Miguel lavava as mãos dezenas de vezes seguidas e, se o pai lhe fechasse a torneira, voltava ao princípio da contagem. Para os pais era difícil entender o que se passava com o filho e a psicóloga dizia que eram apenas manias. Os primeiros sintomas de perturbação obsessivo-compulsiva começaram a surgir aos seis anos, mas o diagnóstico apenas foi possível aos 12 anos.
Pior que isso, sendo resistente ao tratamento, somente aos 30 anos é que conseguiu ter acesso ao tratamento mais adequado. Mas, atualmente, já pode dizer que é livre. “É libertador! Sente-se que se sai de uma prisão que nós próprios criámos”, diz, em declarações, ao SaúdeOnline.
Face às muitas dificuldades e ao sofrimento que tem sentido ao longo destes anos, Miguel pediu ajuda ao pai para se criar uma associação que desse a conhecer o que é a POC e como se deve procurar ajuda. “Não queremos que outros passem pelo mesmo. Queremos dar voz a este problema de saúde, porque há muitas pessoas que têm POC e não sabem. Apenas acham que há algo estranho”, diz Paulo Sousa Marques, pai do Miguel e presidente da Associação Portuguesa OCD Foundation.
Como acrescenta: “É comum estas pessoas esconderem os seus rituais e compulsões, o que causa ainda mais sofrimento.”
Mas a associação não se destina somente à população geral. Pretende-se ainda chegar aos profissionais de saúde, contando-se para tal com a participação de alguns dos principais especialistas nacionais ligados à área da saúde mental em Portugal: Albino Maia, médico psiquiatra na Fundação Champalimaud; Pedro Morgado, coordenador Regional de Saúde Mental da Região Norte e chefe da Unidade de Perturbações do Espectro Obsessivo-Compulsivo do Hospital de Braga; Sónia Dias, Diretora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP-NOVA) e Coordenadora do Centro de Investigação em Saúde Pública; e Carla Branco, psicóloga clínica com especialidade avançada em psicoterapia.
“Apesar de a maioria dos psicólogos e psiquiatras estarem familiarizados com a POC, poucos possuem conhecimento aprofundado sobre as práticas de tratamento mais eficazes a nível internacional, e ainda menos são especializados nesta condição específica.”
POC. O diagnóstico pode chegar ao fim de 12 anos
De acordo com informações da Associação, Portugal apresenta uma taxa de prevalência da POC consideravelmente elevada em comparação com outros países. “Estima-se que 1 em cada 20 portugueses seja afetado por POC, contrastando com a média de 1 em 100 nos Estados Unidos, onde a condição é mais reconhecida. Isto representa aproximadamente 540 mil indivíduos, equivalente à população total do Município de Lisboa.”
Muitas pessoas desconhecem a sua condição e, em média, o atraso no diagnóstico pode chegar aos 12 anos, após se ter consultado três ou quatro terapeutas. Além disso, estudos indicam que os pacientes com POC podem esperar cerca de dois anos até receberem o tratamento adequado.”
E os obstáculos não ficam por aqui. Nos casos graves, que necessitam inclusive de internamento, a Estimulação Cerebral Profunda e a Estimulação Magnética Transcraniana são, atualmente, terapias que têm demonstrado benefícios, mas nem todos têm acesso por questões económicas”, afirma Paulo Sousa Marques. Para contornar esta situação, tem como objetivo estabelecer protocolos com várias entidades para que mais pessoas possam ter acesso aos tratamentos de que necessitam.
Tal como o filho Miguel, espera que mais pessoas sintam que, mesmo com POC, é possível ser feliz e viver com qualidade de vida.
O lançamento da associação será feito no Auditório da Fundação Champalimaud, no âmbito da realização da 1ª Conferência Portuguesa sobre Estimulação Cerebral em Saúde Mental e contará com a presença de António Raminhos para realizar ao vivo a próxima edição do seu podcast Somos todos Malucos, contando com a presença de dois convidados que vivem com POC.
Maria João Garcia
Notícia relacionada