“Um ambiente acolhedor, afiliativo e seguro é um pré-requisito para a criação de ambientes terapêuticos e para melhores resultados nas casas de acolhimento, podendo otimizar as intervenções psicológicas individualizadas oferecidas às crianças e jovens”, destaca Laura Santos. Contribui também para “o desenvolvimento da perceção ao longo da vida sobre si, os outros e o mundo”.
A pesquisa tem vindo a ser conduzida no âmbito do projeto “Mentalidade afiliativa no acolhimento residencial de jovens: implementação e estudos de eficácia de um programa de treino da mente compassiva com cuidadores”, do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC).
A investigadora explica que este projeto foi pensado com o objetivo de disponibilizar às casas de acolhimento um programa de treino baseado “num modelo teórico e com evidência empírica, respondendo à necessidade reportada na literatura ao nível da qualificação dos profissionais deste setor social”.
“A promoção de uma mentalidade afiliativa, operacionalizada através do desenvolvimento da compaixão, pretende ampliar o foco de atuação das casas de acolhimento, frequentemente criticadas por se direcionarem exclusivamente para a proteção da criança através da provisão assistencialista de recursos”, contextualiza a investigadora.
O ensaio clínico realizado no âmbito do projeto decorreu em 12 casas de acolhimento do centro de Portugal, tendo envolvido 127 cuidadores e 154 jovens. O impacto positivo do TMC-C foi visível em três níveis: 1) ao nível individual, no desenvolvimento de (auto)compaixão e melhorias na qualidade de vida profissional e saúde mental dos cuidadores; 2) ao nível interpessoal, contribuindo para uma maior proximidade e ligação entre cuidadores e jovens, bem como entre colaboradores; 3) e também ao nível organizacional, contribuindo para um ambiente mais afiliativo e seguro na casa de acolhimento, tanto para jovens, como para cuidadores.
Durante a intervenção, os investigadores desenvolveram atividades com os cuidadores para lhes transmitir, por exemplo, estratégias adaptativas de regulação emocional e conhecimentos sobre o funcionamento da mente humana.
“Cuidar de crianças maltratadas, que exibem necessidades complexas, requer que a prestação de cuidados seja intencionalmente terapêutica, e não meramente assistencialista. Neste contexto, problemas associados à falta de formação especializada e à incidência de níveis elevados de stress ocupacional entre profissionais têm sido apontados como potenciais ameaças”, elucida.
A equipa da UC está também a conduzir outras intervenções no âmbito do projeto, em articulação com a Unidade de Psicologia Clínica Cognitivo-Comportamental da Universidade de Coimbra (UpC3), em casas de acolhimento da IGAXES (organização não governamental da Galiza, que atua na área do apoio a crianças e jovens em risco) e em todas as casas de acolhimento da Região Autónoma da Madeira, que envolvem atualmente mais de 200 participantes.
Sobre a replicação deste programa, a investigadora esclarece que o Treino de Mente Compassiva para Cuidadores poderá constituir-se como “um programa útil na formação especializadas das equipas das casas de acolhimento, recomendando-se que possa orientar a intervenção e a supervisão efetuadas nas instituições”. Mas, realça, vem “complementar as intervenções especializadas dirigidas a crianças e jovens já existentes (como psicoterapia e aconselhamento) e não vir a substituí-las”.
Os resultados da investigação foram publicados na revista Child Abuse & Neglect.
Texto: Maria João Garcia
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