A vacinação continua a ser a medida mais importante para se prevenir o cancro do colo do útero associado a infeção por HPV?

A prevenção primária é, sem dúvida, a vacina, mas também o rastreio. Temos em Portugal um Plano Nacional de Vacinação excecional, com uma taxa de cobertura até aos 30 anos acima dos 90% no que diz respeito à vacina contra o HPV. Entre os 25 e os 65 anos, todas as mulheres devem ser rastreadas, porque só desta forma é possível detetar lesões atempadamente e iniciar o tratamento o quanto antes.

E a taxa de rastreios, também está a ter o mesmo sucesso que a vacinação?

Não, apesar de estarmos progressivamente a assistir a várias melhorias. Infelizmente, ainda existem mulheres que não aderem ao rastreio e que chegam à nossa consulta já com cancro do colo do útero e em estadios avançados. Essa tem sido, por exemplo, a realidade do Algarve, a região onde exerço Medicina. Existe uma boa adesão entre os 25 e os 30 anos, mas diminui a partir dos 40 anos.

E porquê?

Uma das razões é o acesso aos cuidados de saúde primários. No Algarve, como se sabe, tem havido escassez de médicos de família e, dessa forma, há mulheres que não vão às consultas e não têm também grande literacia. O médico de família tem um papel fundamental no rastreio. É importante apostar-se em rastreios organizados, de base populacional, e não apenas nos oportunísticos. As mais jovens estão, na sua maioria, vacinadas, mas as mais velhas não, porque não existia essa possibilidade; é preciso pensar neste grupo, acima dos 40 anos.

“Nas minhas consultas alerto que os homens também podem ter o vírus, o que aumenta o risco de se ter cancro do pénis”

Há quem defenda que se deve vacinar as mulheres mais velhas e também quem já tem lesões decorrentes do HPV. Concorda?

Sim, sem dúvida. Aconselho todas as minhas utentes a fazerem a vacina. Havendo já lesões devem fazê-lo até antes de se iniciar o tratamento. Além delas, os companheiros também o devem fazer. Nas minhas consultas alerto que os homens também podem ter o vírus, o que aumenta o risco de se ter cancro do pénis. O HPV pode provocar cancro na vulva, na vagina, no ânus, no pénis e na orofaringe.

Os homens costumam aceitar esse conselho?

Sim. Aliás, muitas vezes, numa consulta em casal, são os primeiro a demonstrar interesse na vacina. Mulheres e homens devem fazer a vacina contra o HPV.

Deveria existir mais campanhas para alertar para a relevância da vacina e do rastreio?

Sim, defendo isso. A OMS propõe, até 2030, que haja 90% das meninas totalmente vacinadas com a vacina contra o HPV até os 15 anos de idade; 70% das mulheres examinadas antes dos 35 anos e, novamente, antes dos 45 anos, por meio de testes de alta precisão; e 90% das mulheres diagnosticadas com cancro de colo do útero a receber tratamento (90% das mulheres com lesões pré-cancerosas e 90% das mulheres com cancro invasivo).

MJG

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