Foto: Dependências
“O Cérebro e a Vontade”. Porquê este tema central?
Porque trata-se de uma doença do cérebro, ou seja é orgânica, mas simultaneamente, também depende da vontade das pessoas. As dependências não têm que ser somente de determinadas substâncias, também existem outras, que afetam as estruturas do cérebro da mesma forma que as primeiras.
Quais são as dependências mais preocupantes atualmente?
São essencialmente as chamadas drogas sintéticas, algumas delas baseadas em velhas substâncias na área dos estimulantes como cocaína, anfetaminas, metanfetaminas (ecstasy, MDMA). Hoje em dia também se fala em compostos que resultam de substâncias psicadélicas antigas, que estão a ser usadas para fins recreativos – novas formulações de LSD, os cogumelos mágicos (psilocibina), etc. Algumas, como a psilocibina e a canábis, estão a ser utilizadas para criar medicamentos para combater, também, para o problema das dependências e das adições (mas não só). Não podemos esquecer também a dependência do álcool, que continua a ser um problema grave. É, talvez, a substância que contribui para maiores problemas de saúde a nível do sistema nervoso central e não só (fígado, coração, pulmão, etc.). Quer as drogas sintéticas quer o álcool são usados, sobretudo, por quem se quer divertir, é uma forma de se sentir mais desinibido. Muitos jovens juntam estas drogas e o álcool e, nesse caso, podemos mesmo ter situações mais graves.
Pode-se dizer que é o reflexo da sociedade atual, em que os mais novos estão a perder algumas competências sociais por estarem muitas horas online?
Sim, poderá. Contudo, sempre se verificou esta relação entre drogas e a necessidade de extravasar determinadas emoções e sentimentos. Aumentar os limites do Eu sempre foi uma tentação para o ser humano.
O álcool é mais problemático, já que é aceite socialmente?
Sim! É uma substância barata, legal, acessível e que também tem um efeito rápido. Está muito ligado à interação social e a festas, a muitos rituais de convívio, como o brinde à mesa. Na sociedade ocidental, o álcool está muito enraizado e é mais difícil ver-se como uma dependência. Tem-se investido na legislação, nomeadamente ser proibido vender álcool a menores e 18 anos, mas, inevitavelmente, não se pode ter um polícia atrás de cada pessoa… Obviamente, medidas restritivas são importantes, mas o grande investimento tem de ser sempre na prevenção.
“… o jogo pode transformar-se numa adição, levando a maior isolamento e a comportamentos menos saudáveis”
E a dependência tecnologia?
Este é dos problemas mais atuais. É uma questão polémica, porque há quem defenda que alguns comportamentos face aos ecrãs não têm que ser considerados patológicos. Aliás, fazem parte da vida das pessoas. Contudo, é preciso saber qual é a má e a boa utilização da tecnologia, porque as estruturas do cérebro que estão associadas às drogas sintéticas, por exemplo, são as mesmas da dependência de ecrãs. O cerne da questão está no jogo que tem afetado, essencialmente, os mais jovens. Nestes casos, sim, o jogo pode transformar-se numa adição, levando a maior isolamento e a comportamentos menos saudáveis. Associado poderá estar, ainda, a dependência do jogo a dinheiro, o que pode ser de facto muito grave e exigir tratamento.
No evento falaram, em particular, de canábis e opioides. São duas substâncias que podem causar dependência, mas que também são usadas para fins terapêuticos…
Sim, têm tido uma conotação mais negativa por serem utilizadas fora do contexto médico. Nas duas últimas décadas voltaram a ser alvo de estudos científicos, e sabemos hoje em dia que podem ser utilizadas nalguns doentes. É preciso distinguir as duas coisas. Para tratamento são utilizadas doses muito mais pequenas, acompanhados por terapeuta, não tem nada a ver com o uso inapropriado. É importante que se tenha iniciado este tipo de investigação que pode trazer benefícios a alguns doentes.
“As unidades vão mantendo-se muito graças à capacidade de resistência dos seus profissionais. Mas há limites”
Tendo em conta as preocupações de que falou inicialmente, considera que é preciso apostar mais nas unidades de tratamento de dependências?
Sem dúvida! Há 12 anos que não se tem investido o suficiente nestas unidades. O serviço público tem servido de orientação nacional para as áreas privadas, que trabalham também as dependências, contudo não se lhes dá a devida atenção. Os primeiros [serviços] públicos surgiram por volta de 1976, expandindo-se pelo território nacional, contudo, há 12 anos estas unidades ficaram, no que diz respeito ao tratamento, sob a alçada das administrações regionais de saúde (ARS), enquanto a parte mais programática e de investigação ficou com o SICAD. Desta forma, isto contribuiu para o espartilhar de serviços, não havendo ainda hoje uma definição concreta do rumo que todas devem seguir. Falta decisão por parte do Ministério da Saúde.
E qual é a solução?
Fomos informados de que haverá a reconstituição de um serviço vertical para as adições, dependente do Ministério da Saúde. Não sabemos ainda muito bem o que se espera e isso cria, inevitavelmente, uma erosão das unidades, um desgaste dos profissionais que trabalham nesta área e a não renovação dos quadros. As unidades vão mantendo-se muito graças à capacidade de resistência dos seus profissionais. Mas há limites. No que diz respeito à classe médica, na região de Coimbra temos uma enorme falta de recursos humanos, com menos de 50% dos médicos que estavam no quadro. Os serviços acabam assim por perder qualidade e capacidade de resposta. Nas outras classes profissionais surge o mesmo problema , embora não seja tão flagrante. É preocupante, porque as pessoas precisam de ajuda de uma equipa multidisciplinar. Neste momento foram abertas vagas para médicos na região Centro, mas não há nem uma para as dependências…
Texto: Maria João Garcia
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