O que é mais preocupante na Saúde Pública (SP)?

São várias preocupações! Os médicos de SP sentem que tem havido uma desvalorização da profissão, começando pelo retirar de competências à DGS. Atualmente, o órgão nacional máximo da SP está a perder a capacidade de intervir e de atuar de forma adequada. Até ao momento não temos nenhuma indicação por parte do Ministério da Saúde de qual será a futura organização da SP, as suas competências e atribuições. Estamos numa fase de grandes alterações no SNS, com a criação de mais unidades locais de saúde (ULS), mas no que diz respeito à SP, a resposta é coxa. A Direção Executiva do SNS (DE-SNS) tem estado disponível para pensar uma solução para os serviços de SP a nível local, mas o Ministério não tem quaisquer respostas. Com a municipalização da saúde e com o fim das ARS por exemplo, os departamentos de SP, ao nível regional, irão passar também para as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR). Isto é o que se sabe até ao momento.

Criticam assim a Secretária de Estado para a Promoção da Saúde..

A DGS tem perdido diferentes programas nacionais, como o da Saúde Mental. O que se pretende é a criação de uma agência de promoção da saúde que ninguém sabe como vai funcionar; só se sabe que ficará sob a sua alçada. Vai ficar-se assim com três entidades com divisões na área da promoção em SP: a Agência, a DGS e o INSA. Com o esvaziamento de competências da DGS e com o atraso para a abertura de um concurso para um novo diretor-geral da Saúde – surgiu apenas ao fim de 4 meses após a Dr.ª Graça Freitas ter anunciado que não continuaria – vê-se que este Ministério está a criar as condições para que esta entidade deixe, em última instância, de existir. Basta recordarmos o que o Sr. Ministro Manuel Pizarro disse na pandemia, quando ainda não era ministro. Na altura, criticou o papel da DGS e defendeu a criação de uma direção-geral da promoção da saúde. A própria Secretária de Estado para a Promoção da Saúde já disse que querem criar uma agência para a promoção da saúde. A SP está numa encruzilhada, sem um rumo organizacional, incluindo a nível regional, e prevê-se assim um futuro muito difícil.

“A SP exige estabilidade e uma estrutura técnica que seja independente dos poderes políticos para que possa haver uma continuidade de políticas, de intervenções, de programas”

Sendo uma Secretaria deste Governo, receiam que noutra legislatura a mesma não venha sequer a existir?

Quando as coisas são assentes em instituições governamentais, vindo um novo executivo haverá sempre a possibilidade de se reverter tudo o que anterior fez. A SP exige estabilidade e uma estrutura técnica que seja independente dos poderes políticos para que possa haver uma continuidade de políticas, de intervenções, de programas. Obviamente que os governos têm diferentes objetivos e poder-se-á fazer uma ou outra adaptação. Mas deve sempre existir um fio condutor. Os resultados em SP não podem ser contabilizados como o número de cirurgias ou de consultas. Só são visíveis a longo prazo. A Saúde Pública também trabalha para dar resposta a situações imediatas, obviamente, mas muito do nosso trabalho só tem resultados concretos ao fim de uns anos ou não estivéssemos a falar de prevenção.

Quais as principais consequências destas decisões?

Os jovens que estão a acabar de se formar e que são recém-especialistas começam a ponderar muitos outros cenários possíveis, como ir para uma região autónoma, para o estrangeiro, ou até trabalhar para a indústria farmacêutica ou na academia. Os serviços de SP vão ficar mais pobres, sem meios e recursos, com todas as consequências que isso acarreta em termos de saúde global. Já manifestámos esta nossa preocupação à Sr.ª Secretária de Estado em janeiro deste ano, salientando que era fundamental reforçar a DGS. Estamos, atualmente, na terceira Comissão da Reforma de Saúde Pública, sendo que as duas primeiras manifestaram a intenção, ou deram a recomendação técnica ao Governo, de que o futuro da SP passaria por um reforço das competências da DGS, assim como do Serviço Regional de Saúde Pública – na dependência da DGS, havendo uma cadeia hierárquica de SP estabelecida autonomamente para intervir na comunidade e com os parceiros (SNS, privados, social). Mas o Ministério está a ir num caminho contrário. Temos uma nova Comissão da Reforma, que também tem um prazo relativamente curto para trazer novidades, e cuja utilidade consideramos que é diminuta.

Porquê?

Porque o caminho já foi quase todo traçado pelas outras duas comissões, além disso esta não tem elementos que conheçam a realidade dos serviços de SP. São pessoas que não trabalham nestes serviços, mas sim na academia ou em instituições paralelas.

“… temos um ministro e dois secretários de Estado que não conhecem a realidade da SP e que, neste momento, estão a tentar fazer uma reforma encapotada”

Daí também se falar na desvalorização do médico de saúde pública?

No meio disto tudo, também assistimos a um desvalorizar do papel do médico de saúde pública, da função e do poder da Autoridade de Saúde, que é uma figura sem igual no SNS. Temos um ministro e dois secretários de Estado que não conhecem a realidade da SP e que, neste momento, estão a tentar fazer uma reforma encapotada, de acordo apenas com aquilo que são os seus ideais, os seus objetivos, a sua visão, quando toda uma estrutura que está assente no terreno aponta num sentido contrário ao que este Ministério está a seguir. Estamos preocupados, daí exigirmos uma reunião urgente com o ministro.

Vão ser criadas mais ULS. Deveriam também fazer parte do conselho de administração?

Sugerimos precisamente isso à Direção Executiva. Contar com a presença de um médico de SP no conselho de administração de uma ULS faz todo o sentido numa visão global de integração de cuidados, de contacto com a comunidade.

Texto: Maria João Garcia

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