Em 2016, à época com 31 anos, Catarina Rogado recebeu o diagnóstico de linfoma de Hodgkin. Face a esta situação, iniciou a primeira linha de tratamentos, que consistiu em quimioterapia e radioterapia, mas em 2019 teve a sua primeira recidiva, o que a levou a fazer novos tratamentos, cumprir mais quimioterapia e fazer um autotransplante, ou seja, um transplante com as células do seu próprio corpo, “quase como para fazer um reset ao corpo, para que a medula passasse a fabricar novas células sem doença cancerígena”, explica em entrevista ao SaúdeOnline.
Porém, esta opção não resultou, e no início de 2020 Catarina foi diagnosticada com a segunda recidiva. “Fiz uma outra linha de tratamentos, fiz imunoterapia, que também não resultou, e no final de 2020, perante a terceira recidiva, fiz mais imunoterapia, mas desta vez com vista a um alotransplante, ou seja, um transplante a partir de outra pessoa, com doação de medula óssea”.
Foi encontrado um dador 100% compatível na família, algo “muito difícil de encontrar”, que, no caso, foi o próprio irmão. Assim, em março de 2022, Catarina foi submetida ao alotransplante, e encontra-se em vigilância desde então, afirmando que “felizmente está tudo a correr bem”.
Desde que passou por uma situação de doação de medula óssea, e apesar de não ter necessitado de recorrer à “doação de estranhos” ou que fossem feitas “campanhas para que fosse encontrado um dador” para si, a verdade é que Catarina tornou-se “uma embaixadora da causa” com “uma grande vontade de apelar ao registo para a doação de medula”, afirma.
“Só quem está nestes lugares se apercebe da fragilidade, da dependência do altruísmo do outro. (…) O registo é efetivamente super simples, é apenas tirar um tubo de sangue para depois se ver se existem compatibilidades ou não. Mas na etapa seguinte do processo, quando recebemos um telefonema e nos dizem: ‘o seu tipo de medula é compatível com um doente que precisa de um transplante, pode fazer a doação da sua medula?’ e há muitas pessoas que, por desconhecimento do processo, ou nem sequer se registam, ou não avançam quando são chamadas para ajudar alguém, com medo da dor. Cada vez menos é um procedimento invasivo, é como se fosse uma doação de sangue, e esse processo é cada vez mais feito de forma mais simples, e salvam-se vidas de modo muito fácil”, argumenta.
Assim, Catarina Rogado fez desta a sua causa, e associou-se à Associação Portuguesa Contra a Leucemia (APCL), tentando ajudar a associação sempre que a mesma acha que pode “contribuir na sua missão”.
No que diz respeito às Jornadas Virtuais da APCL, um evento que se realiza no dia 22 de setembro em formato online, e que, de acordo com a associação, traz uma “nova reflexão sobre as doenças hemato-oncológicas em Portugal”, Catarina conta-nos que não é a primeira vez que participa em atividades deste cariz da APCL.
“Já dei o meu testemunho em alguns webinares e nas próprias Jornadas do ano passado, e uma coisa que noto que tenho alguma facilidade em falar é, não só, da minha história e da capacidade de superação e de ultrapassar obstáculos desde que estejamos bem rodeados, e que haja uma boa rede de suporte, mas também do apoio fundamental da ciência”, relata.
“Costumo falar sempre em três pilares que são fundamentais para qualquer pessoa, principalmente para doentes oncológicos, que é, no fundo, a prática de exercício físico, uma boa alimentação com um apoio na nutrição, e, por fim, a psicoterapia. Com base nestas mensagens que tenho vindo a partilhar, a APCL tem contado comigo, tem-me perguntado se eu gostaria de participar em vários eventos e uma das últimas iniciativas em que tenho participado tem sido para falar sobre os direitos dos doentes oncológicos”.
Apesar de afirmar que este processo “passa por um mundo de burocracia infindável”, Catarina explica que “ultrapassadas estas etapas, nós, pessoas com doença oncológica, temos alguns direitos e benefícios, e indo às instituições certas, tomando os passos certos, conseguimos ter vários benefícios que compensem, de alguma forma, a volta de 180 graus que a nossa vida leva com um diagnóstico tão complicado”. Isto porque, “apesar de passarmos a ter taxas moderadoras isentas e de termos um Sistema Nacional de Saúde (SNS) fantástico no sentido de apoio e de gratuitidade das intervenções, a verdade é que há vários custos e questões que passam a sair dos nossos bolsos porque temos a doença”. Por isso, “existem várias formas de compensar essas vicissitudes e eu deparei-me com um caminho de vários passos que nós, pessoas com doença oncológica, podemos tomar para vermos esses direitos compensados”.
Para além desta temática que irá ser abordada, Catarina explica ainda que “é interessante ver as Jornadas como uma fonte de informação de referência na área da Hematologia, seja qual for o diagnóstico”. Como acrescenta, “acaba por ser um evento de referência com informação muito completa e de excelência, com profissionais incríveis que falam sobre os temas com uma propriedade que dificilmente encontraremos noutras fontes e a informação está facilmente acessível a quem procure mais conhecimento na área, quem esteja um pouco até perdido”, explica.
“Já dei por mim neste percurso de sete anos a assistir aos webinares e às Jornadas, e a todo o material que é proporcionado pela APCL, a consumir esse material, com informação nova. Existe sempre informação nova para mim mesmo que eu já esteja neste mundo há bastante tempo, e pelas piores razões, mas a verdade é que toda a informação que a APCL partilha vai sendo sempre útil e pertinente e muito adequada à minha vida enquanto pessoa com doença oncológica”, revela.
Catarina Rogado volta a reforçar a “extrema importância e utilidade para qualquer pessoa” das Jornadas Virtuais da APCL. “Quer seja pessoa com doença, quer seja cuidador, quer seja um curioso na área, quer seja um profissional de saúde, é extremamente importante assistir a qualquer evento da APCL, mas a este em particular, porque as Jornadas sendo um evento anual que reúne uma data de temas úteis para quem está neste meio, é a referência para qualquer pessoa interessada no tema”.
De modo a fazer um apelo ao registo para possíveis doações de medula óssea, Catarina quis ainda deixar uma mensagem sobre o tema. “Todos nós já passámos por várias dores na nossa vida. Não consigo conceber uma dor de saber que alguém me pode salvar a vida, e com medo de algo que não é efetivamente difícil, com medo de algo que nem sequer é concreto, não tem informação de base para dizer que não consegue fazer uma doação, não consigo compreender como é que o receio, de algo infundado, consegue ser superior à vontade de salvar uma vida, e a dor de alguém que quer viver, quer ter mais uma oportunidade, não consegue ter essa oportunidade, e muitas vezes avança-se para tratamentos alternativos porque a doação não foi possível. Esses tratamentos alternativos não salvam a vida da pessoa, só a prolongam, e a que custo”, revela.
“Existem várias formas de doação de medula, aquela que era tida há muitos anos como única e principal era efetivamente uma sedação, a pessoa ia ao bloco operatório e a partir da zona do osso, da bacia, era retirada uma amostra da medula”. Porém, hoje em dia “aquilo que se faz, e que foi o que eu fiz para a recolha das minhas próprias células, e que o meu irmão fez quando foi para me fazer a doação, é muito simples. Numa fase preparatória a pessoa recebe umas injeções muito indolores para estimular a que a medula óssea produza mais componentes que venham para o sangue periférico, e portanto, que da fonte passe a circular esses componentes mais para as veias periféricas, para depois sim, ao fim de três a cinco dias feita essa estimulação da medula, a pessoa possa comodamente estar sentada ou deitada e seja colocado um pequeno cateter nos braços, ou seja, nas veias mais acessíveis“, explica.
“Esse cateter passa por uma máquina que faz a filtragem do sangue que é retirado para um pequeno saco, onde fica a medula óssea que irá ser doada, e no outro braço, está um outro cateter, por onde circula o sangue já filtrado, portanto é como se fosse um circuito, quase como se fosse uma hemodiálise, em que não é filtrado o sangue para retirar nenhum mal, digamos assim, mas sim para retirar os componentes da medula que servem para o processo de doação da medula, sendo que esta regenera, portanto não se está a roubar nada a ninguém, não é o típico transplante de órgãos”.
Catarina compara o processo à doação de sangue, explicando que “só quando existe a necessidade de obter a medula mais concentrada é que, aí sim, se vai ao bloco para fazer uma intervenção, sendo que nenhuma destas hipóteses é difícil, visto que estamos a salvar uma vida”, afirma.
“Felizmente temos muitos dadores, mas também temos algumas desistências que são incompreensíveis”, revela a associada da APCL.
“Apelo também à doação de sangue, porque se isto é fácil, a doação de sangue e de plaquetas é muito fácil também”, concretiza Catarina Rogado.
CG
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