A Covid-19 vem sendo associada ao agravamento do cenário de perturbação acentuada da saúde mental, um pouco por todo o mundo e em particular nos escalões etários mais jovens. Há no mínimo, diria, um alerta na base desta ideia. A de que, ao invés do que se estimava, o paradigma das doenças infecciosas está bem longe de ter sido encerrado. Ou se preferirmos, dizer de outro modo, provavelmente as doenças crónicas do futuro poderão vir a ser doenças víricas…
Na verdade, as ciências em geral e a medicina em particular correm sempre um risco racional – o de que o maior perigo possa radicar na nossa incompreensão, e mesmo ignorância, quanto aos aspectos físicos e psicológicos também, no polimorfismo das patologias.
A depressão na sua panóplia de apresentações é, sem margem para dúvidas, uma das doenças mentais mais comuns e os números, ainda que com alguma variação entre países, poderá ter uma prevalência acima dos 12 anos de idade em torno dos 7 a 10%.
As contas feitas ao impacto económico apontam para números brutais, somando em praticamente duas metades os custos ligados às actividades profissionais e locais de trabalho e emprego e os custos médicos directos.
Por outro lado, o consumo de recursos clínicos, em especial nos cuidados de ambulatório, atinge a ordem dos 11 a 15% em matéria de consultas. E ainda assim a Psiquiatria reconhece que não é praticado qualquer tipo de rastreio para a depressão ao nível dos Cuidados Primários…
Que os factores de risco para a depressão são multifactoriais parece indiscutível. A literatura médica é clara na identificação de pelo menos três classes de agentes – internos, externos e eventos de vida adversos, esclarecido que está não haver diferenças significativas entre géneros.
Deixo aqui, contudo, uma impressão pessoal de ressalva e experiência. A história da medicina sugere que, enquanto não conhecemos nem dominamos a causa inquestionável de uma doença ou problema, apontamos sempre a hipótese de multiplicidade etiológica.
Lembremos, por exemplo, o que já aconteceu com o escorbuto, a tuberculose, a lepra ou a pneumonia pneumocócica…
Mas voltemos à depressão nos jovens. A idade poderá ser, na verdade, o factor menos relevante. Karl Menninger, psiquiatra norte-americano, fundou com o pai e o irmão (igualmente psiquiatras), em 1919, a Clínica Menninger, mais tarde transformada em Fundação Menninger e que se tornou uma das mais importantes escolas para a formação em Psiquiatria,
defende que “as atitudes são mais importantes que os factos.”
E este ponto pode ser a essência do que atinge os mais jovens nesta época e mundo, nos quais questões como os conflitos familiares, a exploração da identidade sexual, o envolvimento precoce e fácil com drogas e álcool ou outras formas de novas dependências que não químicas, uma maior exposição ao stress, a dificuldade à inserção no emprego e trabalho ou as pressões para integração em certos grupos ou comportamentos e redes sociais são tremendamente condicionantes.
Como se sabe da clínica médica, a noção e o peso das co-morbilidades é sempre de considerar. Daí uma palavra para que se não ignore ou omite o estudo mais apurado em indivíduos com perturbações afectivas. A depressão pode simular ou coexistir com outros quadros de base.
Já sabíamos dos exemplos da diabetes, do hipotiroidismo, do cólon irritável, das colagenoses, da doença cerebrovascular e mais recentemente da infecção por VIH ou da neurossífilis. Porque não agora com o SARS-CoV-2?
Em todos os doentes com depressão, mesmo que sob tratamento, o risco de suicídio é significativo. Os dados conhecidos sustentam um risco de 0.5 a 4% de risco acrescido de suicídio ao longo da vida relativamente à população em geral, sendo que as taxas de suicídio publicadas são função directa do ritmo de envelhecimento.
É neste enquadramento que o tratamento é imperioso, bem como o acompanhamento dos doentes, ganhando importância uma outra ideia de Menninger, a de que “a esperança é uma necessidade para a vida normal e a principal arma contra o impulso de suicídio.”
*O autor escreve segundo o A.A.O
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