“Os Caminhos da Diálise em Portugal” foi o tema da sua intervenção no Fórum. Que caminhos são esses?

A Diálise em Portugal é uma história de inovação e de sucesso, no sentido em que em 2008 foi criado por comum acordo entre a iniciativa privada e o Ministério da Saúde o preço compreensivo, que pretende assegurar um tratamento holístico ao doente e com isso conseguimos melhorar a qualidade do tratamento (medido pela taxa de mortalidade) para uma das melhores do mundo.

No entanto, este caminho tem tido alguns desafios, sendo que o mais premente é a manutenção do valor do preço compreensivo desde 2011, apesar de, entretanto, termos observado um aumento generalizado dos custos que o compõem, como é o caso do ordenado mínimo nacional e da revisão das carreiras na saúde ou ainda do aumento significativo de outros custos como a eletricidade e a água.

Se não for realizada uma revisão ao valor do preço compreensivo, estará em risco a sustentabilidade desta parceria que as empresas do setor de diálise mantêm com o Serviço Nacional de Saúde, especialmente se considerarmos os investimentos que as clínicas de hemodiálise têm que fazer, quer por exigências legais, quer para renovação e manutenção dos equipamentos críticos desta operação (monitores, cadeirões e unidade de tratamentos de água).

Apesar dos avanços no tratamento ao longo dos últimos anos, como avalia o acesso aos mesmos por parte dos doentes?

O acesso ao tratamento de hemodiálise em Portugal é dos melhores a nível mundial, quer pelo número de clínicas de hemodiálise que existem, quer pela dispersão das clínicas por todo o país, o que assegura tratamento a todos os portugueses. Segundo a Entidade Reguladora da Saúde, 18 minutos é o tempo médio de viagem de um utente entre a sua residência e a unidade de hemodiálise em que é tratado. No final de 2022, em Portugal existiam 12.878 doentes a realizar hemodiálise.

Nas últimas semanas veio a público de que os utentes de Vila Real poderão ter de mudar de clínica. A internalização destes cuidados é uma ameaça para o setor ou é um caso isolado?

A ANADIAL- Associação Nacional de Centros de Diálise está a acompanhar este caso com grande consternação. Por mais de duas décadas, a TECSAM deu resposta aos doentes insuficientes renais crónicos de Vila Real, proporcionando-lhes cuidados de saúde indispensáveis para sobreviverem, uma vez que o SNS não dispunha de meios para o fazer. No entanto, com a criação de um Centro de Responsabilidade Integrada (CRI) na área da hemodiálise no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (CHTMAD), os doentes começaram a ser tratados nesse hospital público. Sendo assim, já não podem ser tratados no centro privado mais perto da sua área de residência, o que afeta significativamente a qualidade de vida dos doentes que necessitam de realizar maiores distâncias, três vezes por semana.

“No futuro, esperamos também que exista um número maior de doentes a realizar a diálise peritoneal, um tratamento alternativo à hemodiálise”

O que se pode esperar do futuro da diálise em Portugal?

O futuro da diálise em Portugal está muito condicionado pela estratégia que o Ministério da Saúde definir para esta área da saúde, nomeadamente no peso que este quer ter na prestação dos tratamentos de diálise pela criação de CRI e no reforço da capacidade instalada nos hospitais públicos.

Contudo, e se tivermos em consideração apenas o momento atual, registamos com entusiasmo que o setor privado da diálise continua a investir na melhoria da qualidade da prestação de cuidados de saúde aos doentes renais crónicos, com a abertura de novas clínicas, e que o governo mantém a confiança no setor ao conceder novas convenções com o SNS. São exemplos as duas novas clínicas de diálise em Mafra e as duas novas clínicas de diálise em Alcobaça, que entraram em funcionamento no final do mês de agosto. No futuro, esperamos também que exista um número maior de doentes a realizar a diálise peritoneal, um tratamento alternativo à hemodiálise que continua ainda com uma percentagem muito abaixo da média europeia. Com a diálise peritoneal, o doente poderá realizar o seu tratamento em casa, sem necessidade de se deslocar a uma clínica.

Este evento foi uma oportunidade para estabelecer possíveis parcerias entre Portugal e o Brasil?

A Conferência Luso-Brasileira da Gestão da Diálise foi um excelente fórum para discutir temas prementes na gestão dos centros de diálise, na gestão da doença renal crónica e nos desafios do contexto político-económico em que estamos. Depois de um dia e meio de apresentações de temas tão diversos como a Inteligência Artificial, enquadramento fiscal ou ainda o observatório das especialidades médicas, fica claro que há muitas semelhanças e oportunidades de aprendizagem entre as duas geografias.

“O doente é o nosso foco e a nossa missão é melhorar, todos os dias, a prestação de cuidados de saúde, mas não o conseguimos fazer sem o apoio e a parceria dos governos”

Em que áreas poderão colaborar?

Estamos neste momento a definir as áreas de colaboração, sendo que o potencial é muito grande. Acredito que a área da formação, onde a ABCDT, através do programa e-Educa, lançou um MBA focado na gestão de centros de diálise ou a componente de definição de resultados para a área da diálise, podem ser dois exemplos do largo espectro que podem ser cobertos com a colaboração de duas associações congéneres.

No final do 1.º Fórum Luso-Brasileiro de Gestão em Diálise, quais são as principais mensagens que não devem ser esquecidas?

O doente é o nosso foco e a nossa missão é melhorar, todos os dias, a prestação de cuidados de saúde, mas não o conseguimos fazer sem o apoio e a parceria dos governos. A título de exemplo, durante o 1.º Fórum Luso-Brasileiro foi anunciado que o Brasil instituiu o Dia Nacional da Diálise, por publicação de uma medida legislativa que vai permitir aumentar a consciencialização, no Brasil, para a doença renal crónica, para a sua prevenção e diagnóstico precoce e para a diálise, enquanto tratamento que salva a vida dos doentes.

Infelizmente, em Portugal, ainda não temos instituído um Dia Nacional que celebre o contributo fundamental que a diálise tem na vida de todos os doentes renais crónicos. A nossa recomendação é que é urgente que o governo português inclua a doença renal crónica como uma das prioridades do Plano Nacional de Saúde. A ANADIAL está disponível para dialogar com o Ministério da Saúde e para colaborar na estratégia do Governo nesta área da saúde.

Texto: MJG

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