Quais são as doenças hemato-oncológicas mais prevalentes em Portugal?
Considerando as 3 mais frequentes: (1) os linfomas, que são neoplasias de células B maduras e que representam cerca de 4% dos novos casos de cancro por ano. Os linfomas B difusos de grandes células e os linfomas foliculares representam cerca de 60% de todos os linfomas. (2) As síndromes mielodisplásicas, com uma incidência de 3-5 novos casos anuais por 100.000 habitantes, mas > 20 novos casos/ano acima dos 70 anos; (3) e o mieloma múltiplo, representando cerca de 1% dos novos casos anuais de cancro e 10-15% nas neoplasias hematológicas.
Quem é mais afetado?
Qualquer uma destas neoplasias é mais frequente nas pessoas de mais idade. A mediana de idade para as neoplasias B maduras situa-se entre a 6.ª e a 7.ª década de vida. Já as mielodisplasias aumentam consideravelmente a partir dos 70 anos e a mediana de idade dos doentes com mieloma no diagnóstico é cerca de 70 anos.
Além da idade, sabe-se que a ocorrência de mielodisplasias é maior nas pessoas que tenham feito tratamentos de quimio e/ou radioterapia. Há doenças hematológicas hereditárias com risco aumentado de mielodisplasia, como a anemia de Fanconi, síndrome de Blackfan-Diamond, disqueratose congénita e outras. A exposição prolongada a alguns agentes químicos (benzeno, solventes, alguns químicos utilizados na agricultura) pode estar implicada no desenvolvimento destas situações, assim como a exposição ao tabaco.
Embora na maioria de casos de linfoma não seja possível apontar uma etiologia, há certos tipos de linfomas que podem estar associados a agentes infeciosos, como o EBV, o HHV8, HTLV, hepatite C, ou mesmo bactérias como o H. pylori no linfoma de MALT no estômago, B. burgdoferi no MALT cutâneo e o C. jejuni no MALT intestinal. Os doentes transplantados, sobretudo se submetidos a imunossupressão crónica, são conhecidos por terem uma maior incidência de linfomas, associados ao EBV.
Também no mieloma não se conhecem situações causais comprovadas, apesar da estimulação antigénica crónica, associada a doenças infeciosas ou inflamatórias, assim como a exposição prolongada a substâncias tóxicas e a radiações têm sido associadas ao diagnóstico de mieloma.
“O diagnóstico das doenças hemato-oncológicas deve ser feito, ou pelo menos confirmado, por um hematologista com experiência no seu diagnóstico”
Os doentes têm o acesso facilitado ao diagnóstico precoce e aos tratamentos, inclusive aos inovadores?
O diagnóstico das doenças hemato-oncológicas deve ser feito, ou pelo menos confirmado, por um hematologista com experiência no seu diagnóstico. A facilidade de acesso depende da relação estabelecida entre o médico assistente e um serviço de Hematologia e sabemos que há, no nosso país, uma heterogeneidade apreciável. Os tratamentos mais inovadores, como os anticorpos conjugados com drogas, anticorpos biespecíficos, inibidores de check-point, pequenas moléculas intervindo nas vias de sinalização intracelular, transplante autólogo ou alogénico de células hematopoiéticas e CAR T cells, estão disponíveis em Portugal, embora alguns deles apenas em hospitais muito diferenciados e com uma capacidade de resposta que não é a ideal.
Em termos de terapêutica, aposta-se cada vez mais na medicina personalizada. Nesta área, que avanços gostaria de destacar?
Claramente e, longe de ser exaustivo, o exemplo por excelência do tratamento personalizado é o das CAR T cells, no contexto autólogo. É um tratamento único, desenhado para cada doente, com a utilização dos seus próprios linfócitos T.
“O direito ao esquecimento é particularmente importante para as crianças e adultos jovens que, tendo tido uma doença oncológica anterior e da qual se consideram curados, não podem ser discriminados”
O cancro é cada vez mais uma doença crónica. Isso também acontece nas doenças hemato-oncológicas?
Claramente. Veja-se o exemplo da leucemia mieloide crónica. Desde a introdução dos inibidores da tirosina cinase, com um comprimido por dia (considerando o imatinib), a esperança de vida de muitos destes doentes é semelhante à da população em geral. Outro exemplo, não tão dramático, é o do mieloma múltiplo. Com a introdução sucessiva de novos medicamentos nos últimos anos e a aplicação da transplantação autóloga no programa terapêutico (por enquanto até aos 70 anos), melhorou notavelmente a sobrevida e qualidade de vida destes doentes.
Nesse caso, que desafios é preciso ter em conta quando se é sobrevivente de cancro a vários níveis, inclusive em termos de direito dos doentes?
A legislação portuguesa contempla vários benefícios concedidos aos doentes oncológicos em geral, que todos devem conhecer. Por outro lado, estes doentes devem manter um follow-up permanente e regular, para despiste de eventuais complicações tardias após terem cessado os tratamentos. O direito ao esquecimento é particularmente importante para as crianças e adultos jovens que, tendo tido uma doença oncológica anterior e da qual se consideram curados, não podem ser discriminados no que diz respeito ao acesso ao crédito, por exemplo.
Vai ser apresentado um estudo. Quais as principais conclusões?
Nas próximas Jornadas da APCL, a decorrer no dia 22 de setembro, vão ser apresentados os resultados de um estudo realizado numa população de doentes com neoplasias mieloproliferativas, que, naturalmente, não vou desvendar. Há que esperar pela altura própria.
MJG
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