Tive muitas dúvidas quando o Governo decidiu criar a Direção Executiva do SNS, apresentada como uma estratégia essencial para o salvar. Suponho que a ideia seria a de dar capacidade de decisão ao gestor, para garantir a eficiência do sistema, libertando o Ministro da Saúde dalguns engulhos inerentes ao exercício do poder.
A minha dificuldade era a de acreditar que a independência entre o ideário político e as regras duma boa gestão resistisse muito tempo. Quando a escolha recaiu no Dr. Fernando Araújo, fiquei mais descansado. Li e reli os textos críticos que tinha escrito durante o mandado da Ministra Marta Temido. Pediu tempo de reflexão antes de aceitar o convite para Diretor Executivo do SNS. Entendi que lhe tinham sido dadas as garantias necessárias para pôr em prática as ideias tão esclarecidas que tinha publicado.
Passaram quase seis meses desde o anúncio da Direção Executiva do SNS. Na verdade, só serão quatro meses, depois da sua posse formal. Não é ainda altura para fazer uma avaliação. Mas, a verdade é que pouco se viu até agora. Parece que se continua a querer responder à agenda mediática da falta de Médicos de Família e das Urgências, especialmente da Obstetrícia. Nada de medidas estruturais, que invertam o declínio evidente do SNS nos últimos anos. Tudo para alívio dos tempos próximos e nada para perdurar.
Quanto à falta de Médicos, inventam-se soluções para os dispensar. Em vez de dar condições para o atendimento urgente da doença aguda ligeira a moderada nos Centros de Saúde, reforça-se a capacidade de atendimento da linha telefónica SNS24. Um Enfermeiro sempre dará algum conselho amigo para as queixas do doente. Resolve-se a obrigatoriedade de o doente crónico ver o seu Médico pelo menos a cada 6 meses, prolongando a validade da receita para um ano. Quanto à falta de Obstetras para preencherem as escalas das Urgências, conseguiu-se saber antecipadamente quais os Hospitais abertos e fechados, numa espécie de jogo tétris, que com certeza confunde os bombeiros e inquieta as grávidas.
Depois, promove-se o prolongamento da vida ativa dos Médicos até aos 70 anos, com alguns incentivos pífios. Talvez o SNS ganhe eficiência com alguns desses colegas, mas não será com todos e ninguém parece interessado em fazer essa avaliação. Anunciam-se incentivos remuneratórios significativos para o trabalho de Urgência ou para o exercício da Medicina em zonas remotas. Tudo medidas imediatistas.
A verdadeira questão é a de que o SNS deixou de conseguir conservar um número significativo dos Médicos Especialistas que forma. É claro que a degradação salarial é muito importante. No setor público, só nas USF Modelo B, os Médicos têm remunerações comparáveis às auferidas nos Hospitais Privados.
Mas a fuga dos Médicos do SNS também se deve à desmotivação reinante nos Serviços, quando a tutela apenas valoriza a produção desenfreada de Consultas, Exames, Cirurgias ou Urgências. A discussão dos doentes entre pares e o trabalho científico são empecilhos. Até a Academia corre o risco de definhar com a corrida aos números.
No final de março acabaram os exames de titulação dos novos Especialistas. Ainda não é conhecido o mapa de vagas, nem a regulamentação dos concursos. Parece que continuamos no tempo em que quase todos os Médicos ansiavam por uma vaga no SNS. Assim, vamos continuar a perder. Hoje, as alternativas são muitas!
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