A infertilidade “é uma doença com grande impacto na vida, saúde e bem-estar dos casais afetados, que sofrem frequentemente de problemas psicossociais e financeiros”, explica a investigadora do Grupo de Investigação em Biologia da Reprodução e Células Estaminais do Centro de Neurociências e Biologia Celular da UC (CNC-UC), Sandra Amaral. “Em Portugal, estima-se que a infertilidade afete cerca de 300 mil casais, sendo que o fator masculino contribui para cerca de 50% dos casos de infertilidade. No entanto, a identificação da causa de infertilidade masculina não é possível em aproximadamente 30% dos casos – a chamada infertilidade masculina de origem desconhecida”, acrescenta.
O artigo científico New Insights on Sperm Function in Male Infertility of Unknown Origin: A Multimodal Approach, publicado na revista Biomolecules, envolveu mais de 1400 pacientes, tendo sido analisados espermatozoides de indivíduos saudáveis e sem problemas de fertilidade e também de homens diagnosticados com infertilidade de origem desconhecida.
Os cientistas conseguiram identificar alguns aspetos funcionais do gameta masculino que se encontram afetados: a integridade do seu ADN (material genético a ser transmitido à geração futura), o processo de capacitação (que confere ao gameta capacidade de fertilizar) e ainda a função mitocondrial (relacionada com a mitocôndria, um organelo celular envolvido em inúmeras funções como, por exemplo, a produção de energia). Adicionalmente, a equipa de investigação identificou ainda seis proteínas diferencialmente expressas nos indivíduos diagnosticados com infertilidade. Os investigadores acreditam que todos estes aspetos estão a afetar o potencial de fertilização dos espermatozoides.
“Estes novos aspetos funcionais que apresentamos neste estudo dão novas informações que podem permitir, no futuro, identificar os fatores causadores da infertilidade nestes homens, abrindo a porta para uma melhoria nos métodos de diagnóstico e futuros tratamentos”, destaca Sandra Amaral.
Nos homens, o diagnóstico desta patologia contempla uma avaliação integrada, que inclui a história clínica, um exame físico, uma análise ecográfica, e as análises hormonal e seminal. Atualmente, “é na análise seminal que surgem algumas questões, uma vez que esta análise, feita rotineiramente, apresenta algumas limitações”, explica a investigadora.
“Apesar da análise seminal (análise feita ao sémen, composto essencialmente pelo líquido seminal e pelos espermatozoides) ser o pilar do diagnóstico da infertilidade, ela nem sempre permite predizer a causa exata da infertilidade e probabilidade de engravidar, uma vez que o espermatozoide tem muitas outras características e funções que não são analisadas rotineiramente”, elucida a investigadora da UC. “Isto evidencia a necessidade de estudar outros detalhes celulares e moleculares destas células, como fizemos neste estudo, na tentativa de compreendermos de forma mais aprofundada o seu funcionamento e, por consequência, melhor entender e tratar a infertilidade masculina”, sublinha a líder do estudo.
Neste contexto, este estudo “permite que se aumente o conhecimento sobre esta doença, de forma que, no futuro, a possamos ultrapassar, evitando o sofrimento imenso que lhe está associado”, destaca Sandra Amaral. “Uma abordagem integrada da infertilidade masculina de origem desconhecida – que envolva os vários aspetos funcionais do gâmeta masculino, bem como outros fatores externos que o podem impactar – tem potencial para contribuir para um melhor diagnóstico e eficácia dos tratamentos, contribuindo para um sistema de saúde mais sustentável, promovendo a saúde reprodutiva, o bem-estar e a melhoria das taxas de fertilização”, elucida a investigadora.
Seguindo as linhas de investigação apontadas neste estudo, “o próximo passo será compreender melhor a função das proteínas que identificámos como estando diferencialmente expressas nos indivíduos com infertilidade, para entender de que forma a sua expressão pode estar relacionada com o estado de infertilidade e eventualmente encontrar um biomarcador para este tipo de infertilidade”, remata Sandra Amaral.
A investigação, financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, contou com a participação de cientistas, médicos, embriologistas, psicólogos e bioestatísticos, tendo envolvido três faculdades da UC (Faculdade de Ciências e Tecnologia, Faculdade de Medicina e Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação). Foi conduzida em estreita colaboração com o Serviço de Medicina Reprodutiva do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
O artigo científico tem como primeiras autoras Rita Ivo Pacheco e Maria Inês Cristo, sendo a última também aluna de doutoramento da UC.
COMUNICADO
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