A Alzheimer Portugalalerta para o facto de a demência ainda ser uma doença subdiagnosticada. O que contribui para esta situação?
É verdade! Existem muitas pessoas com Alzheimer ou com outra forma de demência que nunca chegam a ter um diagnóstico no tempo adequado e por isso não têm acesso ao acompanhamento mais adequado. Ainda não temos um medicamento verdadeiramente modificador do curso da doença, contudo há alguma resposta farmacológica e não farmacológica (Terapia Ocupacional, Fisioterapia, Psicologia, etc.). Ambas são fundamentais em fases precoces. As não farmacológicas têm o benefício de preservar a autonomia da pessoa durante mais tempo, de modo que se sinta envolvida na sociedade. Isso contribui para que se evite, por exemplo, quadros depressivos. Infelizmente, estas terapias, mesmo quando existe um diagnóstico precoce, não estão acessíveis a todos, apesar das melhorias dos últimos anos.
Mas o que está a falhar no percurso do doente?
Primeiramente, deveria existir uma aposta forte nos cuidados de saúde primários, ou seja, sensibilizar os médicos de Medicina Geral e Familiar para os primeiros sinais de demência. O médico de família é quem tem uma maior proximidade com os doentes e com a família. O diagnóstico é feito por um neurologista ou por um psiquiatra e, quanto mais cedo se referenciar, melhor.
Para que se possa corrigir este problema, é preciso avançar com os Planos Regionais de Saúde?
Também. Lançámos o Manifesto há um ano e o principal objetivo é lutar pelo reconhecimento das demências como uma prioridade nacional de saúde pública. Já em 2018 elaborámos um documento estruturado, completo, com o que considerávamos ser essencial para um plano de intervenção para as demências,
um plano nacional que contemplasse não só os aspetos de saúde, como a investigação, os cuidados, os apoios sociais, a importância do cuidador informal. Avançou-se com a Estratégia da Saúde na Área das Demências, que preconiza cinco planos regionais – para cada administração regional de Saúde (ARS). As várias ARS já apresentaram o seu plano regional para as demências e os mesmos foram aprovados pelo Ministério da Saúde. No entanto, desde janeiro que praticamente nada acontece.
Estes planos estão esquecidos no meio do caos que se vive nas urgências…
Sim, porque falta uma visão estrutural da saúde, nomeadamente na área das demências. Andamos sempre a correr atrás do prejuízo. As demências afetam mais de 200 mil pessoas em Portugal. E temos que ter também em conta os seus cuidadores informais, que têm ficado sistematicamente para outro plano. A implementação destes planos regionais é muito importante, mas também não podemos ficar por aí. É urgente olhar para as demências como uma prioridade de saúde pública – ou não tivéssemos uma população cada vez mais envelhecida. É ainda crucial consciencializar a população para os primeiros sinais e sintomas da doença, para que se procure ajuda numa fase inicial e se evite o subdiagnóstico.
Devia ser implementada uma campanha a nível nacional?
Sim. Além disso, é preciso apostar numa maior articulação entre o Ministério da Saúde e o Ministério do Trabalho da Solidariedade e da Segurança Social, porque não basta disponibilizar cuidados de saúde. Estas pessoas e os seus cuidadores necessitam de respostas sociais.
Com o envelhecimento vamos ter cada vez mais diagnósticos…
Exato! O principal fator de risco é a idade. Espera-se um aumento considerável que, paralelamente à baixa taxa de natalidade, leva à falta de cuidadores informais. Quem vai cuidar destas pessoas? O cenário dos próximos anos pode ser dramático se nada for feito. Mesmo do ponto de vista económico-financeiro, se se apostar em medidas de prevenção, e não só, o Estado vai poupar nos custos associados a estes doentes. Existem estudos científicos que são claros: a prevenção é possível. Mas, para tal, é preciso ter-se uma visão de médio e longo prazo.
O que não acontece…
Sim, todavia, devo reconhecer que temos assistido a mudanças nos últimos anos, existindo cada vez mais instituições e profissionais que se dedicam e se interessam por esta área. E temos disponíveis melhores resultados.
Mas não chegam a todos…
Esse é o problema. Falta equidade, porque se tem mais rendimentos, cuidadores mais informados, porque se vive em determinada zona geográfica… Isto não pode continuar!
As ARS vão ser extintas e está-se já a transferir competências em saúde para os municípios. Isso preocupa-a?
É uma fase de mudança na estrutura da saúde, mas penso que até pode ser benéfica. Os municípios dão respostas de maior proximidade e temos, inclusive, já alguns projetos, como em Cascais, Oeiras ou Sintra. É fundamental criarem-se respostas articuladas que envolvam os diferentes níveis de cuidados e o setor social.
Existe esperança…
Sim, essa é a última a morrer.
MJG
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