Como avalia a forma como se lida com a dor no desporto de alta competição?

A forma como lidamos com a dor no desporto de alta competição varia em função de vários fatores, nomeadamente a modalidade desportiva, o país e a cultura desportiva bem como as políticas e a regulamentação estabelecida pelas organizações. De forma transversal, a gestão da dor é um elemento fundamental para manter os atletas a treinar e a competir em níveis elevados, o que frequentemente envolve a utilização de estratégias multimodais com recurso a analgésicos, programas de reabilitação, neuromodulação, entre outras modalidades terapêuticas. Contudo, este tema tem gerado um debate ético cada vez maior, por se acreditar que, em certos casos, os atletas possam ser incentivados a competir apesar das queixas, colocando em risco a sua saúde a longo prazo. Por outro lado, outros defendem que alguns atletas estão dispostos a suportar a dor, normalizando-a, para alcançar os seus objetivos, explorando ao limite o lema “no pain, no gain”.

Os atletas de alta competição geralmente têm acesso a um departamento médico multiprofissional e especializado, que inclui médicos, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde. O acompanhamento médico regular no alto rendimento pode ajudar a identificar e a tratar problemas antes que se agravem, prevenir e diagnosticar lesões e estabelecer planos de tratamento personalizados. Além disso, a contínua evolução farmacológica e atualização das políticas antidoping restringem o uso de certas substâncias e métodos para gerir a dor com o intuito de manter a integridade do desporto, criando desafios na gestão da dor destes atletas. A gestão da dor no desporto de alta competição é um tópico complexo e multifacetado, que envolve considerações médicas, éticas e regulamentares. As abordagens podem variar de acordo com as circunstâncias individuais de cada atleta e o objetivo é encontrar um equilíbrio entre o desempenho desportivo e a saúde a longo prazo.

“O tratamento adequado inclui diagnóstico precoce, intervenção médica especializada e os programas de reabilitação otimizados”

Quais são as lesões que podem provocar quadros mais longos de dor nos atletas de alta competição?

As lesões mais comuns e com quadros de dor mais prolongados são geralmente muito variáveis em função do desporto em questão e do gesto específico associado ao mesmo. Algumas das lesões mais comuns que se associam a períodos prolongados de dor em atletas de alta competição incluem as lesões de tendão, seja por tendinopatia ou por rotura. O processo de cicatrização destas lesões é geralmente lento e a reabilitação adequada é essencial para uma recuperação completa. Contudo, as lesões musculares são também muito comuns, as quais, dependendo da gravidade da lesão, podem requerer paragens de algumas semanas a meses. As lesões articulares como entorses ou luxações/subluxações podem causar dor crónica e comprometer a estabilidade e a mobilidade articular e a sua recuperação completa pode exigir períodos prolongados de reabilitação e fortalecimento. Por fim, as fraturas ósseas, especialmente as que requerem cirurgia ou fixação, podem causar dor significativa e requerer um longo período de imobilização e reabilitação. É importante ressaltar que a gravidade e a duração da dor variam de acordo com a lesão específica e as circunstâncias individuais de cada atleta. O tratamento adequado inclui diagnóstico precoce, intervenção médica especializada e os programas de reabilitação otimizados são cruciais para uma recuperação completa e para a minimização de quadros prolongados de dor em atletas de alta competição.

Que tipos de tratamentos existem para essas situações?

Os tratamentos disponíveis para lesões em atletas de alta competição são variados e a sua escolha dependerá do tipo e da gravidade da lesão, bem como das necessidades e circunstâncias individuais de cada atleta. Em geral, a maior parte das lesões podem ser tratadas com uma abordagem conservadora, como repouso, aplicação de gelo, compressão e elevação e analgésicos. Além disso, os programas de reabilitação podem acelerar a reabilitação e prevenir lesões recorrentes. Para esse intuito, podem ser utilizadas várias técnicas, como alongamentos, fortalecimento muscular, libertação miofascial, terapia manual e modalidades físicas (por exemplo, ultrassom e eletroterapia). Em lesões mais graves poderá haver necessidade de recorrer a cirurgia, o que pode incluir reparação ligamentar, reconstrução articular, fixação de fraturas ou sutura de tendões. Geralmente, a cirurgia é seguida por um período de reabilitação intensiva para permitir a cicatrização adequada e o retorno gradual à atividade desportiva.

Algumas lesões podem ainda beneficiar de injeções terapêuticas, nomeadamente as injeções de ácido hialurónico em patologia articular ou tendinosa e o plasma rico em plaquetas (PRP) para estimular a regeneração de tecidos danificados. Como as lesões graves podem causar um impacto emocional negativo significativo nos atletas, o suporte psicológico pode ser benéfico para lidar com a dor, além de ajudar na motivação e no retorno gradual à prática desportiva. Cada lesão e cada atleta são únicos, por isso, o tratamento adequado deve ser determinado pelo médico especializado, levando em consideração a lesão e as necessidades individuais do atleta.

“O impacto emocional negativo que a dor prolongada pode ter nos atletas, gerando frustração, ansiedade, stress e desmotivação realça a importância do acompanhamento psicológico”

Os atletas estão sempre expostos a grande pressão por causa das provas. Perante um quadro de dor mais prolongado, mas não incapacitante, que tipo de apoio é dado?

Quando os atletas enfrentam um quadro de dor mais prolongado, mas não incapacitante, é crucial fornecer um apoio adequado através das várias esferas de decisão para os ajudar a lidar com a situação. O acompanhamento médico regular é importante para avaliação da lesão, diagnóstico preciso e plano de tratamento individualizado. Além disso, fornece informações claras sobre o tempo de recuperação e expectativas realistas gerando confiança no processo de recuperação. O impacto emocional negativo que a dor prolongada pode ter nos atletas, gerando frustração, ansiedade, stress e desmotivação realça a importância do acompanhamento psicológico durante o processo de recuperação dos atletas de alta competição. A equipa técnica desempenha também um papel muito importante durante esta fase. Eles devem estar cientes das queixas e limitações do atleta e trabalhar em conjunto com o departamento médico e de alto rendimento para ajustar o plano de treino de modo a permitir a recuperação adequada do atleta. Isso pode incluir a modificação do volume, intensidade e tipo de exercícios, a fim de evitar agravar a dor e permitir que o atleta continue a se exercitar dentro de limites seguros.

Cada vez se vê mais pessoas a praticarem exercício físico regular e intenso, mesmo não sendo atletas de alta competição. Quais são os erros mais comuns que podem levar a quadros álgicos incapacitantes?

Apesar da prática de exercício físico regular ser cada vez mais comum o que acarreta inúmeros benefícios para a saúde, a percentagem de praticantes em Portugal encontra-se ainda em níveis francamente escassos e preocupantes. De acordo com os resultados de 2022 disponibilizados pelo Eurobarómetro relativamente aos índices de atividade física e desporto dos portugueses, 73% dos portugueses dizem nunca se exercitar e só 18% dos portugueses assumem fazer exercício com alguma regularidade. Ainda que a prática de exercício físico seja muito recomendada, a prática inadequada pode acarretar risco de lesão. Alguns dos erros mais comuns que podem levar a quadros álgicos incapacitantes incluem a falta de aquecimento e alongamentos adequados com risco de lesões musculares e articulares. O excesso de carga ou intensidade ou o seu incremento de forma abrupta é um erro comum que pode levar a lesões. Outra das causas comuns de lesão é uma técnica inadequada que pode sobrecarregar a estrutura articular e periarticular, aumentando o risco de lesões. O descanso e os tempos de recuperação adequados são também fundamentais. Adicionalmente, realizar uma rotina de treino repetitiva e sem variação pode sobrecarregar de forma excessiva certas áreas do corpo, aumentando o risco de lesão. Outro erro frequente é ignorar sinais de dor persistente, os quais podem levar a quadros álgicos incapacitantes. Aprender a respeitar os limites do corpo, priorizar a recuperação e procurar o equilíbrio entre o exercício e o descanso são medidas importantes para evitar dano.

Nestes casos, o que se poderia fazer para que também os não atletas de alta competição possam ter acesso a consultas de dor, inclusive no Serviço Nacional de Saúde?

Em primeiro lugar, parece-me fundamental aumentar a consciencialização sobre a importância do tratamento da dor e os serviços disponíveis para a população em geral. Isso pode ser feito através de campanhas de sensibilização, programas educativos nas escolas ou divulgação de informações sobre serviços de dor disponíveis no SNS. Contudo, dada a sobrecarga que esses serviços já possuem, seria igualmente necessário investir na expansão e fortalecimento das consultas de dor no SNS bem como das consultas de especialidade que lidam com patologia do foro musculoesquelético, garantindo a disponibilidade de profissionais especializados disponíveis para consultas e tratamentos. Isso passaria pela contratação de médicos especialistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos especializados em dor, entre outros profissionais de saúde. Outro aspeto merecedor de atenção é a modernização da infraestrutura, aquisição de equipamentos e tecnologias necessários e programas de pesquisa e desenvolvimento na área da dor. Igualmente importante é a redução dos tempos de espera para consultas, a fim de garantir um acesso mais rápido aos serviços. Isso pode ser conseguido através da otimização dos processos de triagem e encaminhamento, mas também com o aumento dos recursos hospitalares. O estabelecimento de parcerias com instituições e organizações externas, como centros de pesquisa em dor, universidades, clínicas e hospitais privados e centros de saúde podem ajudar a melhorar o acesso a consultas de dor, fornecer educação adicional para os profissionais de saúde e promover a troca de conhecimentos e melhores práticas no tratamento da dor.

Estas medidas podem ajudar a melhorar o acesso e a disponibilidade de consultas de dor para os não atletas de alta competição, garantindo que estes recebem o tratamento adequado e em tempo útil.

Texto: Maria João Garcia

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