É uma doença caracterizada pela laceração linear da anoderme do canal anal que se estende da linha pectínea à margem anal. Trata-se de uma entidade benigna que pode afetar a qualidade de vida do doente.
As fissuras anais podem surgir em qualquer idade, mas são mais frequentes em crianças e adultos jovens e a sua incidência é semelhante nos homens e nas mulheres.
Quais são os sintomas da fissura anal?
Clinicamente manifesta-se por dor anal (dor intensa exacerbada pela defecação que poderá permanecer após a mesma), retorragias (sangue vermelho vivo nas fezes e/ou no papel higiénico) durante e após a defecação e prurido perianal.
Quais são as causas da fissura anal?
A sua etiologia é multifatorial, estando envolvidos o trauma do canal anal (p. ex. passagem de fezes duras na obstipação, diarreia ou podem ocorrer como consequência do parto ou penetração anal), espasmo do esfíncter anal interno (EAI) e isquémia local. As doenças inflamatórias intestinais, infeções (p. ex. HIV, tuberculose ou sífilis) e neoplasias são causas menos frequentes.
Como se realiza o diagnóstico da fissura anal?
Na maioria dos casos, a história clínica e as circunstâncias do aparecimento dos sintomas orientam o diagnóstico. A inspeção da área anal permite confirmar a presença da fissura (em doentes mais magros) ou a palpação ligeira da área acometida com reprodução das queixas álgicas.
Poderá ser complementado por toque retal e anuscopia quando necessário e possível (raramente necessárias numa abordagem inicial pela dor associada).
A fissura anal é, na maioria dos casos, uma lesão única e localiza-se em 90% na linha média posterior do ânus. Nas mulheres, por razões anatómicas, a localização na linha média anterior é também comum e mais frequente do que nos homens (25% de doentes do género feminino e 8% dos doentes do género masculino). As fissuras envolvendo simultaneamente nos bordos anterior e posterior (“kissing fissures”) estão presentes em 3% dos doentes. As fissuras de localização lateral são atípicas e deverão ser investigadas mais amiúde (exame perianal sob anestesia geral e/ou realização de colonoscopia com eventual ileoscopia) uma vez que podem estar associadas a outras condições clínicas, nomeadamente Doença Inflamatória Intestinal, infeções ou neoplasias. Também lesões múltiplas, irregulares, indolores ou com leitos endurecidos deverão ser considerados sinais de alerta.
As fissuras podem ter uma evolução aguda (as que aparecem subitamente) ou crónicas (duração > 8 semanas, presentes em cerca de 40 % dos doentes). A primeira é caracterizada por uma laceração linear simples, enquanto que a última é caracterizada por um leito escavado, exposição de fibras do esfíncter anal interno, presença de fibrose, edema e bordos elevados; poderá apresentar externamente uma marisca cutânea sentinela e internamente uma papila hipertófica.
Como se tratam as fissuras anais?
Os objetivos do tratamento incluem o alívio dos sintomas, cicatrização da ferida, prevenção da recorrência e manutenção da continência anal.
A maioria das fissuras são tratadas medicamente. A terapêutica cirúrgica está reservada para fissuras refratárias.
O tratamento médico visa regularizar o trânsito intestinal, relaxar o esfíncter anal, diminuir a dor e promover a cicatrização.
O tratamento médico não específico consiste em medidas higieno-dietéticas, constituindo a base do tratamento e prevenção de recorrência.
A regularização do trânsito intestinal é uma das medidas mais importantes. Em função da situação presente (obstipação ou diarreia) inclui alterações alimentares que visam a produção de fezes menos duras e mais moldadas (ingestão de uma dieta rica em fibras e aumento da ingestão de líquidos) ou a correção das causas de diarreia.
As medidas higienodietéticas sugeridas constituem dieta equilibrada e rica em fibras para manutenção de fezes macias. Se necessário poder-se-á recorrer a terapêutica com laxantes. Manter uma adequada ingestão de líquidos, não protelar a ida à casa de banho e evitar ficar sentado na sanita durante muito tempo são também medidas fundamentais. Também o exercício regular pode reduzir o risco de desenvolver obstipação, resultando em menor risco de fissuras.
Os banhos de assento (com água morna durante cerca de 10 minutos duas vezes por dia e após defecação) podem ajudar a promover a higiene local, atenuar a dor, favorecer o relaxamento do esfíncter anal e a cicatrização.
A analgesia tópica (p. ex. lidocaína, corticoides) poderão ser considerados no alívio sintomático, em período autolimitado (< 7 dias).
Na persistência dos sintomas e ausência de cicatrização, o tratamento médico específico apresenta-se como 2.ª linha e visa o relaxamento do esfíncter anal interno (EAI) através da aplicação tópica de nitratos (nitroglicerina), bloqueadores de canais de cálcio (diltiazem ou nifedipina, apenas disponível em Portugal a primeira). Ambos possuem como objetivo o relaxamento do EAI e melhoria da perfusão sanguínea. Esta deverá ser mantida por 8 semanas. Os bloqueadores dos canais de cálcio possuem menores taxas de efeitos adversos e de interações medicamentosas.
A injeção de toxina botulínica é uma alternativa terapêutica para os doentes refratários ou intolerantes à terapêutica tópica.
Na falência do tratamento médico, está indicado o tratamento cirúrgico, com bons resultados em termos de cicatrização e recorrência, à custa de um risco não desprezível de perturbação da continência anal.
A esfincterotomia lateral interna é a abordagem de eleição. Apresenta elevadas taxas de cicatrização e baixas taxas de recidiva, no entanto apresenta maiores riscos de perturbação da continência fecal (p.ex. multíparas ou doentes idosos).
As técnicas de preservação esfincteriana compreendem o retalho de deslizamento V-Y ou fissurectomia.
Gabriela Duque Pena
Consultora de Gastrenterologia;
Sociedade Portuguesa de Coloproctologia
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