A dor crónica constitui um problema de saúde pública, dada a sua prevalência e os impactos emocionais, funcionais, económicos e sociais. É o segundo problema de saúde crónico mais frequente na nossa população, a seguir à hipertensão arterial. O inquérito de prevalência em Portugal (2021) aponta para taxa de incidência de dor crónica de 33%, com média de intensidade 5 (numa escala 0-10) e cerca de um quarto em doentes na fase ativa da vida. A doença psiquiátrica (ansiedade ou depressão) complica a dor crónica em 68% destes doentes.

A dor neuropática afeta 8% da população europeia e decorre principalmente de complicação da diabetes mellitus , infeção por vírus herpes, cancro e seus tratamentos e doença osteoarticular degenerativa e discal da coluna. A dor neuropática define-se com a dor que surge por lesão atual ou pregressa do sistema nervoso (central ou periférico). A avaliação semiológica e complementar permite distingui-la da dor nociceptiva. Enquanto a dor nociceptiva é bem localizada, de fácil diagnóstico e apresenta uma resposta favorável aos analgésicos, na dor neuropática predominam sensações aberrantes (disestesias, parestesias e sensação de choque elétrico). O diagnóstico é mais complexo e esta dor tem fraca resposta aos analgésicos convencionais.

A Associação Internacional para o Estudo da Dor distingue ainda um terceiro cenário fisiopatológico da dor – a dor nociplástica, onde os descritores de dores são difusos, mal descritos, com hipersensibilidade à dor e outros estímulos externos; neste cenário, não havendo qualquer dano tecidular somático ou neurológico, não haverá resposta expectável a analgésicos, beneficiando, pelo contrário de intervenções não farmacológicas do espetro mind-body. Acrescenta-se que, um mesmo doente, pode padecer de mais do que um destes mecanismos de dor.

O correto diagnóstico etiológico da dor neuropática é fundamental, não apenas para permitir tratamento da patologia de base, mas porque há opções farmacológicas para o tratamento da dor que são baseadas na evidência científica para as doenças em questão.

A abordagem da dor neuropática depende de fatores: (1) relacionados com os descritores de dor neuropática (semiologia); (2) relacionados com o doente (doença de base e comorbilidades); (3) expectativas do doente (o tempo para iniciar e titular fármacos é, normalmente, prolongado e com resultados não plenos); (4) dados da evidência científica; (5) experiência clínica; (6) tempo para atuação (doentes em fase terminal e/ ou com dores insuportáveis necessitam de resposta eficaz expedita).

A Direção-Geral da Saúde atualizou, em 2017, a Norma Terapêutica da Dor Neuropática 043/2011, estratificando as opções farmacológicas de acordo com a evidência científica disponível em fármacos de primeira linha (antidepressivos tricíclicos, antidepressivos não seletivos da recaptação da serotonina, gabapentanoides e fármacos tópicos); fármacos de segunda linha (tramadol); e outros fármacos úteis, de acordo com patologia específica (por exemplo a carbamazepina na nevralgia do trigémeo).

É frequente a necessidade associação de fármacos analgésicos de primeira e segunda linha, demonstrando assim a dificuldade e a morosidade da titulação. Há ainda experiência clínica e alguma evidência com outros fármacos como a ketamina, metadona e canabinoides, em doentes complexos selecionados.

A mesma norma apresenta critérios de referenciação para Unidades de Dor Crónica, de preferência precoce, em situações como: dor refratária à medicação, com redução de intensidade inferior a 30% (escala numérica de avaliação da dor) ou ainda de intensidade severa apesar do esforço terapêutico; comorbilidades com impacto significativo nas atividades de vida diária; intolerância a tratamento farmacológico instituído; necessidade de titulação rápida de fármacos; polimedicação e com risco grave de interação farmacológica; otimização com modalidades não farmacológicas ou de intervenção; neuropatia associada ao vírus da imunodeficiência humana (VIH).

Os desafios que a dor neuropática coloca ao doente e sociedade implicam um esforço colaborativo no diagnóstico e abordagem multimodal precoce e eficaz.