O meu lúpus tem incidência no sistema nervoso central, ou seja, com uma grande componente neurológica. Resolvi escrever este texto, porque apesar de ter esta doença para a vida e de todos os dias ter novos desafios, nem sempre estamos há espera que, de um segundo para o outro, tudo se transforme, eu não me reconheci, foi assustador.
Depois de um dia de trabalho, cheguei a casa e, por norma, é obrigatório fazer horas de repouso, mas o meu cansaço era extremo ao ponto de não conseguir mastigar, e ter optado, nos dias anteriores, por alimentar-me mais com alimentação liquida. O meu corpo já me estava a dar sinais que desvalorizei, respirar doía, eu não estava a conseguir estar dentro do meu próprio corpo, sensação muito estranha, e foi nessa mesma tarde que tudo aconteceu.
O meu cérebro teve um apagão tão forte em que o meu cérebro ficou preto, ou seja, deixei de ter noção de tempo e espaço, não reconheci, sequer, a minha casa, deixei de conseguir verbalizar o que quer que fosse, associada a fortes dores de cabeça. A sorte, no meio de tudo isto, é que não estava em casa sozinha, fazia-me acompanhar do meu filho que sempre me tentou acalmar dentro do episódio que estava a acontecer, em que nada estava a perceber, a perceção que tive foi que não podia perder mais tempo, a minha vida estava a correr como o vento em que a mesma estava em risco, tentei com grande custo manter a calma, mas logo tudo virou de direção, não sabia quem era.
– Deixei de conseguir me expressar, algo que adoro fazer em ações de sensibilização que faço
– Conseguia ouvir o que me diziam, mas não conseguia verbalizar o mesmo
– Dificuldade na concentração
– Pouca capacidade de raciocínio, associada a uma perda grande de capacidade de ouvir
– Não me consigo expressar verbalmente como o fazia
– Dificuldades na compreensão da linguagem verbal escrita. Encontro na escrita a forma de me poder expressar.
Com tudo isto a acontecer recorri ao meu médico, que me acompanha ao longo de todos estes anos e que, após vários exames neurológicos, bem como uma ressonância magnética, me informou que eu tinha afasia provocada pelo meu lúpus, algo que é tão pouco falado para quem tem este tipo de doença autoimune. Posso dizer-vos que o chão me faltou, inconscientemente isolei-me do mundo, precisei de tempo para me voltar a encontrar, senti o meu mundo num silêncio profundo, no qual eu não queria isto para mim, nunca fui pessoa de desistir, mas tive que ter o meu tempo de aceitação a esta minha nova realidade e tudo o que iria impactar na minha vida pessoal, bem como a nível laboral.
O papel da família tem sido muito importante e fundamental neste meu novo processo por isso, algumas atitudes que a minha família tem tido com a minha afasia têm sido fundamentais que passo a citar:
– Preciso de mais tempo para eu me poder expressar e compreender o que me dizem, preciso que os outros tenham mais paciência e mostrem o amor e cuidado;
– Preciso que quando falam comigo o façam com frases curtas e simples e as repitam várias vezes;
– O meu filho e marido aprenderam a escolher conversar comigo sempre em ambientes tranquilos, sem agitação ou barulhos muitas vezes com gestos e imagens, para reforçar a compreensão. É de salientar que, uma vez que amo o mar, eles procuram levar-me com muita regularidade para perto do mar, para que eu sinta uma identificação e a leveza que o mesmo provoca em mim, para procurar o meu equilíbrio e para que possa fortalecer a minha autoconfiança, e acreditem é uma paz e liberdade poder correr no areal e mergulhar no mar. Sinto-me viva.
– Aprenderam a falar comigo sobre um tema de cada vez, não incluindo vários assuntos na mesma conversa, a fim de evitar a confusão mental.
– E o mais importante, é que tenho muita sorte no amor que me dão apesar das dificuldades e aprendizagens que todos neste processo estamos a fazer.
Saliento que esta minha nova realidade tem apenas quatro semanas e que adoro falar para muitas pessoas de forma a informar sobre esta patologia, que, neste momento, ainda não consigo fazer e não sei ainda quanto tempo pode levar. Apesar da terapia da fala ser extremamente importante neste processo, decidi, nestas poucas palavras, mostrar a quem tem lúpus e todos os problemas inerentes a ele, que não se vê, mas sente-se, e por detrás de um sorriso existe sempre uma grande história.
O meu caminho, faz-se caminhando. Um dia sei que vou olhar para trás e ver que os degraus que tive de subir serão os mesmos que um dia me irão levar á vitória.
A força da minha alma ao mar vou buscar…
Isabel Marques