologia – assumem um papel muito relevante na sociedade face ao envelhecimento da população, fruto do sucesso dos cuidados de saúde e da melhoria geral das condições de vida. É fundamental apostar-se numa abordagem holística, sobretudo no caso dos doentes mais idosos que, em regra, têm multipatologia e estão polimedicados. Todos estes aspetos devem ser tidos em conta quando tratamos um doente idoso, sem esquecer as características próprias da idade, assim como ambiente envolvente, o que contribui, e muito, para a sua saúde. Ora, os profissionais de saúde têm de adquirir conhecimentos em Geriatria para que deem a resposta mais adequada a esta população cada vez mais vasta. A Geriatria e a Gerontologia dão ênfase ao trabalho em equipa multidisciplinar na abordagem de doentes complexos e na necessidade de recorrer a cuidadores familiares ou profissionais. São, sem dúvida, os doentes mais difíceis e complexos, pelo que do ponto de vista médico são os que suscitam desafios intelectuais mais interessantes do ponto de vista médico.

Estes cuidados devem ser prestados preferencialmente em equipa inter e multidisciplinar: médicos, enfermeiros, gerontólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, etc. É a medicina mais complexa. Trabalhar com pessoas idosas envolve não só colaborar como elemento de uma equipa vasta como com o próprio doente. Nunca devemos tomar decisões médicas sobre eles sem partilhar a decisão. O doente e a família devem ser informados dos benefícios e riscos das decisões terapêuticas e deixá-los chegar à sua própria conclusão, embora oferecendo orientação.

Com a subespecialização crescente das áreas da saúde, a Geriatria é cada vez mais uma competência obrigatória?

Sim, pois é preciso tratar a pessoa idosa de acordo com as suas particularidades, o que implica múltiplos conhecimentos. O objetivo deve ser promover também a sua funcionalidade e autonomia, sempre que possível. E, num ponto de vista mais preventivo, a realidade impõe o caminho do envelhecimento saudável. Uma boa alimentação, atividade física regular, sono adequado, interação social são fundamentais. Não esquecer a vacinação. As vacinas começaram por ser pensadas, essencialmente, para crianças, mas hoje em dia também existe o objetivo de vencer a imunosenescência com vacinas modernas desenvolvidas para vencer esse efeito nos idosos, o que permite salvar muitas vidas e contribuir para um envelhecimento saudável. Sublinho, a vacinação deve fazer parte de um programa integral de envelhecimento saudável. A gripe, a zona, o VSR, a covid-19 e a pneumonia são patologias que aumentam o risco de descompensação de doenças crónicas pré-existentes, assim como a mortalidade. As infeções virais, como, por exemplo, o vírus da gripe, o VSR, desencadeiam um processo inflamatório que não afeta somente o sistema respiratório, mas também o aparelho cardiovascular. Está comprovado que no auge das epidemias gripais há um aumento assustador de enfartes agudos do miocárdio, assim como de acidentes vasculares cerebrais (AVC).

“Cuidar dos doentes idosos não implica um conjunto rígido de qualificações, mas requere certas qualidades das quais as mais importantes são a simpatia e a bondade”

Têm sido dados vários passos para que se invista mais no envelhecimento saudável. Mas ainda há muito a fazer?

Sem dúvida, quase tudo! A nossa sociedade tem olhado mais para os jovens, esquecendo-se dos mais velhos. Todavia, o aumento da esperança média de vida aumentou nas últimas décadas e nem a mortalidade associada a covid-19 fez diminuir esta tendência. A Medicina tem de cuidar das pessoas idosas, indo ao encontro das suas particularidades. Para isso surgiram a Geriatria e a Gerontologia, especialidades novas que fazem uma abordagem global e transversal do indivíduo. Esta abordagem é orientada menos para um órgão doente e mais para o indivíduo, evoluindo no seu contexto único. Um dos seus eixos de ação é o da medicina personalizada, procurando fazer a prevenção dos riscos do envelhecimento, priorizando a manutenção das funções e a qualidade de vida, ou seja ajudando a pessoa a envelhecer saudavelmente.

E não evitando determinados tratamentos por terem mais de 75 anos?

Essa atitude é completamente contra a ética e uma falta de respeito pelos direitos humanos. Todas as pessoas têm de se bem tratadas, de modo a aliviar o seu sofrimento e terem qualidade de vida, independentemente da sua idade e da sua doença. Cuidar dos doentes idosos não implica um conjunto rígido de qualificações, mas requere certas qualidades das quais as mais importantes são a simpatia e a bondade. A empatia é fundamental, particularmente quando os doentes entram num ambiente de cuidados pela primeira vez.

Na sociedade ainda persiste, de alguma forma, a ideia de que os idosos “estão acabados”. Existe também algum tipo de preconceito junto dos profissionais de saúde?

Existe muito idadismo na sociedade portuguesa, mas, felizmente, bastante menos por parte dos profissionais de saúde. Mas, nas urgências, ainda são, por vezes, ignorados, face ao caos que se vive. São os que estão em maior risco de contrair uma infeção grave e, com poucos recursos, isto pode acontecer. As pessoas sentem que se dá primazia aos mais jovens e este sentimento é muito negativo. Temos que combater o subtratamento das pessoas mais velhas, o que é particularmente perigoso nesta época em que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) está em crise. Esta visão holística da Geriatria exige tempo e, com poucos recursos humanos, corre-se o risco, de facto, que as pessoas nem sempre tenham os cuidados mais adequados – apesar de todo o esforço das equipas.

“O que faz do cuidar das pessoas idosas tão especial são as próprias pessoas, podemos apreciar a sua sabedoria, o seu humor e as suas experiências de vida”

Como vê os projetos de Prescrição Social, outro tema a ser debatido no evento?

É essencial! Os mais velhos precisam de cuidados médicos e sociais, até porque muitos necessitam de apoio domiciliário e outros cuidados especializados. Com a referenciação do médico de família, o Serviço Social tem um papel muito importante e deve estar interligado com a Saúde para se conseguir dar respostas de qualidade, que vão ao encontro das necessidades reais desta população. O que faz do cuidar das pessoas idosas tão especial são as próprias pessoas, podemos apreciar a sua sabedoria, o seu humor e as suas experiências de vida. É essa riqueza das suas histórias pessoais que são tão interessantes e gratificantes para o profissional de saúde.

Até para se resolver o problema da síndrome geriátrica da solidão?

Sim. É uma síndrome geriátrica, que contribui para o aumento da mortalidade, além de diminuir, e muito, a qualidade de vida. Põe também em risco a saúde mental, a saúde cardiovascular, entre outros. Era preciso chamar a atenção para este grave problema. Recentemente, a SPGG realizou um workshop sobre Solidão e, neste Congresso, vão ser apresentadas as conclusões desse trabalho, que reuniu especialistas de diferentes áreas do conhecimento, portugueses e os membros mais destacados da International Geriatrics Association. O nosso objetivo é que o Governo dê prioridade a esta questão, encetando medidas que o previnam.

Vão falar de suicídio. A solidão é um dos fatores de risco…

Sim, sem dúvida. Até para a demência e para a depressão. Atualmente, estão a ser desenvolvidos métodos de diagnóstico e terapêutica eficazes para combater esta epidemia.

“As pessoas vivem mais anos e a sociedade vai precisar também destas pessoas que, ao contrário de que acontecia por norma no passado, também podem, se o desejarem, trabalhar e dar o seu contributo para a sociedade”

Neste caso, não deveria existir também uma maior aposta na Psicogeriatria no SNS?

Sim, sem dúvida. A doença mental no idoso é uma preocupação grande e por isso temos um grupo de colegas de elevada craveira, dirigidos por membros da Direção da SPGG, que irão abordar os problemas que consideram mais relevantes no campo da Psicogeriatria

O ideal é mesmo olhar para a longevidade como um novo paradigma?

Exato! As pessoas vivem mais anos e a sociedade vai precisar também destas pessoas que, ao contrário de que acontecia por norma no passado, também podem, se o desejarem, trabalhar e dar o seu contributo para a sociedade. Devemos ter presente que o aumento observado na longevidade se tem acompanhado de um melhor estado biológico e funcional. Hoje é expectável que um homem ou mulher, por exemplo, de 70 anos, viva, em média, mais cerca de duas décadas, que podem e devem ser disfrutadas com vitalidade e dignidade. Na sua oitava década de vida e nas seguintes, estes homens e mulheres devem manter-se fisicamente ativos, mentalmente estimulados e socialmente envolvidos, para com a sua experiência e sabedoria exercerem uma influência benéfica na sociedade.

Maria João Garcia

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