Qual é a prevalência atual do cancro da próstata em Portugal?
Estima-se que em Portugal existam, anualmente, cerca de 60 mil novos casos, com uma mortalidade de cerca de 30 mil casos por ano. Isto significa que o carcinoma da próstata é a neoplasia mais frequente no sexo masculino em Portugal e em termos de mortalidade também se situa nos três primeiros lugares.
Nos últimos anos têm surgido desenvolvimentos no que diz respeito à abordagem desta doença, o que nos permite ter uma melhor perceção da sua história natural. Sabemos que nem todos os cancros são iguais e que em cada 100 homens, 90 vão ter carcinoma da próstata a determinada altura da sua vida. No entanto, esse diagnóstico só é clinicamente relevante em cerca de 15 em cada 100 homens e só dois ou três vão acabar por morrer por causa desta patologia.
“Não existe um cancro da próstata, mas sim, uma diversidade com espetro de gravidade e de prognósticos diferentes.”
Quais os fatores de risco que merecem atenção face a esta doença?
Os fatores de risco do cancro da próstata são bem conhecidos e, ao contrário do que se possa pensar, são simples. São eles a idade, o aspeto racial e a história familiar. Sabemos que os indivíduos de raça negra têm uma probabilidade maior de ter esta doença (e mais grave). Se houver familiares diretos, de primeiro grau, com doença grave e em idades jovens, também existe maior risco. Além disso, se alguns marcadores genéticos, nomeadamente os genes BRCA, se encontrarem mutados também aumentam a gravidade e a incidência.
Quais os sintomas e em que fase da doença se revelam?
Este é o problema do carcinoma da próstata. A próstata pode dar muitos sintomas, como o aumento da frequência noturna da micção, o jato fraco ao urinar, urinar mais vezes; o problema é que estes não são sintomas do cancro da próstata. Numa fase inicial, que é aquela em que pretendemos realizar o diagnóstico, este carcinoma não tem propriamente sintomas, é assintomático, daí que tenha de haver uma procura ativa do doente.
“Habitualmente, quando o cancro da próstata dá sintomas já é tarde e estamos perante uma doença avançada.”
Existe ainda alguma relutância no que diz respeito ao rastreio do cancro da próstata?
Sim, penso que cada vez menos, mas ainda existe alguma. No passado houve alguma controvérsia sobre a real vantagem de se fazerem programas de rastreio ou de diagnóstico precoce. Pensava-se que talvez não alterasse de forma significativa a forma natural da patologia, no entanto sabemos hoje em dia que existe benefício aquando da tentativa de um diagnóstico precoce .
A controvérsia envolveu a Associação de Médicos de Família norte americana que desaconselhou o diagnóstico precoce de cancro da próstata e a utilização do PSA e durante a altura em que este exame não foi utilizado verificou-se um aumento da incidência e apareceram tumores muito mais agressivos. Isto veio dar razão aos que defendiam o rastreio e o diagnóstico precoce. Contudo, penso que, cada vez mais, os homens procuram de uma forma atempada o rastreio .
No que diz respeito à prevenção deste cancro, que medidas podem ser tomadas?
Se há 20 anos era discutível que o PSA e o toque retal não diminuíam a mortalidade por cancro da próstata, hoje em dia com a melhoria de uma série de aspetos conseguimos fazer um rastreio e diagnóstico precoce muito mais inteligentes e com benefícios muito mais marcados. Temos marcadores genéticos que estratificam o risco e tornou-se muito vulgar fazermos um estudo genético de alguns homens com cancro da próstata ou com suspeitas do mesmo. O gene BRCA é achado com alguma regularidade.
Por outro lado sabemos que, atualmente, o PSA é mais entendido não como marcador tumoral mas como marcador de risco de carcinoma da próstata e adaptamo-lo à idade, ao risco, e por isso não o utilizamos de uma forma indiscriminada. Sabemos que só têm indicação aqueles que estejam realmente interessados em fazer um diagnóstico precoce da doença com todas as consequências que isso pode acarretar, e por outro lado também quando existe suspeita de haver uma lesão.
Antes de procedermos à biópsia fazemos ressonâncias, por exemplo, que foi outro dos grandes avanços. A ressonância magnética multiparamétrica da próstata é uma técnica muito utilizada e que nos permite fazer um diagnóstico e uma pesquisa de carcinomas da próstata clinicamente significativos.
Também as biópsias são hoje em dia mais dirigidas. Do ponto de vista do diagnóstico efetuado, temos outros métodos de imagem que nos permitem fazer um estadiamento muito mais correto. Falo na ressonância magnética, mas também na PET com PSMA, que é um marcador específico para o cancro da próstata que permite prever o estadio após o diagnóstico de uma forma muito mais precisa, o que por consequência permite que possamos oferecer aos nossos doentes tratamentos muito mais adequados. Isto vai evitar a que os sujeitemos a tratamentos agressivos. Há uns anos não havia estas inovações e portanto tratávamos todos os doentes, conduzindo a uma morbilidade e a efeitos secundários significativos.
“Incontinência e disfunção erétil são sequelas de tratamentos agressivos”
Quais os avanços no campo do tratamento?
Nos tratamentos temos avanços significativos no que diz respeito à doença localizada. Ao contrário do que acontecia há uns anos, em que praticamente só tínhamos a radioterapia e a cirurgia, hoje temos um leque de hipóteses terapêuticas que ajustamos consoante a necessidade de cada doente, não só tendo em conta a idade, como as expectativas do doente e as características da doença, e que podem passar por uma simples vigilância ativa de lesões menos agressivas. Sabemos que existem muitos cancros indolentes e esses podem ser vigiados sem que haja necessidade de um tratamento ativo.
As técnicas de radioterapia foram também refinadas, sendo muito mais eficazes e finas na sua direção, e há ainda terapêuticas de braquiterapia, por exemplo, e, num futuro próximo, terapêutica focal, que permitirá tratar apenas parte da glândula prostática. Na parte cirúrgica, a cirurgia assistida por robô, que minimiza a probabilidade de sequelas.
No que diz respeito ao tratamento da doença avançada surgiram alguns avanços nos últimos anos, sendo que há 70 anos apenas possuíamos a hormonoterapia clássica para tratar os doentes com doença metastizada. Hoje temos novos fármacos, novos agentes hormonais, é uma medicina cada vez mais personalizada com drogas dirigidas, como é o caso dos radiofármacos.
“Procurar um diagnóstico precoce vai otimizar os recursos que temos para oferecer e alterar completamente o panorama do diagnóstico, prognóstico e qualidade de vida dos doentes”
Quais os mitos mais comuns relativamente a esta patologia de que forma vem a plataforma “Próstata Sem Tabus” ajudar ao combate dos mesmos?
Existe o mito de que o diagnóstico do cancro da próstata põe em causa a masculinidade do homem, o que é completamente falso. Na maior parte das vezes passa por um exame sanguíneo. Existe também o mito de que o cancro da próstata é indolente, quando na verdade está em terceiro lugar em termos de mortalidade por doença oncológica no homem em Portugal. Além disso, também existe o mito inverso, de que o carcinoma da próstata é uma doença agressiva que leva à morte em pouco tempo e que por isso nem vale a pena ser diagnosticada. Atualmente temos tratamentos que prolongam a vida e que aumentam a qualidade de vida, por isso vale a pena investir num diagnóstico em todas as fases. Outro mito é que todos os tratamentos levam à impotência e à incontinência, mas tal como já referi, atualmente apenas uma minoria fica com sequelas graves.
Com esta plataforma tentamos desmistificar o problema do cancro da próstata, que está rodeado de muitos mitos e tabus. Pretendemos que seja uma plataforma de acesso fácil a todos, nomeadamente através das redes sociais, e que seja partilhada informação útil para quem a consulta através de mensagens simples. Acima de tudo queremos que os homens saibam que mesmo não tendo sintomas devem procurar o médico de família e não devem ter medo do diagnóstico nem do tratamento. Penso que é uma iniciativa de relevo que esperamos que tenha uma grande aceitação por parte da população.
CG
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