Que avaliação faz da evolução da diabetes em Portugal?
Gostaria de lhe dar uma visão extremamente positiva, ou seja que já se havia conseguido estabilizar a curva crescente da diabetes tipo 2, que se estaria mais perto da cura da diabetes tipo 1, que já conhecíamos melhor outros tipos mais raros de diabetes, contudo não o posso fazer. Infelizmente, a realidade é outra e ainda é uma doença preocupante, que continua a crescer na população em Portugal – e não só –, com os elevados custos associados, e ainda não temos uma verdadeira estratégia que combata a diabetes tipo 2, que tem muito a ver com os estilos de vida. Existem alguns projetos-piloto, mas ainda estamos muito longe de ter os resultados desejáveis
O que está a falhar no combate a esta doença?
Não temos tido uma grande capacidade de discutir e mudar o nosso modelo social, ou seja focamo-nos apenas na responsabilidade da pessoa ao optar por estilos de vida menos saudáveis, mas sem ir ao cerne da questão. A sociedade em que vivemos também leva a que as pessoas optem mais facilmente por uma alimentação pouco saudável e por uma vida mais sedentária, sem prática regular de exercício físico. A população sabe fazer escolhas saudáveis, mas é condicionada por fatores como o horário laboral, o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. As jornadas longas de trabalho, com baixos salários, diminuem o tempo que se tem para o exercício e contribuem para se optar por alimentos de pior qualidade, por exemplo. O próprio modelo de urbanização não promove a saúde. Podemos gastar muito dinheiro em folhetos e campanhas, mas se não alterarmos a falta de condições que promovem a adoção de hábitos saudáveis, mantemos o problema.
“O modelo social de Portugal é muito diferente do vigente nos países nórdicos [da Europa], onde existe um maior equilíbrio entre vida profissional e pessoal”
Facilmente se opta mais por alimentos hipercalóricos e pré-cozinhados…
Sim, a nossa sociedade é obesogénica. Os alimentos menos saudáveis tendem inclusive a ser mais baratos do que os outros. Num país em que os salários são baixos, as pessoas vão inevitavelmente comprar o que não faz tão bem, mas podem pagar.
É um problema que deve assim envolver diferentes parceiros?
Sem dúvida! Não basta uma única medida. E, claro, a promoção da saúde deve começar sempre na infância. Apesar de tudo, temos tido também alguns avanços (como a legislação referente aos refrigerantes), mas não é suficiente para mudar comportamentos. Quando se fala sobre doenças não transmissíveis é preciso olhar para várias vertentes. O modelo social de Portugal é muito diferente do vigente nos países nórdicos [da Europa], onde existe um maior equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
“A educação terapêutica é fundamental, apesar de não ser muito reconhecida pelos sistemas de saúde”
E relativamente a quem já foi diagnosticado com diabetes, que avaliação faz do acesso a cuidados de saúde em Portugal?
Felizmente, temos acesso às inovações terapêuticas, apesar de alguns atrasos que vão sempre acontecendo no que diz respeito à aprovação e comparticipação. Atualmente, a grande questão é o acesso à tecnologia das bombas perfusoras de insulina para diabetes tipo 1. Temos uma proposta do Governo que vai permitir o acesso às de última geração a toda a população com diabetes tipo 1, mas ainda desconhecemos de que forma se vai operacionalizar essa medida.
Na diabetes tipo 2, a inovação farmacológica permite-nos controlar melhor a doença em si e, simultaneamente, prevenir algumas complicações como as do foro cardiovascular e renal. Falta, todavia, dar mais atenção a outras dimensões tais como a saúde mental de quem vive com esta doença crónica, o fígado gordo, a retinopatia diabética … É importante não esquecer o papel das equipas multidisciplinares que permitem dar um melhor acompanhamento ao doente, ajudando-o na gestão da sua própria doença. Deveria existir mais equipas. Mesmo para o Estado, a prevenção e o bom controlo da diabetes contribuem para a redução das despesas do sistema de saúde.
Todas essas questões vão ao encontro do tema deste ano do Dia Mundial da Diabetes: “Educar para proteger o futuro”. É uma questão mundial?
Sim, à medida que se vai conhecendo melhor a doença comprova-se cada vez mais a relação da diabetes com outras patologias, como as cardiovasculares. É também fator de risco para um pior prognóstico de doenças oncológicas ou infeciosas… É essencial conseguir-se, primeiramente, diagnosticar o mais cedo possível, para que se possa ter maior qualidade de vida e menos custos associados – e para que se consiga controlar a doença. A educação terapêutica é fundamental, apesar de não ser muito reconhecida pelos sistemas de saúde. Nós, profissionais de saúde, não podemos esquecer esta vertente. A educação terapêutica é das ferramentas mais eficazes para o uso correto dos cuidados de saúde.
MJG
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