De acordo com o seu coordenador, esta estrutura surgiu de uma mudança organizacional no IPO Porto, levada a cabo com o objetivo de melhorar os cuidados prestados às doentes com cancro da mama, assim como a sua experiência ao longo do processo de tratamento e aumentar a eficiência da Clínica.

“O IPO sempre teve uma forte componente no tratamento do cancro da mama. A patologia da mama sempre foi uma das mais prevalentes e era uma área que consumia muitos recursos. Em 2007, decidimos, coincidindo com a mudança do modelo organizacional do IPO Porto, criar a Clínica de Mama, a primeira clínica de patologia do IPO”, refere Joaquim Abreu de Sousa.

E explica: “Uma doente com cancro da mama deve ser tratada de forma sequencial e coordenada por profissionais de várias especialidades. Reunimos no mesmo espaço físico as cinco especialidades nucleares que uma doente com cancro da mama precisa. Esta proximidade resultou numa maior eficiência de todo o processo de tratamento, na diminuição significativa da redundância – pedido de exames e agendamento de consultas – e, consequentemente, do desperdício”, observa.

De acordo com o oncologista, a criação da Clínica de Mama representou, na altura, “uma diminuição do número de consultas em cerca de 60%”. “Foi extraordinário”, exclama.

Este modelo organizacional “demonstrou ser eficiente”, quer do ponto de vista dos resultados clínicos, quer dos serviços oferecidos às doentes, tendo sido replicado em outras áreas. “Neste momento, o IPO Porto dispõe de 11 clínicas de patologia.”

A Clínica de Mama
Joaquim Abreu de Sousa explica que a Clínica de Mama do IPO Porto é constituída por “valências nucleares e não nucleares”. Entre as nucleares estão as Oncologia Cirúrgica, Oncologia Médica, Radioncologia, Anatomia Patológica e Imagiologia, além, obviamente, da Enfermagem especializada.

No que respeita às valências não nucleares, este espaço conta com a Genética, a Cirurgia Plástica, a Psico-oncologia, a Ginecologia e a Neurocirurgia, que desempenham papéis importantes no tratamento e acompanhamento das doentes. “Há todo um conjunto de especialidades que são essenciais para que o doente com cancro da mama tenha uma abordagem abrangente e adequada ao seu caso”, observa.

Para as doentes, os benefícios de se ser seguido numa estrutura com estas características são “imensas”. Comecemos pela proximidade física das especialidades. “Do ponto de vista do doente, este modelo organizacional é muito mais conveniente, uma vez que lhe permite saber exatamente a que local se dirigir, não se perdendo no ambulatório do hospital”, explica.

E dá um exemplo: “Todos os dias, vêm à Clínica de Mama mais de 300 doentes, muitas vezes acompanhadas por familiares. Imagine-se este número de pessoas, todos os dias, perdidos no hospital à procura da consulta da Oncologia, da Consulta de Cirurgia, do espaço onde se faz as análises ou os exames complementares de diagnóstico. Isto causa uma enorme entropia em todo o sistema. Desta forma, as doentes e os familiares sabem onde têm de se dirigir e, se for necessário fazer algo fora da Clínica de Mama, são encaminhados devidamente.”

O coordenador salienta também o papel do voluntariado da Clínica de Mama, que dá às doentes instruções “muito úteis” para a sua vida diária. “Temos um pequeno gabinete onde ensinam as senhoras a usar as próteses capilares e a maquilharem-se depois de perderem o cabelo, durante a quimioterapia. Ou proporcionam-lhes as próteses mamárias de que necessitam e os soutiens adequados”, observa Joaquim Abreu de Sousa.

E destaca: “Tudo está concentrado no mesmo espaço. Esta integração cria relações estáveis e de confiança. O grau de satisfação das doentes é elevado. O feedback que recebemos é de que se sentem muito bem e gostam de vir ao hospital.”

Referenciação e tratamento
Ao ser questionado sobre as fontes de referenciação para a Clínica de Mama que coordena, Joaquim Abreu de Sousa refere que a primeira é o rastreio populacional, a segunda são os cuidados de saúde primários e a terceira são os outros hospitais, públicos ou privados, que encaminham as doentes para a clínica, para que possam fazer tratamentos específicos que não têm disponíveis nas suas instituições.

O oncologista enfatiza a importância do acesso rápido ao tratamento, referindo que é “muito facilitado” para as doentes que vêm do exterior. “Isto é uma peça-chave. Se temos um programa de rastreio do cancro da mama, não fazia sentido que fossemos rápidos a diagnosticar e não o fossemos a referenciar para tratamento adequado”, afirma.

Assim sendo, e de acordo com o coordenador da Clínica de Mama, desde que o doente é referenciado, a primeira consulta é realizada no prazo de cinco dias úteis; depois da primeira consulta, o processo de decisão terapêutica ocorre num intervalo médio de 14 dias, salvo algumas exceções relacionadas com os tempos de espera dos resultados dos meios complementares de diagnóstico; dependendo dos casos, o tratamento ocorre habitualmente em 30 dias, após a decisão terapêutica.

Depois de terminarem o tratamento, as doentes iniciam um programa de vigilância, que se pode estender entre os cinco e os 10 anos ou, em alguns casos, até por mais tempo. No final deste programa, se se mantiverem sem sintomas e livres de doença, as doentes devem continuar a sua vigilância nos cuidados de saúde primários.

“Permanecem em vigilância todos as doentes que mantenham doença ativa, que tenham sequelas que obriguem a acompanhamento ou que necessitem de algum tratamento. Portanto, há uma população de doentes que se mantém ligada à clínica durante muitos anos”, indica.

É também este tipo de abordagem que justifica o elevado volume da Clínica de Mama que, em 2022, fez, de acordo com Joaquim Abreu de Sousa, “mais de 35 mil consultas”. Neste mesmo ano, receberam mais de 1.200 novas doentes, efetuaram mais de 5.500 consultas multidisciplinares e operaram cerca de 1.300 doentes, com cirurgia da mama.

“Somos uma das clínicas de patologia com maior volume do IPO Porto. Em 2022, o número de doentes que tiveram pelo menos uma consulta foi de 12 mil. Isto dá uma ideia do enorme volume assistencial da Clínica de Mama”, destaca.

Mas a clínica não se limita a tratar doentes. Não menos importante é o investimento na investigação clínica e na formação pré e pós-graduada de profissionais das várias áreas envolvidas no tratamento do cancro da mama.

“Recebemos muitos internos de especialidades e médicos especialistas de outros hospitais do país e do estrangeiro, que vêm fazer as suas atualizações e o seu treino. É uma forma de disseminarmos o conhecimento e as boas práticas e de contribuirmos para que o resultado global do tratamento da doença a nível nacional vá melhorando progressivamente.”

Vitórias e desafios
Segundo Joaquim Abreu de Sousa, um dos principais desafios no tratamento do cancro da mama resulta da adoção da inovação e da evolução de que a Medicina e a Oncologia têm vindo a sofrer nas últimas décadas.

“Os mecanismos biológicos da doença são cada vez melhor conhecidos, tanto a nível genético, como molecular, o que faz com que o tratamento, hoje em dia, seja altamente personalizado, não havendo uma terapêutica de tamanho único, mas sim uma terapêutica individualizada para cada caso específico”, menciona.

Portugal está, segundo refere, ao nível dos melhores países da Europa no que respeita ao resultado do tratamento do cancro da mama. “Os nossos resultados são superiores a muitos dos países mais prósperos da Europa, o que é surpreendente, tendo em conta as nossas condições socioeconómicas, que tenhamos resultados em saúde superiores a países que investem muito mais em saúde do que Portugal”, observa Joaquim Abreu de Sousa.

Ao ser questionado sobre os próximos passos a dar no tratamento do cancro da mama, o oncologista refere que se trata sobretudo de questões de sustentabilidade económica, dados os custos incrementais associados ao tratamento. O tratamento do cancro da mama é cada vez mais eficaz, mas também consome cada vez mais recursos. “Os novos fármacos têm contribuído a mudar a história natural de alguns cancros da mama, com um impacto muito positivo na vida das pessoas, sendo cada vez mais eficazes e menos tóxicos, mas um peso financeiro muito importante para as instituições e para a sociedade em geral.”

Do ponto de vista do doente, é importante que se continue a oferecer a máxima eficácia das terapêuticas com a menor toxicidade. Joaquim Abreu de Sousa não se refere apenas à toxicidade farmacológica, mas também às sequelas das terapêuticas efetuadas.

“O nosso objetivo passa por proporcionar às doentes tratadas na Clínica de Mama do IPO Porto um serviço de elevada qualidade, prestando um serviço personalizado e humano, adequado às necessidades da comunidade e proporcionar uma atenção especializada, respeitosa e afável”, salienta.

Futuro
Para o futuro, o coordenador da Clínica de Mama tem algumas “prioridades”. A primeira é manter a referenciação e o acesso facilitados, tornando-os “mais simples e ágeis”. A segunda é “continuar a proporcionar os melhores resultados em saúde, com as menores sequelas possíveis, que permita a rápida integração social, familiar e profissional das doentes após o tratamento”. A terceira prioridade, que constitui “um grande desafio”, é continuar a proporcionar às doentes a possibilidade de serem tratados de acordo com as melhores práticas e com acesso às terapêuticas mais inovadoras. “A Clínica de Mama do IPO Porto é a unidade com maior número de ensaios clínicos abertos para tratar doentes com cancro da mama, o que permite que muitos possam ter acesso precoce a novos fármacos ainda não disponíveis na prática clínica de rotina”, termina Joaquim Abreu de Sousa.

Texto: Sílvia Malheiro

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